Numa audiência pública despretensiosa, presidida pela aguerrida deputada Luiza Erundina, o Brasil preencheu as condições para levar à aprovação do Congresso a instituição do "Dia Internacional do Direito à Verdade". O dia 24 de março, em homenagem a dom Romero das Américas, foi instituído pela ONU, em 2010, como a data comemorativa ao Direito à Verdade em todo o mundo.
Os participantes da audiência pública insistiram na importância simbólica dessa data, pois será um momento a mais para que o país busque fazer justiça, recuperando a memória perigosa das vítimas da secular resistência no país e no continente.
Em nome do CIMI expus algumas reflexões que passo a socializar.
Desconstruir a memória colonialista
Ontem aqui nesta casa, um Ato Público em apoio à causa indígena, promovido por esta mesma Comissão de Direitos Humanos, duas manifestações chamaram atenção. Uma delas foi quando a desembargadora juíza Kanarik não conteve as lágrimas ao afirmar que "é inacreditável que em pleno século XXI os indígenas tenham que afirmar: nós somos humanos, nós temos sentimentos como vocês". Só faltava algum papa ter que fazer uma bula afirmando que eles têm alma. Abominemos de uma vez por todas essa mentalidade criminosa que ainda norteia muitas das elites governantes e Estados nacionais. Como sociedade de verdade, façamos justiça declarando na prática nosso anátema a essas afirmações e posturas genocidas, racistas e fascistas. Desconstruir e descolonizar a memória significa uma decisão política com estratégias concretas neste sentido. Deixemos-nos inundar com os nobres sentimentos que vem da raiz deste continente, de seus povos originários, dos heróis da resistência.
Ontem aqui nesta casa, um Ato Público em apoio à causa indígena, promovido por esta mesma Comissão de Direitos Humanos, duas manifestações chamaram atenção. Uma delas foi quando a desembargadora juíza Kanarik não conteve as lágrimas ao afirmar que "é inacreditável que em pleno século XXI os indígenas tenham que afirmar: nós somos humanos, nós temos sentimentos como vocês". Só faltava algum papa ter que fazer uma bula afirmando que eles têm alma. Abominemos de uma vez por todas essa mentalidade criminosa que ainda norteia muitas das elites governantes e Estados nacionais. Como sociedade de verdade, façamos justiça declarando na prática nosso anátema a essas afirmações e posturas genocidas, racistas e fascistas. Desconstruir e descolonizar a memória significa uma decisão política com estratégias concretas neste sentido. Deixemos-nos inundar com os nobres sentimentos que vem da raiz deste continente, de seus povos originários, dos heróis da resistência.
Desconstruir a memória do invasor, do colonizador, do capital nacional e internacional, ontem e hoje, significa não apenas reconhecer a pluralidade de povos, culturas, crenças, organizações sociais e direitos consuetudinários em nosso país, mas requer a imediata devolução de seus territórios, e as condições para viverem em paz e com dignidade. Isso requer rever o panteão dos heróis, dentre os quais estão vários matadores de índios, ter a coragem de fazer fogueiras com livros que continuam veiculando mentiras sobre os povos indígenas em nossas salas de aula, veicular a verdade com relação à realidade, lutas e valores destes povos. Dizia ontem nesta Casa, a indígena Pierangela Wapixana, de Roraima, "é difícil os não-índios nos entenderem, enxergarem além das aparências, a nossa relação com a mãe terra e a natureza, nosso espírito, nossa alma, nossos sentimentos".
Extirpar a impunidade, violência e injustiça
Infelizmente continuamos sob o manto da arbitrariedade que estimula a violência, promove a impunidade e sacraliza a injustiça. Precisamos urgentemente descolonizar não apenas a memória, mas como diz Fernando Ortiz, em recente entrevista "A descolonização deve ser não apenas política (do poder) e econômica, senão também mental, cultural e ideológica".
Infelizmente continuamos sob o manto da arbitrariedade que estimula a violência, promove a impunidade e sacraliza a injustiça. Precisamos urgentemente descolonizar não apenas a memória, mas como diz Fernando Ortiz, em recente entrevista "A descolonização deve ser não apenas política (do poder) e econômica, senão também mental, cultural e ideológica".
Portanto temos uma árdua e imprescindível tarefa de mudanças profundas, sistêmicas e mentais, para a qual a criação da comissão indígena da verdade e o Dia Internacional da Verdade poderão contribuir.
Os Kaiowá Guarani que ontem estiveram no Congresso, em Brasília, disseram com todas as letras "nãoaguentamos mais". O genocídio em curso, conforme a deputada Érica Kokai, nos desafia e impele não à repetição de discursos e falas bonitas, mas a ações concretas e inadiáveis. Certamente não queremos entrar para a história como cúmplices e exterminadores destes povos. Eles nos repetiram milhares de vezes que temos que começar pelo reconhecimento e garantia de seus territórios. Com isso esperam diminuir a absurda violência a que estão submetidos. Outro passo urgente é julgar e punir os assassinos das lideranças indígenas. "Mata-se índio como se mata um cachorro", nos dizem as lideranças em suas falas. E nada se faz. Nenhum matador de índio no Mato Grosso do Sul foi julgado e punido. Ao contrário, centenas de nossos parentes estão mofando nas cadeias da região. Centenas de processos que envolvem nossas terras estão paradas nos tribunais e não são julgadas para permitir a continuidade dos processos de regularização. Uma liderança observou que a "justiça é lenta" para os índios, os negros, os pobres, mas funciona rapidamente para quem tem dinheiro.
