Antigo bispo de Setúbal diz sofrer pela situação do «pobre povo» português e pela «certeza» de que a crise vai continuar
Lisboa, 18 dez 2012 (Ecclesia) – O bispo emérito de Setúbal, D. Manuel Martins, criticou o modelo económico-financeiro seguido em Portugal, afirmando que sofre com as consequências da crise na população e que a Igreja Católica está a falhar na sua missão.
O sistema predominante no Ocidente “é uma espécie de religião fundamentalista seguida pelos poderosos que passam a vida ajoelhados diante do lucro e do dinheiro, sugados de todas as formas possíveis e imaginárias” a quem “menos pode defender-se” e a quem “cada vez pode menos”, declarou em entrevista à ECCLESIA, que pode ser acompanhada esta quarta-feira na RTP 2 (18h00). A austeridade causada por Portugal estar “num poço sem fundo e nem sequer ter dinheiro para comprar a corda para se salvar”, é uma “imposição sobre os pobres, e agora já sobre os menos pobres”, que “estão a ser sacrificados naquilo que é o mais sagrado”, ou seja, “o direito a uma vida digna”, sublinhou. “Sofro muito com a situação que o nosso pobre povo está a viver e pela certeza de que esta realidade vai continuar por muito tempo”, referiu D. Manuel Martins, acrescentando que “grande parte da população vive no escuro do desespero”. Os portugueses têm “a ilusão de viver num regime democrático”, mas que na realidade está dominado “por mil ditaduras”, como é o caso do “medo do hoje, do amanhã, de perder o trabalho, de não poder resolver este problema e aquele, de deixar a casa”. Para o prelado o governo deve comprometer-se a dar “condições minimamente necessárias” para que “as pessoas possam ter a certeza, tanto quanto é possível, que o pão da sua mesa nunca vai faltar”. Referindo-se à legislação laboral, D. Manuel Martins diz-se “espantado” por ver “como é que ninguém na Igreja denunciou muitas das medidas do Código Laboral que nada têm a ver com os direitos consignados na Constituição”. A Igreja Católica, que devia “apontar outros horizontes”, está a “cumprir só metade da sua missão, que é dar de comer a quem tem fome”, faltando-lhe a tarefa “importante” de “descobrir as causas [da pobreza]”, apontou. Ao mesmo tempo o prelado mostra reservas quanto às paralisações: “Estamos numa situação tão grave que um português minimamente civilizado, consciente e responsável devia renunciar à greve, neste momento, para ver se, todos juntos, e com outras renúncias, somos capazes de pôr o comboio nos trilhos e começar a avançar”. O antigo bispo setubalense considera que os políticos “não deixam de dormir, de comer e de viver descansados e regalados por causa do povo”, e deixa um aviso: “Estamos a pagar-lhes, e bem, para nos servirem. Portanto, cautela”. “Não digo que mudem os políticos mas que mudem as políticas, pedagogias e modos de estar, não só ao nível de quem ocupa as cadeiras do poder mas sobretudo daqueles que estão com ânsia de as ocupar”, aponta, depois de censurar uma “filosofia económica desgraçada” que tem levado a casos de “fome”. O prelado salienta que “Portugal está muito perto do abismo” e que 2012 “fica marcado pelo cataclismo que se abateu sobre a sociedade portuguesa”, que a mantém num clima de “muito desânimo, de muito medo”. D. Manuel Martins sustenta que é preciso “pregar a esperança” de forma “insistente e convicta”, evitando no entanto o “risco” de “estar a alienar as pessoas”. PTE/RJM/OC |
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