Entre os maiores benefícios da realização de eventos culturais estão o intercâmbio estabelecido entre artistas e a circulação de trabalhos pouco conhecidos pelo público local. Na 14º Mostra Sesc Cariri de Culturas, encerrada na última terça (13), não foi diferente.
Uma das imagens da série "Animalario", que integrou a exposição "Gravura em miniatura", da artista Julieta Warman. Além de pássaros, as xilogravuras traziam peixes, borboletas, mandalas e outros elementos da natureza, como um inventário
Das pontes estabelecidas, uma chamou atenção, ao ligar diretamente Cariri e Buenos Aires, com a exposição "Gravura em miniatura: Xilogravuras", da artista Julieta Warman.
Em uma região tida como referência no País por sua produção xilográfica, o assombro ficou justamente por conta de uma argentina. As peças de Warman destacam-se especialmente pela delicadeza, algo ainda mais relevante quando se leva em conta a natureza rústica da técnica da xilogravura.
Em "Gravura em Miniatura", a artista reuniu cerca de 40 obras, boa parte oriunda da série "Animalario", na qual reproduz aves, peixes, borboletas e mariposas, entre outros animais. Havia ainda xilogravuras da série "Herbario", dedicada às flores. Tudo em tamanho miudinho - menor do que um cordel de bolso - o que torna o trabalho ainda mais meticuloso. "Gosto da miniatura porque até em um pequeno espaço pode-se contar muita coisa. Além disso, é um formato que detém mais a atenção, pede o olhar próximo, chama para os detalhes. É uma experiência mais íntima", explica a argentina.
De fato, durante a abertura da exposição, em uma galeria no Largo da RFFSA, raros eram os visitantes que não se demoravam ao examinar as peças mais de perto. Curioso notar também que, mesmo a partir do preto e branco, Warman consegue exaltar toda a exuberância da natureza - normalmente associada às suas cores. Suas xilogravuras são repletas de minúcias que formam imagens ricas.
Diálogos
Em outra parte da galeria estavam os Ex Libris, uma das especialidades de Julieta. Tratam-se de pequenas gravuras colocadas nos versos das capas de livros, como símbolo da identidade de uma biblioteca ou coleção particular. Normalmente, o Ex Libris é composto por um conjunto de figuras combinadas em um desenho. Leva ainda a palavra "Ex Libris" e o nome do indivíduo ou instituição proprietária do livro.
Conjunto de Ex Libris de autoria da artista: pequenas gravuras que identificam dono de um livro
Para se elaborar o Ex Libris é necessário fazer uma espécie de entrevista com quem o solicita, a fim de conhecer algumas de suas características e interesses. Warman costuma fazê-los sob encomenda, para pessoas ou instituições, por motivos diversos. "O processo de criação do Ex Libris é lindo, porque você pensa em quem vai recebê-lo, como um presente", compara a artista.
Julieta Warman nasceu em 1975, na Cidade de La Plata, província de Buenos Aires. É artista e professora, formada pela Faculdade de Belas Artes da Universidad Nacional de La Plata. Em 1996, começou a frequentar o ateliê do gravador Osvaldo Jalil, na capital, onde estudou diferentes técnicas de gravura, aperfeiçoando-se em litografia (gravura com matriz em pedra).
Desde então, participou de vários cursos na área, além de concursos de gravura e Ex Libris. Hoje Warman possui um ateliê em sua cidade natal, o Crisálida. Suas andanças recentes, porém, incluem o Brasil, mais especificamente o Cariri, onde atualmente desenvolve trabalhos com o grupo Xicra - Xilógrafos do Crato.
Foi esse grupo, aliás, o responsável por sua vinda à Mostra Sesc Cariri de Culturas deste ano, após terem conhecido o trabalho da argentina por meio do projeto Caixa Umburana, desenvolvido pela artista colombiana radicada no Brasil Yili Rojas e contemplado pela Rede Nacional Funarte de Artes Visuais 2010.
Umburana é uma árvore da caatinga cuja madeira é bastante utilizada na xilogravura, especialmente no Nordeste, por conta das suas características. A Caixa Umburana consiste em um conjunto de cinco caixas confeccionado no Centro Cultural Mestre Noza, em Juazeiro do Norte, por Diomar das Velhas e Severino, dois artesãos do espaço em agosto de 2010.
As caixas foram enviadas a vinte cinco artistas do Brasil e de outros países, convidados a participar gravando uma matriz e disponibilizando cinco estampas cada um. Posteriormente, as imagens integraram uma exposição em São Paulo; em seguida, as caixas foram despachadas em itinerância para serem exibidas em diferentes localidades.
Dois dos artistas convidados foram Warman e Carlos Henrique, xilógrafo da Academia de Cordelistas do Crato, que se conheceram por meio do projeto. Algum tempo depois, o cearense soube que ela estava passando pelo Brasil e a chamou para participar do projeto O Fio da Xilo, realizado pelo Xicra, também voltado ao intercâmbio artístico e, assim como a Caixa Umburana, contemplado pelo Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais 2011.
Durante a realização do projeto, com ações no Cariri e em São Paulo, Warman ministrou oficina para jovens na região do Ceará e realizou algumas intervenções com o Xicra. "Foi quando falamos para ela do edital da Mostra Sesc Cariri de Culturas", recordou Adriano Brito, integrante da segunda formação do Xicra.
Intercâmbios
Durante a abertura da exposição, no último dia 9, não apenas o público conhecia o trabalho de Warman, mas alguns artistas da região, entre eles o artista plástico e xilogravurista Stênio Diniz, de Juazeiro do Norte, com mais de 40 anos de carreira e produção consagrada no País. Diniz é neto de José Bernardo da Silva, da famosa Tipografia São Francisco (depois rebatizada Lira Nordestina).
"Por isso é importante esse intercâmbio promovido na mostra, para conhecermos novos trabalhos e artistas. Depois que viu as primeiras gravuras dela, fiquei sem fôlego. São dignas de um grande mestre do ofício, elogiou Diniz. O xilogravurista destacou a delicadeza da obra da artista. "As gravuras dela têm grande requinte, até porque quanto menor, mais trabalhosa é. Trata-se de um trabalho forte, o melhor que vi aparecer na região nos últimos tempos. Isso impressiona também pelo fato de ela ser tão nova", reforçou.
Embora não conhecesse o trabalho de Warman, Diniz teve um breve contato com a produção argentina de gravuras ainda na década de 1970, quando visitou o Museo del Grabado, em Buenos Aires. "Eles faziam muito pequenas gravuras, frequentemente usavam cor. Era algo de qualidade extraordinária", recorda.
Segundo Julieta, embora tradicional na Europa (local importante na trajetória de seu desenvolvimento, especialmente durante a Idade Média), a xilogravura não tem tanta presença na Argentina. Seu contato com a técnica deu-se a partir de pesquisas sobre gravuras de cordel (a artista tem um irmão que vive na Bahia).
"Nessa procura, você vai encontrando novas referências. Sempre quis conhecer Juazeiro do Norte, a Lira Nordestina. Aqui tem um aspecto único, que é a xilogravura para cordel, essa coisa da imagem aliada a um texto rimado, quase cantado", ressalta.
"Gravura em miniatura" já foi encerrada, com o fim da Mostra Sesc Cariri de Culturas. Mas o trabalho de Warman pode ser acessado no site julietawarman.com.ar.
ADRIANA MARTINSREPÓRTER
Diário do Nordeste
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