07/01/2012

O encantador de poderosos

O deputado Gabriel Chalita conquistou a presidente Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral, cultiva o afeto do governador paulista Geraldo Alckmin e agora virou pupilo do vice Michel Temer. Suas amizades serão suficientes para levá-lo à prefeitura de São Paulo?

RICARDO MENDONÇA
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RETÓRICA O deputado federal Gabriel Chalita. Quando era noviço, ele rezou missa para o ex-governador Franco Montoro – e vem seduzindo políticos desde então (Foto: Marisa Cauduro/ÉPOCA)
O envolvimento de Gabriel Benedito Issaac Chalita com o mundo da política começou de forma inesperada. Foi aos 15 anos de idade, paramentado de noviço, ao improvisar uma missa no pequeno e pacato município de Bananal, interior de São Paulo. A cidadezinha do Vale do Paraíba é tão tranquila que seu maior atrativo é um chafariz do século XIX espetado na praça principal. No início dos anos 1980, a região costumava receber o então governador, André Franco Montoro, para descansar. Católico, Montoro gostava de ir à missa. Num de seus fins de semana na cidade, o vigário morreu. Como não havia ninguém para substituí-lo, o bispo escalou um adolescente que se destacava no seminário pela expressão verbal esfuziante. Era o jovem Gabriel Chalita.

Por não ter sido ordenado ainda, Chalita só não poderia fazer a consagração. “Quando subi ao altar, o Montoro tomou um susto”, diz. “Ficou perplexo com a imagem daquela criança no lugar do padre.” Ao ouvir a pregação do adolescente, o governador ficou ainda mais impressionado. “Ele voltou para me ver em todas as celebrações e ficou insistindo para eu ir trabalhar com ele. Passamos a trocar correspondência. Depois, fui seu assistente na PUC(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Foi meu segundo pai”, afirma. A semente estava plantada. Três anos depois, Chalita largou a batina. Aos 19 anos, filiado ao PDT, foi eleito vereador em sua cidade natal, Cachoeira Paulista.
O poeta inglês William Wordsworth celebrizou a máxima “o menino é o pai do homem”. Cotejando o episódio acima com sua trajetória posterior, é inevitável concluir que Chalita acabou se tornando uma das mais perfeitas traduções do adágio. O adolescente que já quis ser padre virou o deputado federal mais identificado com a Igreja Católica no Congresso Nacional. O menino que seduziu Montoro continuou encantando políticos ao longo da vida. Mais tarde – e para ficar só nos nomes que, hoje, têm poder e influência – tornou-se amigo íntimo de Geraldo Alckmin, atual governador, e ganhou a confiança de Dilma Rousseff, presidente da República. Sua mais recente conquista é o vice-presidente, Michel Temer (fotos abaixo). Se Montoro era seu “segundo pai”, Temer virou uma espécie de tutor político – o qual, no mesmo PMDB de Montoro, quer lhe garantir condições políticas para disputar e vencer a eleição pela prefeitura de São Paulo.
O dialeto "Chalitês" (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA, JF Diorio/AE e Filipe Araújo)

O ingresso de Chalita no PMDB foi triunfante. Num ensolarado sábado de junho, a Assembleia Legislativa de São Paulo lotada ouviu uma sequência de discursos de peemedebistas que o aclamaram como uma espécie de redentor da seção paulista da legenda. Eles saudaram o 80o deputado do partido como “o homem que vai resgatar a história do PMDB”, “honrar os legados de Orestes Quércia e Ulysses Guimarães” ou “reacender a chama do PMDB no Estado”. Além de Temer, estavam presentes dois ministros, senadores, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), outros 25 deputados federais, dezenas de estaduais e mais de uma centena de prefeitos e vereadores. Até político do Amapá apareceu para prestigiar.
