22/10/2013

Roma: O PONTIFÍCIO COLÉGIO PIO BRASILEIRO

A forja dos bispos do Brasil
Educadores e alunos do Colégio Pio Brasileiro no dia da inauguração, 
a 3 de abril de 1934 [© Pontificio Colégio Pio Brasileiro]
Educadores e alunos do Colégio Pio Brasileiro no dia da inauguração, a 3 de abril de 1934 [© Pontificio Colégio Pio Brasileiro]




Em setenta e cinco anos de história, passaram pelo Pontifício Colégio Pio Brasileiro quase dois mil estudantes. Entre eles, mais de cem foram nomeados bispos. Essa foi a casa de dom Luciano Mendes de Almeida nos anos que passou em Roma. E Agostino Bea optou por morar aqui em 1959, quando foi nomeado cardeal. Encontro com os atuais hóspedes do Pio Brasileiro


de Pina Baglioni
Educadores e alunos do Colégio Pio Brasileiro no dia da inauguração, 
a 3 de abril de 1934 [© Pontificio Colégio Pio Brasileiro]
Educadores e alunos do Colégio Pio Brasileiro no dia da inauguração, a 3 de abril de 1934 [© Pontificio Colégio Pio Brasileiro]
A primeira a chegar foi a pequena Nossa Senhora de gesso, quando o Colégio ainda estava vazio, cheio de entulho para remover e grandes caixas espalhadas por toda parte. Quem levou para dentro a estatueta que hoje se encontra um pouco escondida num canto do corredor que leva ao primeiro andar foram padre Angelo Contessoto, designado reitor do futuro Colégio, padre José Pianella, irmão Nicolau Conrath e irmão Riccardo Marchi. Depois de duas semanas de viagem de navio, pela rota Santos-Gênova, os quatro chegaram a Roma em 22 de setembro de 1933. “Eu me lembro sobretudo do irmão Marchi, um jesuíta italiano filho de migrantes, de 22 anos. Ele viveu sessenta anos aqui, como enfermeiro, cozinheiro, carpinteiro, jardineiro: é a verdadeira memória histórica deste lugar”. Com o falecimento do irmão Marchi, em 1992, a tarefa de não perder as pequenas e grandes histórias do Pontifício Colégio Pio Brasileiro foi entregue ao espanhol padre Félix Pastor, natural de La Coruña, na Galícia, professor emérito de Teologia Dogmática na Universidade Gregoriana e prefeito de estudos do Colégio. Ele é filho de Santo Inácio de Loyola, como todos os outros membros da direção. “Estou aqui desde 1966, quando preparava minha monografia de graduação, depois de ter passado muitos anos no Brasil e na Alemanha. Padre Pedro Arrupe [preposto-geral da Companhia de Jesus de 1965 a 1983, ndr] pediu-me que ficasse aqui apenas quatro ou cinco anos, como orientador espiritual. Mas precisavam de alguém no Colégio que servisse de conciliador entre o sistema de formação das universidades pontifícias e o praticado nos seminários brasileiros. Eu não saí mais”. 
Não dá para contar os ex-alunos do Pio Brasileiro que o idoso padre jesuíta assistiu, orientou e aconselhou, e que depois alcançaram os mais altos postos da hierarquia eclesiástica. Se for para dizer um, podemos citar o cardeal Geraldo Majella Agnelo, arcebispo de Salvador, na Bahia, e primaz do Brasil. Ou o cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano da arquidiocese de São Paulo, que em 17 de março passado esteve em Roma para celebrar a missa de uma das muitas celebrações eucarísticas comemorativas dos setenta e cinco anos da fundação do Colégio. Sem contar que o presidente, o vice-presidente e o secretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também são ex-alunos. “Eu até coloquei alguns tijolinhos”, admite padre Pastor, dando uma lista de outros nomes excelentes que moraram ali: Agnelo Rossi, por exemplo, criado cardeal por Paulo VI, que se tornou depois prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos; e ainda o cardeal Serafim Fernandes de Araújo, arcebispo emérito de Belo Horizonte, e o cardeal Lucas Moreira Neves, que foi prefeito da Congregação para os Bispos. Mas a lembrança mais afetuosa é do jesuíta Luciano Pedro Mendes de Almeida, falecido há dois anos, arcebispo metropolitano de Mariana e presidente da CNBB. “Ele trabalhou alguns anos conosco: era realmente um grande homem. O senador Andreotti vinha muitas vezes à missa aqui para encontrá-lo. Eu me lembro de que tinham longos bate-papos”. Num das dezenas e dezenas de quartos espalhados por este enorme edifício, está pendurado um quadro a óleo com A última ceia, pintado por detentos da penitenciária Regina Coeli, de Roma: uma pequena homenagem a dom Luciano, que tanto se dedicou a eles nos anos que passou na cidade. Mas a longa galeria de personalidades de destaque inclui também o jesuíta alemão Agostino Bea. Desde o dia em que foi nomeado cardeal, em 1959, decidiu morar no Colégio, pela grande afeição que tinha pelo Brasil desde os tempos da missão alemã no sul do país. “Mas este Colégio ofereceu à Igreja mais de cem bispos, muitos párocos e professores para os seminários e as faculdades de teologia do Brasil”. 
De 3 de abril de 1934, dia da fundação, até hoje, 1.900 estudantes atravessaram os portões do Pio Brasileiro. 
Os 34 estudantes do início se reduziriam a 12 durante a Segunda Guerra Mundial, para crescer em número em seguida e bater o recorde de presenças no ano acadêmico de 1954-1955, quando o Colégio contou com nada menos que 130 hóspedes, sendo 102 seminaristas e 28 sacerdotes. Nos primeiros vinte e cinco anos, o Colégio acolheu quase apenas seminaristas. Mas, entre 1959 e 1968, anos do Concílio e do pós-Concílio, “passamos do entusiasmo à confusão, até chegar, em 1978, a apenas 6 seminaristas e 47 sacerdotes”, explica ainda o idoso professor. “Além da crise de vocações, um outro motivo para a queda foi que os bispos brasileiros decidiram parar de enviar seminaristas a Roma, até porque já havia surgido no Brasil uma discreta rede de seminários diocesanos, nos quais vigorava o que na época foi definido como o ‘sistema brasileiro’, baseado em critérios considerados mais democráticos. A partir daí, decidimos hospedar sobretudo jovens já ordenados sacerdotes, que vinham a Roma para aperfeiçoar seus estudos”. 
Durante o Concílio, passaram pelo Pio Brasileiro, para dar conferências disputadíssimas, teólogos do calibre de Hans Küng, Karl Rahner, Joseph Ratzinger, Yves Congar, Marie-Dominique Chenu e Edward Schillebeeckx. Naquele período havia mais de trezentos bispos brasileiros em Roma, e muitos deles se hospedavam no Colégio. Foi um momento extraordinariamente vivo. “Depois, tivemos o longo pontificado de João Paulo II, considerado o momento da grande restauração”, lembra ainda padre Pastor, “em que as grandes névoas pareceram se dissolver. É claro que muitas vocações, nesse período, mostraram ter pouca consistência. E, de fato, muitos foram embora”. 