Comissão Indígena da Verdade
Nas duas décadas da ditadura militar (1964 a 1985) não imaginávamos que um dia fosse criado uma Comissão da Memória, Verdade e Justiça. Menos ainda que se buscasse um dia restaurar a verdade com relação às mortes e violências sofridas pelos indígenas em decorrência da ação do Estado brasileiro. Parece que finalmente estamos saindo de um pesadelo e massacre secular dos povos indígenas no Brasil. São passos tímidos e difíceis não apenas para criar a Comissão, mas principalmente fazê-la efetivamente funcionar e ir a fundo nos meandros obscuros da tortura, mortes e violências. Porém, os passos iniciais são promissores e vai agora depender de empenho e eficiência de todos nós brasileiros e aliados dos povos indígenas, e em especial desses povos. Nos dizia com contido entusiasmo o guerreiro indigenista, Egydio Schwade, "estamos num momento importante da história brasileira. Finalmente a questão indígena está sendo incluída num programa que poderá trazer à luz fatos tenebrosos, massacres, genocídio de povos e comunidades indígenas". E pôs a mão na massa. Produziu um texto com mais de 200 documentos indicando a morte de mais de 2000 índios Waimiri Atroari, com armas pesadas e até bombardeios, nas décadas de 60 e 70, por ocasião da construção da estrada BR 174. Certamente muitos outros fatos virão à tona.
Nas duas décadas da ditadura militar (1964 a 1985) não imaginávamos que um dia fosse criado uma Comissão da Memória, Verdade e Justiça. Menos ainda que se buscasse um dia restaurar a verdade com relação às mortes e violências sofridas pelos indígenas em decorrência da ação do Estado brasileiro. Parece que finalmente estamos saindo de um pesadelo e massacre secular dos povos indígenas no Brasil. São passos tímidos e difíceis não apenas para criar a Comissão, mas principalmente fazê-la efetivamente funcionar e ir a fundo nos meandros obscuros da tortura, mortes e violências. Porém, os passos iniciais são promissores e vai agora depender de empenho e eficiência de todos nós brasileiros e aliados dos povos indígenas, e em especial desses povos. Nos dizia com contido entusiasmo o guerreiro indigenista, Egydio Schwade, "estamos num momento importante da história brasileira. Finalmente a questão indígena está sendo incluída num programa que poderá trazer à luz fatos tenebrosos, massacres, genocídio de povos e comunidades indígenas". E pôs a mão na massa. Produziu um texto com mais de 200 documentos indicando a morte de mais de 2000 índios Waimiri Atroari, com armas pesadas e até bombardeios, nas décadas de 60 e 70, por ocasião da construção da estrada BR 174. Certamente muitos outros fatos virão à tona.
Um novo horizonte - O Bem Viver e a Terra Sem Males
Apesar do mar de sofrimento, violência, injustiça e opressão em que está mergulhado o continente e nosso país, a institucionalização do Dia Internacional de Direito à Verdade, soa como um leve ruflar das asas de um beija-flor em meio a um temporal.
Apesar do mar de sofrimento, violência, injustiça e opressão em que está mergulhado o continente e nosso país, a institucionalização do Dia Internacional de Direito à Verdade, soa como um leve ruflar das asas de um beija-flor em meio a um temporal.
Porém, passos importantes estão sendo dados em países como Bolívia e Equador, que têm o Bem Viver inscritos em suas constituições e estão caminhando para o reconhecimento dos Direitos da Mãe Terra - Pachamama.
Os Guaranis Kaiowás estão construindo importantes estratégias comuns nos quatro países (Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia), para mutuamente se apoiarem na luta por seus direitos, especialmente os territórios. O Conselho Continental da Nação Guarani é uma experiência esperançosa no contexto de luta e reconhecimento de direitos, para além das fronteiras dos países.
Os Guaranis Kaiowás estão construindo importantes estratégias comuns nos quatro países (Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia), para mutuamente se apoiarem na luta por seus direitos, especialmente os territórios. O Conselho Continental da Nação Guarani é uma experiência esperançosa no contexto de luta e reconhecimento de direitos, para além das fronteiras dos países.
Na busca da Terra Sem Males, somos todos caminhantes guiados e precedidos por nossos irmãos Guaranis Kaiowás. Que o dia 24 de março se torne não apenas mais um dia comemorativo, mas que seja o dia de mudanças em nossas mentes, corações e estruturas na perspectiva da convivência respeitosa e digna de todos os povos.
Egon Heck - Cimi , 6 de dezembro de 2012.
Fonte: Egon Heck / Revista Missões
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