O entusiasmo de Temer com Chalita tem duas explicações. Estrategicamente, é uma forma de recuperar o terreno perdido no Estado. Em seu auge, em 1988, o PMDB chegou a ter 29 dos então 60 deputados paulistas. Depois, caiu ano a ano até virar um nanico regional. Em 2010, mesmo com Temer como vice de Dilma, a sigla elegeu só um dos agora 70 deputados paulistas. A filiação de Chalita, portanto, já dobrou a bancada. Outra explicação – essa mais citada entre os políticos – é inconfessável: fortalecer o partido regionalmente para cavar espaço no plano federal. Nesse cálculo entram eventuais armistícios na campanha, a possibilidade de troca de apoios no segundo turno e, no limite, até uma desistência precificada em tempo de TV, hipótese cada vez mais remota.
Outro aspecto que encanta o PMDB é o desempenho eleitoral de Chalita. Em 2008, estreante na capital e ainda no PSDB, ele foi o vereador mais votado, com mais de 100 mil votos. Em 2010, pelo PSB, conseguiu quase 600 mil votos para deputado federal, o terceiro mais votado do país, atrás apenas de Tiririca (PR-SP) e Anthony Garotinho (PR-RJ), que já foi governador e candidato à Presidência. Chalita teve votos nos 645 municípios paulistas. Instalado no PMDB, sua primeira ação foi chamar a jornalista Lurian Cordeiro da Silva para a pré-campanha. Lurian é filha de Lula. No meio político, esse ato serviu para sanar dúvidas de quem ainda achava que Chalita pudesse estar de brincadeira.
COM DILMA E OS BISPOS
Além de deputado, Chalita também gosta de ser tratado como professor, escritor, advogado e filósofo. Em toda a sua carreira política, docente e literária, ele sempre manteve forte vínculo com a Igreja Católica, em especial com a Canção Nova, uma associação de fiéis que virou a maior atração turística de Cachoeira Paulista. Criada em 1978 pelo monsenhor Jonas Abib, um religioso popular na região, a Canção Nova tornou-se uma potência. É dona de um ginásio para 70 mil pessoas (mais que o dobro da população da cidade), auditórios, lojas, restaurante e um sistema de comunicação que administra concessões, grava CDs e DVDs, edita livros, mantém um portal, produz e veicula programas de rádio e TV. É ali que Chalita comanda, há anos, um talk show semanal. Erguida com ajuda financeira de seu pai, um comerciante de origem árabe que começou pobre e virou o homem mais rico da cidade – em Cachoeira há até loteamento popular chamado Vila Chalita –, a Canção Nova ainda é uma das principais bases eleitorais do deputado.
Uma amostra da forte ligação de Chalita com o catolicismo foi sua agenda de campanha. Nos últimos 60 dias antes da eleição, Chalita percorreu pelo menos 34 paróquias ou grupos de oração de diversos municípios para rezar e ser visto. Em quase todas as missas, subiu ao altar para auxiliar os padres. Centenas de imagens do período estão no Flickr, um site de armazenamento de fotos usado na campanha (fotos abaixo). No dia 5 de setembro, a menos de um mês do pleito, Chalita participou de missas em pelo menos quatro paróquias. No álbum, há imagens de distribuição de panfletos na porta de igrejas. O slogan era Fé na educação.
“Nenhum outro parlamentar tem a imagem tão associada ao catolicismo quanto Chalita”, diz o analista político Gaudêncio Torquato. E foi justamente por essas relações que ele se aproximou da presidente Dilma. No segundo turno de 2010, quando rivais tentaram associar a imagem de Dilma ao aborto e a posições antirreligiosas, estrategistas do PT escalaram Chalita para neutralizar os ataques. Os pedidos partiram do agora ministro Gilberto Carvalho e do ex-ministro Antonio Palocci. Já eleito, Chalita atendeu ao apelo com disciplina. Defendeu Dilma publicamente, acompanhou-a em comícios – o que rendia imagens para os telejornais – e articulou encontros reservados com bispos de vários Estados. Chalita calcula que intermediou conversas de Dilma com mais de 30 bispos. A imagem mais forte do período é do dia 11 de outubro, quando ele se sentou ao lado de Dilma numa missa em Aparecida. 
