Padre Manfredo Oliveira*
Ouve-se muito as pessoas comentar que
não veem grandes diferenças nas propostas apresentadas pelos candidatos dos
mais diversos partidos e coligações na atual campanha eleitoral. De certo modo
isso confirma a interpretação político-ideológica de vários analistas de nossa
situação presente. O que caracteriza essa conjuntura para essa corrente de
pensamento é o desaparecimento da contraposição radical de posturas: estaríamos
em plena feira ideológico-político-partidária, um cenário que leva a justificar
alianças absurdas que se apresentam como legítimas pelos resultados que o
governo tem conseguido no campo das políticas sociais.
Muitos insistem no fato fundamental de que hoje muitas
famílias tenham saído da pobreza ou da miséria, tenham conseguido um emprego
com todas as garantias trabalhistas e que as políticas de cotas tenham levado
muitos jovens da periferia para o ensino superior.
O professor de filosofia na USP V. Safatle, por
exemplo, considera nosso momento marcado por um conservadorismo que é filho
bastardo do “lulismo” definido pela aliança de setores da esquerda brasileira e
alas de políticos conservadores à busca de sobrevida. Essa aliança tornou
possível tanto a constituição de um sistema de seguridade social até hoje
inédito em nosso país quanto a ascensão econômica de grandes parcelas da
população brasileira por meio, sobretudo, da ampliação do consumo.
Para Safatle, tal ascensão foi capaz de gerar um
sentimento de cidadania, mas não passou pelo acesso a serviços sociais
ampliados e consolidados em sua qualidade. Essa ascensão significou, além de
uma importante expansão das universidades federais, poder pagar escola privada,
plano de saúde privado, celular, eletrodomésticos e frequentar universidade
privada. Isso significa dizer que os direitos da cidadania foram interpretados
como direitos do consumidor.
Defende-se, contudo, a ideia de que essas medidas,
apesar de significativas, não são capazes de romper com as raízes mais
profundas das desigualdades que historicamente têm marcado nossa formação
social. É nesse sentido que hoje se costuma dizer que acabou a diferença entre
direita e esquerda. Aqui se pensa esquerda como postura ou movimento que luta
por mudanças estruturais direcionadas para a igualdade e a justiça social e
ecológica. A afirmação vai na direção de dizer que no Brasil de hoje todos se
situam no centro com exceção dos pequenos partidos ideológicos que praticamente
não pesam no cenário político.
Com isso ocorre, na realidade, um enorme encurtamento
do horizonte da ação política o que a faz incapaz de responder ao grande desafio
de nossa situação: a busca de instituições e mecanismos capazes de efetivar uma
configuração nova da vida coletiva, uma sociedade em que todos os direitos
sejam reconhecidos, promovidos e efetivados para todas as pessoas num mundo em
que a terra tem o direito de manter-se com as energias que a fazem fonte de
vida.
Nessa perspectiva, a democratização de nossa vida
passa por mudanças profundas do atual sistema centralizado com reformas
estruturais abrangentes que realizem o objetivo básico estabelecido na
Constituição: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
*Filósofo e professor da UFC. Padre da
Arquidiocese de Fortaleza - manfredo.oliveira@uol.com.br
Artigo publicado no jornal O Povo,
domingo, 16 de setembro de 2012: http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/09/15/noticiasjornalopiniao,2920393/embotamento-ideologico.shtml
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