A fachada do Colégio

A fachada do Colégio
A “troca de guarda” 
O grande edifício em forma de “H” é cercado por pinheiros seculares da zona rural romana. Essas árvores, em determinado momento, tiveram de deixar um pouco de espaço para as araucárias, pinheiros do Brasil, um pouco mais baixos que os romanos, e para os abacateiros. Na horta plantada nos fundos do Colégio se destaca o chuchu, usado em saladas. “Conseguimos plantar também kiwi e temos tangerinas extraordinárias, que todo 8 de março damos às freiras da Congregação das Filhas do Amor Divino, que colaboram conosco há anos”. Padre Geraldo Antônio Coelho de Almeida mostra com certo orgulho o jardim do Colégio, que os hóspedes podem admirar todo 7 de setembro, dia da Independência brasileira, e 12 de outubro, festa de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. 
Com a fachada voltada para a via Aurelia, temos a igrejinha edificada na época de Napoleão. Está fechada há um bom tempo, por falta de fundos para dar continuidade à restauração. Não ter conseguido reabri-la é uma das coisas de que padre Geraldo se lamenta, agora que, depois de nove anos na direção do Pio Brasileiro, passou o timão ao novo reitor, padre João Roque Rohr, no último 25 de março. O revezamento se deu durante uma celebração solene, presidida pelo cardeal Zenon Grocholewski, prefeito da Congregação para a Educação Católica, com a presença do embaixador da República Federativa do Brasil junto à Santa Sé, Luiz Felipe de Seixas Corrêa, que também chegou a Roma há poucos meses, e do embaixador da República Eslovena junto à Santa Sé, Ivan Rebernik. 
Outro lamento de padre Geraldo será não ter conseguido revestir de mosaicos as paredes internas da capela dedicada a Nossa Senhora Aparecida, construída entre 1964 e 1966: uma espécie de pequena nave, ligada à ala posterior do edifício. “Eu até já tinha um artista em mente: padre Ivan Rupnik”. Mas, tirando os lamentos de natureza artística, o reitor “emérito”, à espera de voltar para a pátria, deixa um Colégio em boa saúde: no início do próximo ano acadêmico, serão 115 hóspedes ao todo, 12 a mais que no ano que passou. “Eles já chegam a Roma com muitos anos de experiência nas costas: alguns deles foram párocos, outros diretores de seminários, juízes de tribunais eclesiásticos, coordenadores de pastoral, administradores diocesanos”. 
Vêm de 80 das 170 dioceses do Brasil. Mas também de Angola, de Madagáscar, do Panamá, do Chile, do Equador e da Colômbia. Estão espalhados por todas as universidades pontifícias, sobretudo a Gregoriana e a Lateranense, em que lotam os cursos de Teologia e Filosofia. Cinquenta e sete deles estudam para obter o mestrado, trinta e nove pelo doutorado. São poucos os que ainda precisam obter o bacharelado. Os Estados do Brasil mais representados no Colégio são os do sudeste, principalmente São Paulo, e do Nordeste. 
À frente de um gigantesco mapa geográfico do Brasil, padre Geraldo explica: “Os seminários que mais crescem, nestes últimos tempos, são os dos Estados do Norte e do Nordeste”. Diante de um crescimento discreto do número de sacerdotes diocesanos, que atualmente são 11.778, padre Geraldo fala de uma crise vocacional entre os religiosos, que hoje no Brasil têm 7.313 sacerdotes. Essa diferença também se registra no número de seminaristas: 3.555 nos seminários religiosos e 5.731 nos diocesanos. 

O grande mosaico de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, na entrada do Colégio

