A conversão da Igreja se realiza na saída de si, do círculo da própria comunidade e dos confins da própria terra.
Focado no tema "Discipulado missionário do Brasil para um mundo secularizado e pluricultural, à luz do Vaticano II", o 3º Congresso Missionário Nacional quer encarar um dos desafios mais candentes para a missão da Igreja no século XXI, acolhendo o convite do 4º Congresso Americano Missionário e 9º Congresso Missionário Latino-Americano (CAM 4 - Comla 9), a ser celebrado na Venezuela em novembro de 2013.
Voltam a ressoar em nós as palavras da Evangelii Nuntiandi: "a ruptura entre o Evangelho e a cultura é, sem dúvida, o drama da nossa época" (EN 20). Por isso é preciso "chegar a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação" (EN 19).
Foram realizados dois simpósios internacionais na Venezuela para aprofundar o tema do CAM 4 - Comla 9, respectivamente em janeiro de 2011 e janeiro de 2012. No primeiro, a teóloga colombiana Olga Consuelo Vález Caro abordou a questão da "leitura cristã da realidade secularizante", evidenciando que a secularização pode ser entendida como "o processo vivido pelas sociedades a partir do momento em que a religião e as suas instituições perdem influência sobre elas, de modo que outras áreas do conhecimento tomam seu lugar".
Contudo, a secularização não é apenas a transição de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna, onde a religião deixou de ser o cimento que facilitava a coesão social. Trata-se muito mais de todo um modo de sentir, pensar e agir, caracterizado pela autonomia da razão e da pessoa humana, e pela pluralidade das propostas e dos projetos de vida. Com o termo "laicidade" se quer descrever a condição de uma sociedade plural e aberta.
Essa emancipação do mundo traz certamente consigo um elemento de ruptura com o regime de proteção religiosa, mas também traz um elemento de continuidade no sentido que o próprio cristianismo resgatou, fundamentou e proporcionou esta autonomia (cf. Gal 3, 28). Portanto, se de um lado pode haver rejeição da religião, por outro, a sua aceitação acontece agora no âmbito estritamente pessoal desligada da instituição. Ou seja: a Igreja não pode mais determinar a maneira de ser e a relação com Deus de cada pessoa. A pergunta que fazemos a partir da fé é como a presença de Deus continua ainda atual neste novo contexto e se é possível ainda anunciá-Lo ao ser humano contemporâneo.
Em nenhum momento colocamos em dúvida que o Senhor ressuscitado esteja presente e que o mandato missionário tenha perdido seu valor, mas nós achamos que vivemos em tempos exigentes de responsabilidade e criatividade, atitudes indispensáveis para responder a esse imenso desafio da secularização e do pluralismo. Dependerá muito da habilidade eclesial, aproveitar este kairós (tempo de graça) para ler e interpretar os sinais dos tempos e conectar-se com as novas sensibilidades na busca de Deus, da religião e da experiência da fé.
Não são tempos de ansiedade e nostalgia, de fundamentalismos e retorno ao passado, mas de agir responsavelmente em um contexto onde a fé cristã não tem mais a hegemonia cultural. Como cristãos agimos muitas vezes de forma preconceituosa, pretensiosa, ingênua e autorreferencial, sem saber como administrar a secularização e os tempos nos quais estamos vivendo. É hora, portanto, de enfrentar essa realidade caminhando com as pessoas, reconhecendo e valorizando a alteridade, cuidando dos pobres, "estando sempre prontos a dar razão de nossa esperança a todo aquele que a pede" (1Pd 3, 15).
Ir ao encontro
Para isso, não podemos esperar que as pessoas venham a nós, precisamos nós ir ao encontro delas e anunciar-lhes a Boa Nova ali mesmo onde se encontram. Esse princípio parece quase óbvio. No entanto, na prática, a Igreja sempre teve a tentação de evangelizar a partir de sua própria condição, permanecendo em seu lugar, a partir de sua própria cultura, enviando e delegando seus missionários, mas sem se envolver num movimento de saída e de inserção nas situações que desejavam evangelizar.
Para isso, não podemos esperar que as pessoas venham a nós, precisamos nós ir ao encontro delas e anunciar-lhes a Boa Nova ali mesmo onde se encontram. Esse princípio parece quase óbvio. No entanto, na prática, a Igreja sempre teve a tentação de evangelizar a partir de sua própria condição, permanecendo em seu lugar, a partir de sua própria cultura, enviando e delegando seus missionários, mas sem se envolver num movimento de saída e de inserção nas situações que desejavam evangelizar.
Isso corresponde a uma verdadeira conversão para as nossas comunidades demasiadamente plantadas: "nós somos agora, na América Latina e no Caribe, seus discípulos e discípulas, chamados a navegar mar adentro para uma pesca abundante. Trata-se de sair de nossa consciência isolada e de nos lançarmos, com ousadia e confiança (parrésia), à missão de toda a Igreja" (DA 363). A conversão pastoral e a renovação missionária da qual fala o Documento de Aparecida em suas páginas centrais trata substancialmente de uma saída. Na saída de si, do círculo da própria comunidade e dos confins da própria terra, se realiza para a Igreja essa conversão.
A experiência missionária é sempre marcada pela itinerança, pelo despojamento, pela leveza e pela provisoriedade, por um contínuo entrar e sair, por um êxodo pascal de morte e ressurreição. A missão jamais cria raízes em algum lugar.
Paradoxalmente, o tema da conversão antes de ser dirigido aos destinatários da missão, é apontado por Aparecida como exigência fundamental para a própria Igreja e de todos seus sujeitos: "para nos converter numa Igreja cheia de ímpeto e audácia evangelizadora, temos que ser de novo evangelizados" (DA 549). A conversão é sempre algo que começa dentro de nós e se transforma em testemunho e anúncio para os outros.
Para a missão hoje é preciso ter muita humildade, jamais arrogância de quem pretende ensinar aos outros. Isso nos coloca numa posição de aprendizes, de discípulos, de compaixão para com toda humanidade e de simetria com qualquer ser humano. É necessário também valorizar o cotidiano. A semente que morre para dar fruto não é percebida por ninguém: tudo acontece num processo quase imperceptível, escondido, cadenciado no dia a dia. De repente, olhando para o caminho, reparamos que passos foram dados, escolhas foram amadurecendo, conquistas significativas foram alcançadas.
Ao mesmo tempo, é preciso ter responsabilidade e compromisso. Cumprir com tarefas que apontam para um novo modelo de Igreja missionária não é opcional. O que está em jogo é a aposta do Evangelho continuar sendo significativo no mundo plural de hoje: essa missão é a razão última que nos resta, para a qual entregamos nossas vidas e a vida de nossas comunidades. ν
* Estêvão Raschietti é missionário xaveriano, italiano, há mais de 20 anos no Brasil, atualmente diretor do Centro Cultural Missionário - CCM de Brasília. Publicado na revista Missões, N. 06 - jul-ago. 2012.
Fonte: Revista Missões
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