13/02/2013

Conclave: Pessoas e lugares da eleição

A eleição de um Papa obedece a rituais muito precisos, marcados por um clima de silêncio e segredo, previsto ao pormenor na Constituição Apostólica ‘Universi Dominici Gregis’, assinada por João Paulo II em 1996.
O próximo inicia-se após o dia 28 de fevereiro, quando tem efeito a renúncia ao pontificado anunciada segunda-feira por Bento XVI, em data a determinar pelas congregações de cardeais que se vão reunir em seguida.
No início do conclave, os cardeais vão tomar Deus e os Evangelhos como suas testemunhas num juramento de “segredo absoluto” sobre todos os procedimentos que ali irão ter lugar.
50 cardeais eleitores (59 a partir do dia 5 de março) foram criados por João Paulo II e participaram na eleição de Bento XVI, Papa que criou os outros 67 cardeais com menos de 80 anos.

Os eleitores
Entram em Conclave para eleger o Papa apenas os cardeais que não tenham já cumprido 80 anos de idade. O número máximo de Cardeais eleitores é de 120, fixado por Paulo VI e confirmado por João Paulo II e Bento XVI
Atualmente há 118 cardeais eleitores, mas o cardeal ucraniano D. Lubomyr Husar vai celebrar o seu 80.º aniversário a 26 de fevereiro.
A legislação da Igreja prevê que o Conclave só se possa iniciar pelo menos 15 dias depois da morte do Papa, mas o caso atual é praticamente inédito: desde 1415 que não se verificava uma renúncia ao pontificado.
No Conclave estarão representados os 5 Continentes: Europa - 61, América Latina - 19, América do Norte - 14, África -11, Ásia - 11 e Oceânia - 1.
Os países mais representados são a Itália (28 cardeais eleitores), Estados Unidos da América (11), Alemanha (6), Brasil, Espanha e Índia (5 cada), com mais de metade do total de eleitores.
Se um Cardeal tiver recusado entrar no Conclave, não poderá ser posteriormente admitido no decorrer nos trabalhos, mas o mesmo não acontece se um cardeal adoecer durante o processo da eleição do novo Papa.

Pessoas no Conclave
Além dos cardeais eleitores, está prevista no Conclave a presença de outros elementos, “para acudirem às exigências pessoais e de serviço, conexas com a realização da eleição”: o secretário do colégio cardinalício (D. Lorenzo Baldisseri), que desempenha as funções de secretário da assembleia eleitoral; o mestre das celebrações litúrgicas pontifícias (D. Guido Marini), com dois cerimoniários e dois religiosos adscritos à sacristia pontifícia; um eclesiástico escolhido pelo cardeal decano, para lhe servir de assistente; alguns religiosos de diversas línguas para as confissões, bem como dois médicos e enfermeiros para eventuais emergências; as pessoas adscritas aos serviços técnicos, de alimentação e de limpeza; os condutores que transportam os eleitores entre a ‘Domus Sancta Marthae’ (Casa de Santa Marta) e o Palácio Apostólico; os sacerdotes admitidos como assistentes de alguns cardeais eleitores.
Todas elas são “devidamente advertidas sobre o significado e a extensão do juramento a prestar, antes do início das operações para a eleição”, pelo que prestam e subscrevem o juramento de segredo sobre tudo o que rodear o processo de eleição do novo Papa.

Lugares do Conclave
João Paulo II decidiu que os cardeais ficassem alojados na denominada Casa de Santa Marta, situada no Vaticano, junto à Basílica de São Pedro. Em 2005, pela primeira vez na história, os lugares do Conclave estenderam-se a todo o espaço do Vaticano.
Os cardeais eleitores continuam a estar submetidos à interdição de qualquer contacto com o exterior, mas não ficam encerrados num único local. Com as novas normas, os Cardeais ocupam vários sítios consoante as suas atividades: o alojamento é na Casa de Santa Marta, as celebrações litúrgicas na Capela de Santa Marta - eventualmente noutras capelas -, e a eleição na Capela Sistina.
Os lugares do Conclave serão fechados por dentro (responsabilidade do Cardeal Camerlengo, D. Tarcisio Bertone) e por fora (responsabilidade do substituo da Secretaria de Estado, o arcebispo Giovanni Angelo Becciu).
Desde as primeiras assembleias cristãs romanas aos cardeais, em 1179, a eleição de um novo Papa aconteceu quase sempre em Roma e, desde 1492, na Capela Sistina. Nem todos os conclaves, contudo, tiveram lugar no Vaticano: cinco aconteceram no Quirinal, atual palácio da presidência da República Italiana; 16 decorreram noutras cidades italianas e sete em França, no período de Avinhão.

