Padre Bernardo Bourassa e padre José Maria colocam a casula em Padre Geovane saraiva, por ocasião da sua ordenação sacerdotal aos 14/08/1988, na presença do cardeal Lorscheider, em Capistrano - CE |
As vestes sacerdotais: Padre José Maria, ex- pároco e amigo e Padre Bernardo Bourassa, então pácoco de Capistrano, já falecido |
Capistrano O olhar visionário do padre jesuíta canadense Bernardo Bourassa e sua obstinação estão matando a sede de milhares de sertanejos que residem nesta cidade. Cinco cisternas construídas pelo religioso há 20 anos fornecem água potável à comunidade. "Essa é a verdadeira água benta, milagrosa mesmo", garante a dona de casa Maria Aldízia Silva dos Santos que, duas vezes na semana, se dirige à Igreja Nossa Senhora de Nazaré com o balde na mão.
Com baldes e cordas, a população de Capistrano puxa água das cisternas Fotos: Waleska Santiago
Essa história começa em 1968, data da chegada do padre Bernardo a Capistrano. Alguns anos depois, incomodado com os problemas decorrentes da escassez de chuvas, pensou numa maneira de minimizá-los.
A ideia inicial foi de cavar poços profundos na região. Ao ver que isso era inviável, pois a qualidade da água não era adequada para consumo humano, optou por uma tecnologia comum em seu país e já utilizada em pequena escala no Brasil: a cisterna.
Para tal, usou de recursos próprios, pois sua família era abastada, além da colaboração de alguns fieis. Padre Eudásio Nobre Silveira, que assumiu a paróquia há sete anos, conviveu de perto com Bernardo Bourrassa. "Era um homem bom e de personalidade muito forte, daquele tipo que não tergiversava na hora de se dirigir a uma pessoa. Se fosse para dar um carão, o fazia sem meias palavras".
Padre Eudásio abre pessoalmente os portões que dão acesso às cisternas para evitar a correria e o atropelo na busca pela água ofertada pela Igreja Católica de Capistrano nos dias de terça e quinta-feiras
A influência do padre Bernardo em Capistrano ainda hoje é sentida, embora ele tenha se transferido há 16 anos para Russas e falecido no Canadá em 2009, aos 95 anos.
"Ele nos ensinou muita coisa. Em relação à água, não construiu simplesmente as cisternas mas mostrou a todos a importância de poupá-la. Tanto é verdade que, enquanto esteve aqui, a retirada acontecia apenas uma vez por semana", lembra padre Eudásio, ao acrescentar que o idealizador das cisternas "era deveras simples, vivia em função do seu semelhante, se vestia como os mais pobres, de calça jeans, camisa surrada e calçava um velho tênis Conga".
Senha
O cuidado para evitar o desperdício e a ação de espertalhões era tamanho que o padre Bernardo distribuía uma senha entre os fieis e a população de uma forma geral. Tratava-se de um recorte de revistas francesas. Certa vez, uma pessoa usou um papel indevido, retirado de uma publicação nacional. A tramoia foi prontamente descoberta pelo religioso que fez uma reprimenda de público ao seu autor.
Na sua gestão à frente da igreja, o pároco atual resolveu realizar o fornecimento durante quatro dias na semana; posteriormente, diminuiu para três e atualmente a oferta é apenas às terças e quinta-feiras. "Com a falta de chuva, a gente tem que racionar, pois precisamos de água também na igreja. Se deixarmos livremente, as cisternas por certo secarão logo", destaca.
Por volta das oito horas, quando o portão que dá acesso ao local, no fundo da igreja, é aberto, a correria é generalizada. Muitas vezes, o padre Eudásio tem que ir à frente para evitar tumulto. São milhares de pessoas que se deslocam em carroças, caminhões, automóveis pequenos, motocicletas, bicicletas e carros de mão. Os que residem nas proximidades levam baldes e bacias na mão.
Aproveitadores
Em meio aos necessitados, alguns se aproveitam para lucrar com a seca. "Sabemos que tem gente pegando água para vender. Infelizmente, não há uma maneira de separar o joio do trigo. Fico com a consciência pesada quando uma pessoa vem aqui com sede. Não sei dizer um não. Até funcionários do hospital e de algumas repartições públicas se utilizam das cisternas. O importante é que todos saiam contentes", frisa padre Eudásio.
"Está claro que isso aqui é coisa de Deus. Se não fosse a igreja, estaria com a minha família bebendo água suja e salgada. Graças à herança deixada pelo santo padre Bernardo, ninguém por aqui sofre por conta de problemas como diarreia ou contaminação", exclama o agricultor Luiz Alves Neri, 42 anos.
