27/09/2012

As boas amizades


Conheci Anita aos seis anos, no ensaio da festinha de final do ano do pré. Nós estávamos vestidas de Emília, a boneca de pano do Sítio do  Amarelo, quando ela se aproximou e me perguntou se eu era da turma da manhã. “Ah, eu sou da turma da tarde, mas ano que vem vou começar a estudar de manhã. Acho que vamos estudar juntas…”. Não foi difícil guardar o rosto da nova colega de classe. Ela tinha os olhos mais redondos e azuis que eu já tinha visto na vida.
No começo do ano seguinte, lá estava ela, a menina do olho redondo e azul, sentada na carteira do fundo da sala. Não tenho lembranças exatas de como a amizade se desenrolou, mas sei que desde aquela época eu a admirava. Ela já sabia ler e escrever, antes de todo mundo. Conforme o ano foi passando e as palavras e frases foram sendo aprendidas, eu esboçava o garrancho eterno que seria minha letra, enquanto Anita fazia os “as” e “os” todos redondinhos e com canetas coloridas. Perfeccionista desde sempre.
Foram onze anos estudando juntas. Desde a alfabetização até o vestibular. Ela foi estudar pedagogia, e eu jornalismo. Lembro até hoje como estranhamos o fim da convivência diária. Era esquisito não dividir com ela meu mau humor matinal, os trabalhos em grupo, e o desespero pré-provas. Nem por isso as coisas mudaram, e acho que o que mais me admira nessa relação é a capacidade de tudo ter se modificado tantas vezes, de nós duas termos mudado tanto, e a amizade continuar sempre a mesma, intacta. Durante todo esse tempo, tivemos fases, gostos, estilos de vida diferentes; mas o café e a conversa toda sexta-feira à noite sempre foram sagrados. É um grau de amizade e confiança difícil de explicar. Eu passei um mês viajando com o namorado dela – sem ela, e tudo bem. Enquanto isso, ela saia para jantar com o meu namorado – que também ficou, e tudo bem também.
No ano passado, ela veio me contar que iria se casar e mudar para os EUA. Confesso que não consegui ficar feliz como deveria. A ideia de não ter a amiga de infância por perto me deixou triste. E eu, que não tenho pudores para chorar em lugares públicos, cheguei a fazer o papelão de desabar em lágrimas dentro de um ônibus a caminho da 25 de março, enquanto ia com ela escolher o tecido para embrulhar o bem casado. O casamento foi um dos mais lindos que já vi na vida, e logo depois Anita foi embora. Durante um ano, me planejei para ir visitá-la nas próximas férias.
Quando cheguei ao aeroporto, semanas atrás, tive medo de encontrá-la e ela estar diferente, ou de eu estar diferente, ou de alguma coisa ter mudado. A aflição não durou nem cinco minutos. Anita estava lá, com os mesmos olhos azuis e redondos de sempre, e bastou um abraço e dois minutos de conversa para eu entender que mais uma vez as coisas mudaram bastante em nossas vidas, mas a amizade, como sempre, continua a mesma.
Natália Spinacé é repórter de ÉPOCA em São Paulo.
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