34 missas em 2 meses (Foto: Artur Garção (2), Nelson Aguilar (4))

A conquista de Dilma teve um preço. Chalita ganhou um inimigo dentro da igreja: o bispo de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, um antipetista declarado que estava engajado em colocar o tema aborto na pauta eleitoral. Dias antes da eleição, Chalita e Bergonzini trocaram desaforos por telefone, com acusações de traição e oportunismo. “Ele estava muito nervoso. Disse que eu não deveria apoiar a Dilma, citou o boato que eu estava apoiando em troca de um ministério”, disse Chalita a ÉPOCA em 2010. Meses depois, ao jornal Valor Econômico, Bergonzini confirmou a diatribe. “Já falei na cara dele, não tenho medo: para mim (Chalita) não é pessoa confiável. Ele usou a Canção Nova para se eleger e provocou uma cisão por lá ao apoiar Dilma. Isso contrariou nossa filosofia religiosa.” Num blog, Bergonzini classificara Chalita como “um acidente de percurso, gerado por ambições e vaidades pessoais”.
Chalita não virou ministro, mas o balanço de seu engajamento foi politicamente positivo. Ele passou a ser um dos únicos parlamentares do país – senão o único – com excelente trânsito com Dilma e Alckmin simultaneamente. São laços que agora podem lhe beneficiar na eleição municipal. Numa eventual disputa acirrada com o petista Fernando Haddad, os marqueteiros do PT teriam dificuldade para combatê-lo. Como atacar alguém que foi tão solícito a Dilma quando o PT precisou?
Das relações políticas de Chalita, a mais forte continua sendo com Alckmin, também conhecido pela tenaz militância católica. No fim de 2010, o vigor dessa proximidade ficou evidente. Chalita acabara de ser eleito deputado pelo PSB. Mesmo assim, exerceu mais influência que o ex-governador José Serra e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na montagem do governo tucano. Serra e FHC intercederam pela manutenção de Paulo Renato Souza na Secretaria da Educação.
Alckmin preferiu ignorá-los e, depois de ouvir Chalita, nomeou Herman Voorwald, ex-reitor da Unicamp. Na pasta do Desenvolvimento Social, as digitais de Chalita ficaram ainda mais evidentes. O escolhido foi um ex-assessor seu, o jovem advogado Paulo Barbosa, também militante da Canção Nova. Tido como uma espécie de discípulo de Chalita na administração, Barbosa acabou promovido para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico em maio de 2011, quando Alckmin resolveu entregar a pasta do Desenvolvimento Social ao DEM.
Alckmin e Chalita se conheceram quando o atual governador ainda era deputado. Acostumado a receber pedidos de emprego por onde passava, Alckmin demonstrava admiração crescente por Chalita a cada convite frustrado que fazia ao então estudante de Direito. “Ajudava o Alckmin nas campanhas, mas não queria ir trabalhar para ele, porque ganhava muito mais com aulas e escrevendo livros”, diz Chalita. “Mas cada convite que recusava, ele balançava a cabeça e dizia: ‘Gente, que desapego tem esse rapaz’.”
SALÁRIO DE EXECUTIVO E MOTORISTA À DISPOSIÇÃO
Nessa fase, início dos anos 1990, Chalita despontava como um profissional de sucesso na educação privada. É um período pouco conhecido de sua carreira. Quando deixou Cachoeira, ele passou a fazer bicos em São Paulo para pagar a faculdade. Depois de uma breve passagem pelo Colégio Santa Cruz, virou professor substituto e instrutor de teatro no Pueri Domus, outra tradicional escola particular paulistana. Ali, com poucos meses de serviço, teve uma ascensão espetacular. Saltou de professor iniciante para diretor máximo da instituição, algo que causou surpresa entre os alunos e perplexidade entre os professores.