Quem também conheceu o religioso canadense de perto foi o agricultor José Ferreira Lima, o seu Dedé. "Ele era bonachão e querido por todos mas ai daquele que quisesse enganá-lo ou tirar proveito da situação. Testemunhei certa vez quando mandou que um comerciante bem abastado que veio aqui pegar água vendesse seus automóveis e a antena parabólica para construir uma cisterna particular".
Apesar de confessar que pega água para vender, o desempregado Antônio Edmilson Ferreira de Freitas, 54 anos, faz questão de destacar que não está usando de má fé. "O padre Eudásio e todos por aqui sabem que faço doze caminhos d´água por dia carregando dois baldes de 15 litros nos ombros, pendurados num pau, para ganhar apenas R$ 2,00 por balde. Faço esse trabalho para ganhar alguns trocados e também para ajudar pessoas idosas ou deficientes que não têm como se deslocar até aqui". Além dessa tarefa, Edmilson carrega água do prédio da Prefeitura para abastecer a delegacia.
Racionamento
A preocupação de todos é de que não chova em 2013 para compensar os dois últimos anos de estiagem que afetaram a região. Padre Eudásio diz que as cisternas, com capacidade para armazenar cerca de 100 mil m³, podem suportar até o meio do ano.
"A gente vai controlando para que não haja um colapso total. Dependendo da situação no fim desse mês, poderemos reduzir a oferta para um dia na semana. Mas creio que Deus está olhando por nós e vai mandar chuva para encher as nossas cisternas e molhar todo o sertão nordestino".
ASA trabalha alternativas de convívio com a seca
A Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) atua há 13 anos na construção de alternativas para a convivência do homem do campo com as dificuldades impostas pelo semiárido. De acordo com Cristina Nascimento, coordenadora executiva da ASA/CE e do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador (Cetra), a pauta da ASA sempre foi tratar a perspectiva da convivência a partir das experiências dos agricultores.
A primeira tecnologia que a ASA passou a trabalhar nesse debate da convivência foram as cisternas de placas. "É uma tecnologia simples, barata e fácil de aplicar, por isso é chamada tecnologia social, que tem a capacidade de proporcionar a essas famílias facilidade para armazenar água", explica Cristina.
A coordenadora da ASA ressalta que, mesmo tendo acabado a água da chuva, a cisterna pode ter outro uso armazenando o que é distribuído pelo governo. "Antes ele não tinham onde armazenar. Agora, podem guardar como se fosse ouro".
Entrega
Em parceria com os governos Federal, Estadual e outros órgãos, a ASA já entregou cerca de 400 mil cisternas de placa. "Precisamos levar cisternas para todos os lugares que precisam". (ER)
Agricultores à espera do inverno para inaugurar a cisterna calçadão
Tauá/Crateús/Nova Russas Uma das principais tecnologias sociais que ajudam o sertanejo a mitigar os efeitos da estiagem são as cisternas. Há mais de um ano, agricultores da zona rural de Nova Russas construíram 33 cisternas, do tipo calçadão, com capacidade de armazenar 52 mil litros d´água. O problema é que, desde então, não choveu e o equipamento permanece totalmente obsoleto.
A cisterna calçadão de dona Francisca Oliveira aguarda pelo inverno para, depois de cheia, transportar água para a de placa Fotos: Waleska Santiago
Na propriedade da agricultora Francisca Oliveira, o maior sonho da família é ver a cisterna cheia. "Sabemos que ela será importante para nos ajudar no período sem chuvas. Está demorando um pouco mas tenho fé em Deus que esse dia chegará", aposta dona Francisca.
A cisterna faz parte do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), criado pela Articulação do Semiárido (ASA) e tornado política pública pelo Governo Federal para garantir água para as necessidades básicas por meio de cisternas de 16 mil litros. A do tipo calçadão faz parte do P1+2: Uma Terra e Duas Águas, para captar a água da chuva na zona rural, onde não existem muitas construções e, consequentemente, telhados e conduzi-la à cisterna de placas maiores, de 52 mil litros, com finalidade produtiva para a segurança alimentar.
A cisterna de plástico (polietileno) é uma novidade para o sertanejo, que recebe um kit completo: o reservatório de armazenar água, que pesa 250 quilos, as calhas, um cano e uma bomba d´água
"É uma ironia muito grande. A gente pensava que o problema estava resolvido e, na verdade, passamos a comprar água de um carro-pipa a R$ 100, a carrada, trazida do distrito de Canindezinho. De qualquer forma, sabemos que a cisterna de placa terá sua utilidade futuramente", diz dona Francisca Oliveira.
Plástico
Na zona rural de Tauá, estão sendo instaladas 2.228 cisternas plásticas (polietileno). Pesando 250 quilos, o equipamento é facilmente instalado. "Antes, eu pegava água na casa de um irmão, de jumento, a 500 metros de distância. Era um grande transtorno. Com a instalação do equipamento, tudo mudou. Com uma bomba, puxo a água facilmente", conta o agricultor José Pires da Silva, que reside na comunidade Vila Castelo.