Início do Conclave
Está previsto que todos os Cardeais eleitores se encontrem na Basílica de São Pedro para celebrar a Missa votiva ‘pro eligendo Romano Pontifice’ (para a eleição do Papa), sob a presidência do decano do Colégio Cardinalício, D. Angelo Sodano. A celebração é aberta a todos os que queiram participar.
Mais tarde, os cardeais eleitores reúnem-se na Capela Paulina do Palácio Apostólico, de onde se dirigem para a Capela Sistina, em procissão solene, entoando o canto ‘Veni Creator’, para pedir a assistência do Espírito Santo.
A Capela Sistina terá sido anteriormente objeto de apurados controlos para apurar da eventual presença de meios audiovisuais destinados a espiar do exterior o que acontecer no processo de eleição.
Os cardeais eleitores prestam, em primeiro lugar, o juramento de segredo sobre tudo o que diz respeito à eleição do Papa e comprometem-se a desempenhar fielmente o ‘munus Petrinum’ de pastor da Igreja universal em caso de eleição.
Terminado o juramento, todas as pessoas estranhas à eleição saem após a ordem ‘Extra Omnes’  (todos fora). Permanecem apenas o mestre das celebrações litúrgicas e o eclesiástico escolhido para a segunda meditação. Estes momentos de reflexão estão previstos na Constituição Apostólica ‘Universi Dominici Gregis’ (UDG, n. 13) e são outra das novidades da Sé Vacante, introduzidas por João Paulo II: a última meditação diz respeito à escolha “iluminada” do novo pontífice.
Após a meditação saem da Capela o mestre das celebrações litúrgicas e o orador. Os cardeais eleitores encontram-se a sós, na Capela Sistina, com os seus pares. Todos os meios de comunicação com o exterior são proibidos.
Nesta altura, o cardeal que preside à eleição verifica se não há obstáculos e procede-se à primeira votação.
Os conclaves do século XX tiveram uma duração sempre inferior a cinco dias e 14 votações.

Votação
Pela segunda vez na história da Igreja está prevista apenas uma modalidade de votação, ‘per scrutinio’, abolindo modos de eleição anteriormente existentes (por inspiração e por compromisso).
Para a eleição é requerida uma maioria de dois terços (neste caso, 78 votos). No primeiro dia haverá apenas uma votação e, se o Papa não for eleito, terão lugar nos dias subsequentes duas eleições de manhã e outra duas de tarde.
Se após três dias não houver consenso, há um dia de interrupção para oração, colóquio entre os eleitores e reflexão espiritual. Prossegue-se, depois, para outros sete escrutínios antes de outra pausa e assim sucessivamente.
Se as votações não tiverem êxito, após um período máximo de 9 dias de escrutínios e “pausas de oração e livre colóquio”, os cardeais eleitores serão convidados pelo camerlengo a darem a sua opinião sobre o modo de proceder.
O documento de João Paulo II abria a hipótese de a eleição ser feita “com a maioria absoluta dos sufrágios”, situação que foi revogada por Bento XVI em 2007, mantendo-se a opção de se votarem “somente os dois nomes que, no escrutínio imediatamente anterior, obtiveram a maior parte dos votos”.

Voto
A votação acontece com o preenchimento de um boletim retangular, que apenas traz impressa a menção ‘Eligo in Summum Pontificem’ (elejo como Sumo Pontífice) na parte superior. Na metade inferior está o espaço para escrever o nome do eleito, pedindo-se que os cardeais disfarcem a sua caligrafia.
O boletim é dobrado em dois e é levado de forma visível ao altar, onde está colocada uma urna, onde os cardeais, por ordem de criação, pronunciam o juramento: “Invoco como testemunha Cristo Senhor, o qual me há de julgar, que o meu voto é dado àquele que, segundo Deus, julgo deve ser eleito”.
O juramento é feito apenas no primeiro escrutínio. O cardeal deposita o seu voto na urna, tapada pelo prato no qual o boletim tinha sido colocado.
Recolher e queimar
Os três escrutinadores sorteados no início do processo abrem cada um dos boletins, lendo o seu conteúdo em voz alta. Os votos são perfurados onde está escrita a palavra “eligo” e presos num fio.
No final da recontagem são ligados com um nó, colocados num recipiente e posteriormente queimadas. Se houver lugar a uma segunda votação, contudo, os votos dos dois escrutínios e “os escritos de qualquer espécie relacionados com o resultado de cada escrutínio” são queimados em conjunto.
Fumata
Se o fumo que sai da chaminé da Capela Sistina for negro, significa que não houve acordo entre os cardeais; se for branco, que foi escolhido o novo Papa. Em 2005, a a eleição do novo Papa de Bento XVI foi anunciada através do tradicional fumo branco, acompanhado alguns minutos depois pelo toque dos sinos, para evitar confusões quanto à cor do fumo.

