Para pesquisador, estudos brasileiros são mais amplos que base destruída.
Em 12 anos, governo investiu R$ 144 milhões em programa na Antártica.
Quase um ano após o incêndio que atingiu a Estação Antártica Comandante Ferraz, o ritmo das atividades científicas no continente gelado tem voltado ao normal, diz o coordenador de projetos científicos do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), Jefferson Simões. Ele avalia que elas devem ser integralmente retomadas no próximo verão, de 2013 para 2014.
Glaciologista, Simões pondera que o programa científico brasileiro é mais amplo do que a base que pegou fogo. "Os estudos não são feitos apenas nas estações, mas também em acampamentos e atividades realizadas no interior do continente ou dentro de geleiras e navios”, explica.
Segundo o cientista, 40% das investigações brasileiras realizadas no continente gelado foram destruídas pelo incêndio. Durante a expedição acompanhada pelo G1, a chamada 31ª edição da Operação Antártica (Operantar), uma das prioridades era desembarcar dez pesquisadores na Península Antártica, além de materiais que auxiliarão nos estudos realizados na antiga estação.
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Os dados das pesquisas científicas podem ajudar no serviço de meteorologia, na previsão de frentes frias e no impacto que elas causam em atividades agropecuárias do país. Ao mesmo tempo, os estudos podem ajudar a entender os efeitos da mudança climática global, provocada pelo excessivo lançamento de gases causadores do efeito estufa, responsáveis por aquecer o planeta e provocar um acelerado degelo da região.
Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), são atendidos atualmente 21 projetos de pesquisa. Entre 2000 e 2012, foram destinados ao Proantar pela pasta de ciência o montante de R$ 144 milhões.
Pesquisa de campo
Nem a destruição completa da estação impediu que cientistas de diversas partes do país voltassem para dar continuidade aos trabalhos com a biodiversidade local.
Caso do gaúcho Jair Putski, da Universidade Federal de Santa Cruz do Sul, que viajou com outros três pesquisadores para analisar o impacto da mudança climática na fauna e na flora da Antártica. Eles ficarão abrigados por pelo menos dez dias na estação que pertence ao Uruguai, também na Península Antártica.
Putzki disse que o grupo quer realizar um mapeamento da vegetação na Ilha Rei George e compará-lo com dados obtidos em 1986. O foco, segundo ele, é descobrir se houve retrocesso do gelo devido à temperatura maior e que tipo de vegetação tem surgido nesta região.
O pesquisador aponta ainda que um dos indícios da alteração climática é uma maior observação de skuas na região, ave típica chamada de “urubu da Antártica”. Putzki afirma que uma maior quantidade de solo exposto representaria um aumento na população dessa aves. A partir deste ponto, há um risco maior de desequilíbrio ambiental, já que os exemplares adultos de skua caçam filhotes de pinguins.
“Nós temos dados da UFRGS apontando que, na base polonesa [na Baía do Almirantado], houve aumento da população de skuas. Elas se alimentam de filhotes de pinguins. Ter essa oscilação é muito complicada”, explica.
Mudanças climáticas
Para Jefferson Simões, o continente gelado já sente as consequências da elevação da temperatura do planeta. Ele afirma que, na Península Antártica, região onde está localizada a estação científica do Brasil e área mais costeira do continente, há registro de aumento de 3º C nos últimos 55 anos.
No restante da costa da Antártica, o crescimento máximo registrado foi de 2º C, afirma Simões. No interior do continente não houve alteração de temperatura. “Já há observações de rápidas retrações de geleiras e de migração de aves e plantas para o sul da península antártica", explicou o pesquisador ao G1.
De acordo com o glaciologista, o degelo da região contribui anualmente para elevação de 0,1 milímetro do nível do mar. Numa hipótese remota, se todas as geleiras antárticas vierem abaixo, o mar pode subir até 65 metros.
“Para se ter ideia, em uma escala quase que dantesca, se eu trouxesse todo o gelo antártico para o território brasileiro, o país todo ficaria encoberto por uma camada de 3 km de gelo. É muita coisa e isso dá uma ideia da importância da Antártica”, disse.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é um dos organismos científicos do mundo que colaboram com este tipo de pesquisa. É tanta a importância destas informações para o organismo sediado no interior de São Paulo que o instituto mantinha cinco laboratórios de pesquisa na estação Comandante Ferraz.
No entanto, a coleta de materiais e resultados ficou interrompida por meses devido ao incêndio de fevereiro do ano passado. O módulo utilizado pelo Inpe não foi destruído, já que ficava isolado do resto do complexo de Ferraz, mas conseguiu retomar as observações somente no fim do ano passado, após uma manutenção de urgência.
Missão
O responsável por “dar vida” aos estudos do Inpe é o técnico Heber Reis Passos. Em sua 29ª viagem para a Antártica, sendo a 25ª para a área da estação, ele tem a missão de estabilizar projetos que mensuram informações sobre a atmosfera, quantidade de ozônio na região, meteorologia e emissões de radiação pelo sol.
“As informações que tínhamos foram salvas nos computadores. Agora, com a implantação dos módulos antárticos emergenciais (MAEs), a energia será reestabelecida e a pesquisa poderá ser continuada”, explica.
Passos, que afirma ter 150 meses de experiência na estação Comandante Ferraz, perdeu boa parte de sua vida familiar por conta dos avanços científicos brasileiros. Ainda triste pela perda da estação, o técnico de São José dos Campos (SP) e pai de três filhos não se arrepende de seu trabalho e do tempo gasto na Antártica.
No entanto, se pudesse voltar no tempo, afirma que nunca deixaria de vir para o Polo Sul. “Mas certamente viria menos vezes. É que, agora, já criei uma família aqui”, afirma Passos.
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