Tudo começou quando a dona da escola, Beth Zocchio, resolveu ouvir uma palestra do jovem professor, que, naquele instante, já era bem popular. Beth, segundo o próprio Chalita, ficou entusiasmadíssima com sua performance e o adotou como pupilo. “Ela se apresentou como dona da escola – eu nem a conhecia –, me deu parabéns e perguntou quanto tempo eu precisava para preparar um novo projeto pedagógico para o Pueri, que vinha perdendo alunos. Pedi uma semana”, diz. Dias depois, Chalita foi apresentar suas ideias à diretoria. “Foi um dos piores momentos que já passei. Enquanto falava, aqueles professores muito mais experientes franziam a testa e balançavam a cabeça em rejeição. No fim, fui bombardeado. Aí a Beth pediu a palavra, disse que esperava uma postura diferente, demitiu todo mundo e disse que eu seria o novo diretor. Fui eu que falei para ela que não precisava demitir todo mundo. No final, uns quatro acabaram saindo.”
Foi assim, com 25 anos, que Chalita virou executivo do ramo educacional. Passou a receber o que ele mesmo estima que deveria ser o maior salário do país nesse mercado, cerca de US$ 20 mil por mês. Beth Zocchio colocou um motorista a sua disposição, passou a levá-lo para eventos sociais, congressos e viagens para o exterior. Dava-lhe carta branca para administrar a escola e patrocinava banhos de loja para melhorar sua aparência. “Ela me levava na Daslu, dizia que eu tinha de me vestir melhor, e gastava uma fortuna em roupas para mim”, afirma.
A educadora Mariluce Lourenço, ainda hoje na escola, define a passagem de Chalita pelo Pueri Domus “como um furacão”. “Chalita era um showman. Com aquela capacidade de comunicação assustadora, entusiasmava muito os jovens”, diz. “Mas ele realmente causava um pouco de ciúme em algumas pessoas. A Beth dava muita corda para ele.” A relação Beth-Chalita terminou quando, segundo ele, a dona da escola parou de bancar suas ideias para investir na criação de avestruzes. De acordo com Mariluce, Chalita saiu sem conseguir implementar seu plano mais ambicioso: transformar o Pueri numa faculdade.
Quando o vice Alckmin assumiu o governo de São Paulo após a morte de Mário Covas, em 2001, sua relação com Chalita transbordara para a esfera pessoal. Chalita já conhecia a primeira-dama Lu Alckmin – de quem mais tarde escreveria uma biografia – e frequentava a casa de campo do casal, onde tinham o hábito de jogar buraco. Surgiu então o convite para virar secretário de Estado, este sim logo aceito. Chalita começou na modesta pasta da Juventude. Seis meses depois, recebeu outra promoção espetacular. Foi escalado para a Educação, um dos cargos mais cobiçados do Estado. Aos 32 anos, assumiu um orçamento de R$ 19,7 bilhões (o equivalente ao do município do Rio de Janeiro), 4,5 milhões de alunos, 220 mil professores e 5.300 escolas, em números atualizados. Se fosse uma cidade, teria a terceira maior população do país. De brinde, ainda levou para a Secretaria a antiga Febem, foco de algumas das maiores crises no Estado, com rebeliões de jovens e constantes denúncias de violação de direitos humanos.