Eleição
Uma vez ocorrida a eleição, resta ao novo eleito responder a duas questões:’Acceptasne eletionem de te canonice factam in Summum Pontificem?’ (aceitas a tua eleição, canonicamente feita, para Sumo Pontífice?) e  ‘Quo nomine vis vocari?’(Como queres ser chamado?), naquele que é o último ato formal do Conclave.
O mestre das cerimónias litúrgicas é chamado, desempenhando funções de notário, e redige um documento de aceitação. Dois cerimoniários entram e servem de testemunhas.
Após a escolha do nome, cardeais prestam homenagem um a um os e apresentam a sua obediência ao novo Papa. O anúncio é feito, em seguida, pelo cardeal protodiácono (D. Jean-Louis Tauran) aos fiéis: ‘ Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus papam’ (Anuncio-vos uma grande alegria: Temos Papa).
Mudança de nome
No início do Cristianismo o eleito usava o seu nome – Lino, Clemente, Telesfóro, Eleutério, Aniceto, conforme a procedência dos Papas. A partir de 532 a tradição de mudar o nome instalou-se: o eleito chamava-se Mercúrio, nome de uma divindade pagã, e adotou o nome de um dos apóstolos, passando a chamar-se João II.
Este uso consolidou-se e os Papas começaram a escolher nomes de Apóstolos, de mártires ou outros Papas, muitas vezes para invocar algumas das suas características. Nenhum, contudo, voltou a utilizar o nome de Pedro, o primeiro Papa, porque este não foi eleito por outros homens – em 983 o romano Pedro, eleito para o pontificado, mudou o nome para João e o mesmo aconteceu com o Papa português, João XXI, falecido em 1277.
O nome mais escolhidos pelos Papas é João (23 vezes), seguido por Gregório e Bento (16), Clemente (14), Leão e Inocêncio (13) e Pio (12).

Fim do Conclave
O Conclave termina oficialmente com o assentimento dado pelo Papa eleito à sua eleição.

Curiosidades
Até à eleição de João XXIII (1958) os votos dos cardeais eram queimados após cada votação. Quando misturados com a palha húmida, o fumo da chaminé da Capela Sistina indicava ao povo da Praça de São Pedro que o Papa ainda não estava eleito. Era o fumo branco que indicava o fim do Conclave e a eleição do Papa. Hoje em dia este processo faz-se pela adição de produtos químicos aos papéis da votação.
O período mais longo sem um Papa foi de três anos, sete meses e um dia (de 26 de outubro de 304 a 27 de maio de 308), entre Marcelino II e Marcelo I.
É histórico o Conclave no Palácio dos Papas em Viterbo, após a morte do Papa Clemente IV. Foi o Conclave mais longo da história da Igreja e teve a duração de 33 meses, de 29 de novembro de 1268 a 1 de setembro de 1271, porque os cardeais não chegavam a um acordo para eleger o novo Papa.
O Governador da cidade, encarregado de alimentar os cardeais, decidiu, por conselho de São Boaventura, encerrar os cardeais no palácio. Fechou a porta da sala de reuniões, ficou com a chave, destelhou o local e cortou a remessa de mantimentos. Imediatamente chegaram a um consenso, elegendo o Papa Gregório X (1271-1276) que, para evitar a repetição do acontecimento, estabeleceu através do Concílio de Lyon (1274), normas que regulamentam, basicamente, os conclaves até hoje.
Os Papas seus sucessores acrescentaram algumas modificações a essa primeira regulamentação. Gregório XV, através das constituições de 1621 e 1622, e Pio XII, através da Constituição ‘Vacantis Apostolicae Sedis’ de 1945, tornaram mais precisas as leis do Conclave. Após as leis especiais da Constituição Apostólica de Paulo VI ‘Romano Pontifici Eligendo’ de 1 de outubro de 1975, a eleição do Papa é hoje regulada pela Constituição Apostólica ‘Universi Dominici Gregis’ de João Paulo II.

Agência Ecclesia

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