“[...] para aprofundar e anunciar os mistérios
da
nossa fé é preciso entrar no silêncio de Deus”
Dom
Aloísio Lorscheider
Padre Geovane Saraiva*
Há cinco partiu para o seio do Pai o
grande homem de Deus, que se fez discípulo de São Francisco de Assis, Dom
Aloísio Cardeal Lorscheider. De São Francisco ele afirmou: “Um homem livre,
amarrado a ninguém, levando-o a redescobrir a pureza original das criaturas.
Indubitavelmente, o Cântico das Criaturas expressa esta liberdade interior e
exterior conseguida pelo Santo de Assis. Só uma vida inteiramente aberta a Deus
e ao Irmão é capaz de dar à criatura humana o gozo da libertação, que conduz à
liberdade pura e santa com que Deus nos criou”.
Um Deus que amou tanto o mundo que
nos deu o seu Filho único (cf. Jo 3,16), deu-nos também um bispo, um pastor, um
teólogo e um Cardeal, que sabia compreender a realidade na sua conjuntura e,
com suas posições bem claras e definidas, nas análises e nas conclusões
teológicas pastorais, ao passar para as pessoas de boa vontade, um clima que
favorecia e gerava uma confiança generalizada.
E foi exatamente a virtude da simplicidade e da humildade que o transformou
no Cardeal que mais se destacou em todos os Conclaves e Sínodos de que
participou, gerando para o mundo inteiro e, especialmente para a imprensa, uma
grande expectativa. Sua palavra corajosa e profética era acolhida por todos
como uma boa notícia. Eis o que disse Senador Pedro Simon a respeito de Dom
Aloísio: “[...] sua voz, naturalmente doce, alternava-se quando era preciso
confrontar os vendilhões da justiça, quando todos os jardins da democracia
corriam o risco de ser alvo de bombas atiradas pelos olhares fixos da
repressão. Sua voz ecoou pelos corredores das prisões [...]”.
A espiritualidade franciscana foi
imprescindível na sua ação e caridade pastoral, chegando a se pronunciar, num
artigo em 1882, na Revista Grande Sinal: “À medida que passam os anos, São
Francisco merece maior atenção. Em nossos dias, sobretudo, com a redescoberta
do lugar social do pobre na Igreja e no mundo, o interesse pelos ideais de São
Francisco faz-se mais vivo” [...].
Em Francisco de Assis Dom Aloísio
descobriu a verdadeira face de Deus, traçando seus passos a partir dessa
realidade misteriosa: “Sempre fiquei muito impressionado e atraído pelo amor
quente e apaixonado que São Francisco dedica a Deus. Parece que no beijo do
leproso ele entendeu, como Saulo no caminho de Damasco, a doação total de Deus
a nós em seu Filho Jesus Cristo. Custou a Francisco não só descer do cavalo
fogoso que no momento montava, mas muito mais do cavalo do orgulho e da vaidade
com que ele queria conquistar o título de grande e nobre”.
Dom Aloísio, ao se tornar Arcebispo
de Fortaleza (1973-1995), logo de início afirmou: “A comunidade eclesial não é
feudo do bispo, mas ele é o servidor de uma Igreja que se entende a si mesma
como sacramento do Reino, isto é, da presença da verdade e do amor infinito de
Deus para com cada criatura humana”. Daí
ele não compreender como algo natural e normal se conviver com a miséria e o
acentuado empobrecimento do povo, que tinha como consequência o êxodo, o
flagelo e a morte de muitos irmãos, levantando sua voz de profeta para dizer
que não era vontade de Deus a realidade aqui encontrada e, ao mesmo tempo, usou
de todos os meios, com uma enorme vontade de transformar essa mesma realidade,
marcando profundamente a história do nosso querido Ceará. No dizer do
Desembargador Fernado Ximenes, “Em pleno regime de exceção, a sociedade
cearense logo sentiu os efeitos dessa guinada. As camadas desfavorecidas ou
marginalizadas, os sem-terra, os sem-teto, os presos políticos, os presidiários
comuns, os trabalhadores em greve - ganharam aliado de peso”.
Quando ele se tornou bispo emérito de
Aparecida, veio a seguinte pergunta: O que o senhor vai fazer? Respondeu: “Sou
um simples frade menor e vou fazer o que o meu provincial mandar, porque a
obediência me torna livre”. Jamais podemos esquecer a chama luminosa de um
coração amável e cheio de bondade, de uma pessoa humana, dotada de grandes
virtudes e qualidades, de um “bispo completo”, segundo o grande teólogo Alberto
Antoniazzi e nas palavras do então Senador Tasso Jereissati, “do homem mais
ilustre da nossa geração, no Ceará, com a sua vida de dedicação à causa dos
excluídos”, do maior benfeitor e patrimônio do povo cearense, que partiu há
cinco anos, no dia 23/12/2007, deixando-nos enorme saudade.
Que a mística franciscana tão
presente na vida de Dom Aloísio, ao mergulhar no Mistério da Encarnação, sobretudo,
neste tempo forte do advento, que precede o Natal; também na Paixão do Senhor,
ofertando ao Ceará (Arquidiocese de Fortaleza) um rosto de um Igreja
verdadeiramente pascal, no sentido mais profundo da liberdade e da perfeita alegria,
nos proporcione gestos concretos, no sentido de desmanchar a montanha do orgulho
e de egoísmo, amparados pela simbologia
do manto da paz, da justiça e da solidariedade.
*Padre da
Arquidiocese de Fortaleza, Escritor, Membro da Academia de Letras dos
Municípios do Estado Ceará (ALMECE), e da Academia Metropolitana de Letras de
Fortaleza.
Pároco de
Santo Afonso
Autor
dos livros:
“O
peregrino da Paz” e “Nascido Para as Coisas Maiores” (centenário de Dom Helder
Câmara);
“A
Ternura de um Pastor” - 2ª Edição (homenagem ao Cardeal Lorscheider);
“A
Esperança Tem Nome” (espiritualidade e compromisso);
"Dom
Helder: sonhos e utopias" (o pastor dos empobrecidos).
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