Quando o Márcio Thomaz Bastos entrou na Febem? E a Marta Suplicy, que não cuida dos 4 mil jovens em liberdade assistida? São paladinos da moralidade. A demagogia é assustadora"
GABRIEL CHALITA, NO COMANDO DA ANTIGA FEBEM, EM 2003, NUM DOS RAROS MOMENTOS EM QUE ABANDONOU A IMAGEM DE BOM MOÇO
Na Febem, Chalita teve o mérito de fechar a sede de Franco da Rocha, uma das mais problemáticas da instituição. Foi ali que, pela primeira vez, deixou de lado uma das principais marcas de seu comportamento público, o bom moço. Acuado pela agenda negativa, passou a reclamar do Estatuto da Criança e do Adolescente, a criticar ONGs e a bater boca pelos jornais. Em agosto de 2003, atacou militantes dos direitos humanos. “Essas pessoas nada fazem, só têm discurso. Alguma vez conseguiram emprego para algum egresso da Febem? Só querem ver o circo pegar fogo”, disse. Dias depois, atirou para cima: “Vejo o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, falando que a grande questão é resolver a Febem. Pergunto: quando Márcio Thomaz Bastos entrou na Febem? E a prefeita Marta Suplicy, que não cuida dos 4 mil jovens em liberdade assistida? São paladinos da moralidade. A demagogia é assustadora”.
Quando o tema era educação, o secretário Chalita era o oposto disso. Uma de suas marcas no cargo foi o ciclo de palestras que ele próprio fazia para professores, diretores e pais de alunos em ginásios e auditórios pelo interior. Com o apoio logístico da Secretaria, que incluía aluguel de jatinhos e helicópteros, Chalita conseguiu visitar as então 89 diretorias de ensino do Estado, algumas mais de uma vez. Esses eventos chegavam a reunir mais de 1.000 pessoas por edição e quase sempre eram prestigiados por prefeitos e vereadores da sede e municípios vizinhos.
ARISTÓTELES E MARIA BETHÂNIA
No palco, o secretário Chalita falava de suas experiências pessoais, comparava a relação aluno-professor a um casamento e dava dicas de como melhorar o ensino com atitudes simples, como chamar o aluno pelo nome ou olhar em seus olhos quando conversa. Nesses eventos, ele também exercia uma de suas maiores especialidades: fazer citações. Seu repertório é eclético. Num mesmo texto ou discurso, é capaz de conectar Aristóteles com Maria Bethânia, Cora Coralina com Hannah Arendt, Adélia Prado com Churchill. O ponto alto era quando chegava a hora de cantar. Ao microfone, costumava interpretar “A noite de meu bem”, sucesso de Dolores Duran nos anos 1950. Pedia ainda que cada um ficasse de pé no verso que julgasse mais belo. Conforme cantava, ondulações humanas eram formadas no ginásio. No final, posava para fotos e dava autógrafos.
Para o educador Romualdo Portela, Chalita não enfrentou o que ele classifica como o maior problema do setor em São Paulo: o aprendizado. “Ao contrário dos demais gestores do PSDB, ele não dava muita importância para avaliações e resultados. Foi uma gestão de descontinuidade”, diz. Portela é crítico das ideias educacionais de Chalita. “Ele era popular, muito performático e certamente foi o secretário mais simpático entre todos os do PSDB. Muitos ficavam encantados com aquilo. Mas tratava os professores como verdadeiros idiotas, com aquele discurso de amor, autoajuda.” O indicador mais apropriado para medir os anos Chalita é o Sistema de Avaliação da Educação Básica, que mostra o desempenho de alunos em português e matemática nas séries finais dos ensinos fundamental e médio. Em nenhum caso houve retrocesso no período Chalita. Mas também não houve avanço digno de registro.
Hoje, Chalita admite que aquelas palestras explicam parte de seu sucesso eleitoral. Na época, elas resultaram em denúncia. Quando já havia voado para 28 cidades, o Ministério Público questionou os aluguéis de helicópteros sem licitação. As contratações tinham mais que dobrado em relação à gestão anterior. A Secretaria respondeu que os valores de cada contrato eram inferiores ao mínimo da Lei de Licitações, R$ 8 mil. A explicação não convenceu o Tribunal de Contas, que classificou a prática como “fracionamento de licitação” (contratação constante da mesma empresa sem concorrência). Irritado, Alckmin decidiu restringir o uso de aeronaves entre os secretários.