O grande mosaico de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, na entrada do Colégio
A vida dos estudantes 
“É um verdadeiro privilégio estudar aqui, perto do Papa, encontrar os melhores professores de teologia do mundo. Para nós, Roma é o lugar da memória cristã e a cidade universitária por excelência. Podemos comparar a fundamentação teológica que trazemos do Brasil com a do centro do cristianismo”. Padre Leandro de Carvalho Raimundo, 31 anos, sacerdote há quase cinco, vem de Pouso Alegre, no Estado de Minas Gerais, Sudeste do Brasil. Seu objetivo é lecionar numa faculdade de teologia. Faz o segundo ano de doutorado no Pontifício Ateneu Santo Anselmo e está se especializando em Teologia dos Sacramentos, particularmente do sacramento da Ordem. “O estudo não é minha única ocupação: todas as manhãs vou celebrar missa fora do Colégio, nas Irmãs Crucificadas Adoradoras da Eucaristia. Durante o ano recebemos pedidos de ajuda de muitos párocos italianos e, nas férias de verão, eu vou até uma cidadezinha de quatrocentos habitantes perto de Bérgamo para dar uma mão. Lá, tenho encontrado um grande apego à Igreja e aos sacramentos. Para mim é muito útil conhecer a situação de vocês e compará-la com a nossa. É claro que os padres, em meu país, não são suficientes para os 180 milhões de habitantes. Mas nossas igrejas transbordam de jovens, são cheias de alegria. E isso, infelizmente, acontece menos na Itália, onde as paróquias são frequentadas principalmente por pessoas mais maduras”.
Além do estudo e da atividade pastoral, os estudantes do Pio Brasileiro estão diretamente envolvidos na administração do Colégio. Ao lado da direção – formada por reitor, vice-reitor, prefeito de estudos, orientador espiritual, responsável pela despensa e manutenção –, trabalha o Conselho dos Estudantes, com presidente, vice-presidente e cinco responsáveis por departamentos: litúrgico, pastoral, social, cultural e recreativo-esportivo. Foi constituído um Comitê de Alunos para os festejos dos setenta e cinco anos da fundação do Colégio, que se encerraram em 19 de junho, festa do padroeiro do Pio Brasileiro, o Sagrado Coração de Jesus, com uma solene celebração presidida pelo preposto-geral da Companhia de Jesus, padre Adolfo Nicolás. 
“Nossos estatutos preveem que este Colégio não seja utilizado como simples dormitório. Somos chamados a tomar decisões para a vida do Colégio em colaboração com a direção”, esclarece padre Jânison de Sá Santos, que nasceu há quarenta anos em Propriá, pequeno município de Sergipe. Ele está no segundo ano do doutorado e se especializa em Pastoral Catequética na Universidade Salesiana. “Os anos que passamos aqui não são desperdiçados, sobretudo no que diz respeito ao nosso crescimento espiritual. E Roma, nisso, é decisiva: as igrejas, as catacumbas, os sepulcros dos mártires ajudam a sustentar a nossa fé. Apesar dos mil compromissos, fazemos todo o possível para assistir à missa todos os dias juntos aqui no Colégio, por exemplo. Ou para conversar constantemente com o reitor, para entender como está o andamento da nossa formação. Até porque, aqui, com o perdão do jogo de palavras, formam-se os formadores. A maior parte de nós vai lecionar em seminários e faculdades de teologia”. Alguns deles, explica-nos ainda o padre Jânison, voltarão a ser párocos. Não sabem onde, pois a destinação será decidida pelos bispos das respectivas dioceses. 
Quando tentamos tocar no tema do ataque das seitas evangélicas contra o catolicismo brasileiro, quem fala é padre Geraldo, que no final de junho voltou para o Brasil. “As seitas evangélicas estão agredindo também a Europa, a África e os Estados Unidos. O Brasil é imenso, e isso é um pouco esquecido por todos aqueles que se arriscam a elaborar estatísticas e análises. Boa parte dos milhões e milhões de católicos, desde a época colonial, ficaram sem uma assistência suficiente. E esse problema se transmitiu de geração em geração. Na falta de igrejas e de padres, as pessoas se entregam a quem aparece na sua frente, ou seja, às seitas evangélicas que se autorreproduzem de um modo exponencial, sobretudo nos grandes centros urbanos (como São Paulo, que já tem vinte milhões de habitantes), procurados por milhares de migrantes. No Nordeste, por exemplo, noventa por cento da população continuou católica, até porque não existe o fenômeno da imigração. Os pastores evangélicos prometem de tudo: carreira, saúde, dinheiro, graças a um imenso potencial financeira baseado em fundos que vêm dos Estados Unidos e na propaganda constante em meios de comunicação fortíssimos, com programas recheados de atores, cantores, astros do futebol. Eles dizem o que as pessoas esperam ouvir. E quem cai na rede são aqueles que não têm apoio e referências sociais, que não têm instrução. Vamos falar claro: o povo não está farto da Igreja. É que os sacerdotes brasileiros não conseguem cobrir todos os espaços. E as pessoas que se entregam às seitas ficariam distantes de qualquer forma”. 

Nenhum comentário :

Postar um comentário