Padre Geovane
saraiva*
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Segundo o
grande teólogo José Comblin, falecido recentemente, aos 88 anos, que conviveu
muito de perto com o querido arcebispo de Olinda e Recife, dizia: “Ele era um articulador
de primeira grandeza, com noção de que, às vezes, sua influência seria maior se
ficasse calado e não se manifestasse”. Muitas vezes seus próprios colegas bispos
ignoravam de onde vinham as excelentes propostas contribuições que estavam
votando, narra José Combiln.
Já bem antes
do Concílio, as vésperas da inauguração de Brasília, Juscelino Kubitschek
chamou Dom Helder e o convidou para ser o prefeito da nova capital federal,
sendo insistente. Afirmou que tinha o parecer favorável de todos os líderes
partidários, depois de consultá-los. Dom Helder recusou polidamente, dizendo:
“Hoje, senhor presidente, eu estou aqui, frente a frente, debatendo com o
senhor pontos de vista com absoluta liberdade e sem condicionamentos de
qualquer ordem. No dia em que me incorporar ao seu grupo de comando, dentro das
injunções concretas das práticas políticas, eu estarei amarrado, balançando a
cabeça para concordar com o que o senhor disser, deixando de lhe trazer a
colaboração original e independente da Igreja. Eu quero ter sempre um canal de
diálogo livre e respeitoso com o Estado para cobrar o seu dever. Quero fazê-lo
em nome de Deus e do povo. Quero ser a boca dos que não têm vez nem voz”.
Compreendemos
a força e a habilidade de Dom Helder, a partir daquilo que é belo e maravilhoso
no poeta ou escritor, ao externar o que tem dentro de si: suas fantasias e suas
ideias. Aquilo que ele tem na mente e no coração, releva-a e manifesta-a. Assim,
também, foi o que aconteceu com os autores sagrados, ao redigirem as Sagradas Escrituras.
Há tanta coisa bonita e surpreendente, muitas vezes, com tanto exagero, que se
tem a impressão de se ir além do sagrado.
No último
versículo do Evangelho de São João o autor sagrado afirma que o que Jesus
realizou, neste mundo, é belíssimo e maravilhoso e, se tudo fosse escrito, livro
algum caberia. O milagre da multiplicação dos pães (Mt 14, 13-21), finda
dizendo: Os que comeram dos cinco pães e dos dois peixes eram cinco mil homens
sem contar mulheres e crianças. Estudiosos e especialistas da Palavra de Deus,
sem negar, evidentemente, a divindade do Filho de Deus, acham um exagero, para
aquele tempo, o grande número de pessoas.Deus fez o
homem com uma imaginação fértil e criadora, chamando-o para participar da sua
natureza divina. Aí está sua grandeza. A terra tornou-se pequena para caber a
criatura humana, grandiosa na sua capacidade de imaginar e realizações em todos
os sentidos.
Padre Manfredo
Oliveira, cearense de Limoeiro do Norte, grande figura humana e um dos maiores
filósofos da atualidade, na sua mente dadivosa, foi extremamente feliz, ao
afirmar que Dom Helder não cabia dentro da Igreja. Certamente ele quis enaltecer
sua força imaginadora, talentos, sensibilidade e a inteligência privilegiada do
pastor dos empobrecidos, que com habilidade soube perceber todas as novidades e
desafios do século XX e colocá-los no seu coração, procurando dar-lhes uma resposta,
indo da criatura humana, na sua dignidade de filho de Deus.
Já o Cardeal Aloísio
Lorscheider falava de Dom Helder, assim: “Foi um corifeu, com uma visão de
futuro e com grande influência, muito respeitado e inquieto como uma barata
tonta: Sua tribuna foi sua sabedoria em agir e articular nos bastidores”, com
uma oratória vibrante e com gestos rasgados que sensibilizavam e arrebatavam as
multidões.
Tudo ele realizava,
numa atitude de oração e na fidelidade ao Pai, no seu amor acendrado à Igreja.
Ele mesmo dizia: “Abandonar a Igreja seria o mesmo que abandonar o meu próprio
corpo”. Por isso devemos acolher tudo o que
se disse e o que ainda irão dizer desse homem profundamente amado por Deus. Ele,
na força e habilidade mística, via tudo em Deus e a partir de Deus. Extraordinária
figura humana, profundamente marcada pela esperança, de fato é grande demais, e
a Igreja é pequena para comportá-lo.
*Pe. Geovane
Saraiva, sacerdote da Arquidiocese de Fortaleza, Escritor, Membro da Academia
de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE), e da Academia Metropolitana
de Letras de Fortaleza
Pároco de Santo
Afonso
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