“Jesus chamou os doze e começou a enviá-los dois a dois” (Mc 6,
7).
Houve uma época em que se pensava que Deus chamava algumas pessoas para exercer
a missão de anunciar o Evangelho de Jesus. Até o Concílio Vaticano II se
pensava assim: a hierarquia era a Igreja, responsável pelo anúncio da Boa Nova.
Esta visão ficou impregnada na mente dos católicos. Desde o Concílio até o
momento, a Igreja tenta convencer a todos que todo batizado é missionário e
chamado à santidade. A missão e a santidade são realidades comuns a todo
cristão, a todo aquele que foi batizado.
O processo de evangelização até o Concílio foi tão fortemente centrado na
hierarquia que as pessoas têm dificuldades de compreender, assimilar e colocar
em prática o chamado à missão e à santidade. Infelizmente, analisando a Igreja
pós-Vaticano II se percebe claramente que os católicos ainda não se sentem
Igreja. O Concílio disse: somos Igreja para o mundo, somos missionários da Boa
Nova; mas a maioria das pessoas ao escutar a palavra Igreja pensa logo na
hierarquia. Negar esta verdade seria ilusão, puro engano.
Não basta convencer as pessoas de que elas são Igreja, mas se perguntar se há
possibilidades reais para que todos possam responder, verdadeira e
coerentemente, à vocação eclesial. Falar de possibilidades reais significa
perguntar-se pelo lugar da vocação laical na vida da Igreja. Os leigos são, de
fato, protagonistas da missão? O que anda desestimulando e impedindo a ação dos
leigos na vida eclesial? Por que há membros na hierarquia que têm medo do
protagonismo laical? Pode haver verdadeira Igreja sem a participação consciente
e madura dos leigos? Penso que seja necessário pensar estas questões.
Pensar estas questões é enfrentar um grave problema da vida interna da Igreja
atual: a figura do padre está voltando ao centro das atenções. Isto é grave
porque os leigos e o próprio Evangelho de Cristo ficam esquecidos e/ou são
manipulados. Quando na comunidade eclesial o padre se coloca no centro, quando
é o que manda e administra, os leigos se transformam em mão de obra barata. Os
leigos são os operários e os padres os patrões. Isto é perceptível nas falas de
alguns leigos em diversas comunidades da Igreja: “Aqui a gente só faz o
que o padre quer. Ele é quem estudou, então sabe o melhor para nós. E nem
adianta questionar, ele sempre tem uma explicação que nos convence de que a
ideia dele está mais correta e está mais de acordo com a vontade de Deus”.
Isto escutei de uma líder comunitária.
Analisemos a gravidade da fala dessa líder. Fazer somente o que o padre quer
mostra que na comunidade os leigos não têm vontade livre, a vontade está
subordinada ao querer do padre. Neste sentido, o padre não é o servidor, mas a
autoridade suprema. O fato de ter estudado Filosofia e Teologia confere ao
padre um cabedal de conhecimentos que poderá lhe ser útil na missão. Muitos
leigos entendem que tais conhecimentos adquiridos são verdades inquestionáveis,
oriundas de quem entende das coisas divinas e, portanto, precisam ser aceitas
sem maiores questionamentos. A figura do padre em si mesma ainda é tida como
aquele que está mais próximo de Deus do que as demais pessoas.
O modelo de Igreja pensado no Concílio Vaticano II é o da Igreja Povo de Deus.
Trata-se de um modo de ser Igreja pautado na comunhão e na participação. Estas
não existem onde não há pastores que se coloquem a serviço das pessoas. O
espírito de comunhão e participação é contrário à prática da centralização do
poder. Poder centralizado é um desserviço à comunidade, uma falta grave de
caridade. Não há comunhão onde há mandatários e subalternos. Estes existem no
mundo capitalista dominado pela lógica do ter e do poder. A lógica do Reino de
Deus é a do amor, portanto, oposta a do mundo capitalista.
O texto evangélico de Marcos 6, 7 – 13 fala do chamado e do envio dos doze
discípulos de Cristo com algumas recomendações básicas: não levar nada para o
caminho, andar de sandálias, não levar duas túnicas, ficar na casa onde for
acolhido até a partida e quando não for acolhido e escutado, sacudir a poeira
dos pés. Eles “partiram e pregaram que todos se convertessem.
Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo”.
Jesus chama e envia para a missão. Chama e envia a todos, indistintamente.
Ninguém está excluído do chamado à missão. Jesus de Nazaré é o modelo de
missionário por excelência: pobre, humilde, despojado, acolhedor e libertador.
Sua mensagem é para a vida e a liberdade do ser humano. Vida e liberdade se encontram
na centralidade do que ele denominou Reino de Deus. Portanto, o missionário é
portador da mensagem de Cristo, que tem como conteúdos a vida e a liberdade
humanas.
A mensagem de Cristo é sempre atual porque o ser humano está ameaçado, agredido
e desumanizado. Muita gente padece pela falta de liberdade. O sistema
capitalista, que se torna cada vez mais sanguinário, tem ceifado inúmeras vidas
em todo o mundo. Os missionários devem continuar expulsando os demônios que
aprisionam a vida do povo de Deus: o demônio da cobiça, da sede do poder, da
luxúria entre tantos outros. São inúmeros os corações e corpos feridos, que
precisam ser ungidos com o óleo que conforta e restitui a saúde, o ânimo e a
esperança de um futuro melhor.
Deus enviou Jesus para ensinar as pessoas que o caminho da vida é o caminho da
liberdade. A maior aventura que o ser humano pode arriscar-se a fazer é ousar
amar sem medidas, pois é nesta aventura que se encontra a liberdade. As pessoas
pensam que são felizes na aquisição e usufruto dos bens: pura ilusão! Há quem
passe toda a vida a procura da felicidade trilhando este caminho sem sentido.
Jesus ensinou que a liberdade é um jeito diferente de ser, jeito humilde e
despojado, alicerçado no amor que gera e conduz à vida plena. Amor, vida e
liberdade: eis a mensagem que constitui a Boa Notícia que todos os batizados
são chamados a anunciar ao mundo.
Tiago de França
Nenhum comentário :
Postar um comentário