A gestão Chalita enfrentaria outros dois constrangimentos. O primeiro foi em 2004, quando Alckmin cedeu uma fazenda de 87 hectares em Lorena para a Canção Nova. A área, equivalente a 100 campos de futebol, era cobiçada por uma faculdade ligada à Secretaria de Ciência e Tecnologia e pelo Instituto de Terras do governo, que queria usá-la para reforma agrária. Quando o caso veio a público, o diretor da faculdade acusou Chalita de ter influído na decisão. Tanto Alckmin quanto a Canção Nova tiveram de negar.
O segundo constrangimento foi em 2006, em seu último ano de gestão. Auditores da Controladoria-Geral da União desembarcaram na Secretaria para verificar o uso de verbas federais. Detectaram irregularidades na contratação de fundações e compras com preços superiores aos pagos por outros setores estatais, como cartuchos de impressora pelo dobro do preço. A papelada foi para o Ministério Público e para o Ministério da Educação. Não há notícia de nenhum tipo de condenação.
Nas relações políticas, Chalita faz esforço para estar sempre bem com todos. Seu método de aproximação é pela via dos elogios imoderados – um estilo “chalitês” de se expressar. No PSB, repetia que tinha “profunda admiração” por Eduardo Campos, governador de Pernambuco e presidente do partido. Pela deputada federal Luiza Erundina, tinha “verdadeiro fascínio” (“Ela é a mulher que colocou Paulo Freyre na Secretaria da Educação”, completava, automaticamente). No PMDB, o estilo continua. Desde o início, Temer tem sido constantemente descrito como “o homem que me inspirou a estudar Direito”. No dia de sua filiação, Chalita caprichou nas manifestações de louvor. Em sua vez de discursar, olhou para o deputado estadual Baleia Rossi, presidente do diretório estadual da sigla, e disse que, naquele período de troca partidária, conquistara “um irmão”. Baleia é filho do ex-ministro Wagner Rossi, cacique do PMDB que deixou a pasta da Agricultura após denúncias de corrupção. Chalita olhou então para Wagner Rossi, sentado ao lado de Temer, e, sorrindo, emendou, em chalitês castiço: “O Wagner virou meu pai”.
A OBRA Chalita em seu escritório, em São Paulo, com os 63 livros que escreveu e outros 37 que organizou ou prefaciou. Sua fértil produção literária é criticada pelos rivais (Foto: Marisa Cauduro/ÉPOCA)
AMBIÇÃO ACADÊMICA
No meio político, um dos estigmas que mais perseguem Chalita diz respeito a sua fértil produção literária. Aos 42 anos, ele já publicou 63 livros. Para os críticos, ele privilegia a quantidade em detrimento da qualidade. Chalita se defende fazendo comparações: “Boa parte de meus livros é infantil, com ilustrações e pouco texto, coisas que escrevo em 15 minutos. Quantos livros a Ruth Rocha (autora consagrada de infantis) tem?”. O que parece deixá-lo ainda mais irritado é a classificação de suas obras como literatura de autoajuda. “No Brasil, é assim: vendeu bem, vira autoajuda. Paulo Coelho é autoajuda. Até Lya Luft virou autoajuda.”
Com o apoio de canais não convencionais, como a Canção Nova, ele calcula que já vendeu 10 milhões de livros. São esses números, diz, que ajudam a justificar seu padrão de vida sofisticado. Ele ainda é sócio da Casa do Saber, um centro extra-acadêmico de cursos variados, e diz ter sido beneficiado com parte da herança do pai. À Justiça Eleitoral, Chalita declarou patrimônio de R$ 12,4 milhões em 2010. Sua cobertura em Higienópolis, bairro paulistano de classe alta, tem 1.000 metros quadrados e aparece avaliada em R$ 4 milhões.