Há três anos, o agricultor Joaquim Alves Vieira, que mora no sítio Alto Alegre, ganhou sua primeira cisterna, feita de cimento. Há dois meses, a propriedade vizinha, pertencente a seu filho, recebeu um equipamento feito de polietileno. "Essa nova é muito prática. Tem a vantagem de vir com as calhas e com a bomba de puxar água. Porém, a mais antiga também é muito boa e serve demais para nos ajudar a enfrentar o período de seca".
Crateús
"Esse é o momento mais crítico da história do açude Carnaubal. Ele não suporta mais trinta dias fornecendo água à população. Por isso, o racionamento que foi iniciado em dezembro, na minha opinião, veio tarde", desabafa o vice-prefeito de Crateús, Mauro Soares. No seu entender, a solução para evitar o colapso total seria liberar água do açude Jaburu, em Independência, a 50 quilômetros de distância.
No distrito de Lagoa das Pedras, a 40 quilômetros da sede de Crateús, na propriedade de Gonçalves Moura Bezerra, das 600 cabeças de gado, 104 foram transferidas para Ipaporanga (80 quilômetros de distância). Quatorze já morreram de fome e sede. Dos que permaneceram na fazenda, 13 estão recebendo alimentação especial, numa última tentativa de salvá-los. (FM)
Governo federal libera R$ 800 milhões
O governo federal já liberou R$ 800 milhões para o combate à seca no Ceará neste ano. As verbas foram destinadas a programas emergenciais como Garantia Safra, Bolsa Estiagem e Operação-Pipa e também para projetos de convivência com o semiárido, como o Água Para Todos.
Em entrevista, por telefone, ao Diário do Nordeste, na última quarta-feira, o ministro da Integração Nacional (MI), Fernando Bezerra Coelho, garantiu que o governo está "acompanhando atentamente a agudização do quadro" da estiagem no Ceará, que já afeta mais de 2 milhões de pessoas em todo o Estado, segundo dados do MI.
Bezerra detalhou os investimentos e afirmou que, até novembro, 239.689 famílias foram beneficiadas pelo Garantia Safra, o que corresponde a um valor de R$ 66,9 milhões. No Bolsa Estiagem são mais 217.900 pessoas atendidas para um beneficio total de R$ 84 milhões.
Por sua vez, o secretário do Desenvolvimento Agrário do Ceará (SDA), Nelson Martins, salientou que o Ceará foi o Estado que mais recebeu milho, com o número atual de 70 mil toneladas entregues. "A partir de terça-feira chegarão mais quatro mil toneladas que o Estado está pagando R$ 1,6 milhão referente ao frete", disse Martins.
Poços
No que corresponde à Defesa Civil, o MI transferiu R$ 10 milhões para ajudar o Estado no pagamento dos carros-pipa. Além disso, também foram transferidos R$ 13,4 milhões para a recuperação de poços.
Segundo o ministro, outro programa do governo federal que tem ajudado no combate à seca é o Água para Todos. "Temos um convênio no valor de 179 milhões para construir 15 mil cisternas de placa e 1,5 mil sistemas de abastecimento de água simplificado. Através da Codevasf, estamos finalizando a instalação de aproximadamente duas mil cisternas de polietileno no Município de Tauá", afirmou Fernando Bezerra.
O programa é polêmico e tem sofrido críticas por parte de organizações não governamentais como a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA). Segundo Cristina Nascimento, coordenadora executiva da ASA no Ceará, cisternas de plásticos são duas vezes mais caras do que as de placa e "só fortalecem a economia de grandes grupos e corporações. A de placa democratiza a economia local. Envolve a família e as pessoas que aprendem a construir a cisterna", disse Cristina Nascimento.
O ministro da Integração Nacional rebateu as críticas da organização e afirmou que o trabalho de sensibilidade, de mobilização social, que existe quanto à cisterna de placa, também ocorre com a cisterna de polietileno. "Quando falam que o preço (da cisterna de plástico) é de R$ 5.090 está incluso o custo da mobilização. E quando dizem que a outra cisterna custa R$ 2 mil e pouco, não colocam o custo da mobilização, que tem que ser agregado. O programa Água Para Todos trabalha com as duas tecnologias, tanto a de placa quanto a de polietileno, uma não vem no lugar da outra. As duas vão coexistir". (ER)
Defesa Civil
23,4 milhões foram destinados à Defesa Civil Estadual para o fornecimento de água por meio de carros-pipa e também para a recuperação de poços
FERNANDO MAIAREPÓRTER
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