Chalita tem defensores qualificados no mundo das letras. O maior é a escritora Lygia Fagundes Telles, que o classifica como um homem “cultíssimo, inteligentíssimo, rico e bonito”. Para Lygia, as críticas à literatura de Chalita são injustas. “Sou admiradora do texto dele. É bastante original o que ele escreve. Escreve com muita força, com muito conhecimento da matéria”, diz.
Lygia é uma das melhores amigas de Chalita. A relação começou quando ele ainda era secretário de Educação e cuidou pessoalmente da organização de uma homenagem à escritora na Sala São Paulo, a sede da Orquestra Sinfônica do Estado. Chalita lotou o auditório com estudantes da rede pública e preparou uma apresentação de balé com três garotas da periferia que, no palco, representavam as personagens do livro mais importante de Lygia, As meninas. “Saí em prantos”, diz a escritora. Desde então, Chalita não cansa de lhe prestar homenagens. Em eventos sociais, tem o hábito de abraçá-la espalhafatosamente e chamá-la – em mais uma manifestação do dialeto chalitês – de “minha noiva”. Segundo relatos de quem já viu a cena, isso deixa a autora visivelmente envaidecida.
Se tem algo que não falta à obra de Chalita, é a tentativa de experimentação. Seu livro mais recente, Sócrates e Thomas More – Correspondências imaginárias, prova isso. Em 130 páginas, um Chalita travestido de Sócrates, o filósofo grego morto em 399 a.C., troca cartas com um Chalita travestido de Thomas More, o escritor inglês do século XVI. Nas missivas, o que prevalece mesmo é o estilo Chalita. Exemplo: “Fiquei impressionado com a maturidade de sua carta e com o seu bom texto”, diz Chalita para Chalita, ou melhor, More para “o querido Sócrates” numa das cartas. Percebe-se até certa simbiose entre o político e o escritor: a obra é dedicada a Temer.

A ambição acadêmica de Chalita parece ainda mais evidente que a literária. Em textos, ele raramente deixa de citar seus títulos: graduado em Direito e em filosofia; mestre em Direito e em ciências sociais; doutor em Direito e em comunicação e semiótica. Na Plataforma Lattes, banco de dados curriculares alimentado pelos próprios acadêmicos, o currículo do filósofo Gabriel Chalita é, em caracteres, 42% maior que o do filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da Universidade de São Paulo, 20 anos mais velho, tido como um dos mais produtivos do meio. Ali, além dos mais de 100 livros que escreveu, organizou ou prefaciou, Chalita lista 164 artigos, participação em 94 dissertações e 22 teses de doutorado, 239 palestras e nove orientações de mestrado.
Hoje, ninguém arrisca afirmar que Chalita entrará na disputa eleitoral com chance evidente de vencer. Mas quase todos concordam que sua presença será decisiva. Em 2008, o tempo de TV do PMDB foi fundamental para o triunfo de Gilberto Kassab. Agora, dependendo das alianças, Chalita pode ter a maior fatia do horário eleitoral. Há alguns dias, o senador Aécio Neves sugeriu que o PSDB poderia apoiar Chalita, indicando seu vice. A ideia foi abominada por tucanos paulistas, que refutam a hipótese de ajudar um aliado de Dilma.
No PT, a dificuldade para decifrá-lo parece semelhante. Por acreditar que Chalita possa seduzir eleitores que, em tese, tenderiam mais para o PSDB (conservadores, religiosos e de classe média), há petistas que veem sua candidatura com simpatia. Alguns ainda sonham colocá-lo como vice de Haddad. Outros não querem nem ouvir falar no assunto. Temem, sobretudo, por causa de sua enorme proximidade com Alckmin.
O que vai acontecer com Chalita em outubro é uma incógnita. O certo é que o noviço que conquistou Montoro não saiu de Cachoeira para passar vexame.
>>Ricardo Mendonça, autor desta reportagem, no Twitter: @RMendonca09 

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