Por Lev Chaim, de Amsterdã*
Foi quando notei, entre os galhos das árvores peladas, a gigante, esplendorosa, redonda e brilhante lua cheia. Ela parecia ter vindo mais cedo, como se quisesse ofuscar os últimos resquícios do dia. “Oh, lua despudorada e apressada”, pensei comigo mesmo e curti aquele momentomágico. Já era primavera no calendário, mas o inverno relutava em ir embora.
Descobri que a campainha da porta havia tocado pelo latido forte do meu cão. Corri a abri-la. Era Robert, um amigo de Tilburg. “Os filhos haviam ido dormir na casa da avó”, disse ele. Para logo acrescentar que havia vindo apenas para um café e um bate-papo. Fomos direto à cozinha e eu lhe chamei a atenção: “Robert, olhe a lua cheia, que linda!”
Ele retesou-se todo e os seus olhos se encheram de lágrimas. Fiz o café em um silêncio, preocupado. Entreguei-lhe uma xícara e perguntei se o tomava preto ou com açúcar.“Preto”. “Como está”, perguntei baixinho. “Indo”, disse ele.
Há questão de um ano, a sua esposa sofreu um fatal acidente de bicicleta quando voltava para casa, após ter deixado os filhos na escola. Ela foi atropelada por um carro desgovernado. O motorista, de 82 anos, passou mal na direção e a atingiu em cheio por trás. Foi morte instantânea, não anunciada. Robert ficou viúvo, com dois filhos pequenos.
A lua cheia, exótica, deixou de ter importância e pensei comigo mesmo: “Todos sabem que um dia a morte virá, mas a da esposa do Robert, com apenas 43 anos, foi uma coisa um tanto quanto antecipada... Ou estou errado?”. Que tristeza!
O meu amigo precisava desabafar. Foi ai que ele me contou do amor da esposa pela lua, que ela chamava de o “perfeito talismã”,símbolo da união deles. Isto porqueo casal decidiu iniciar uma relação séria, que acabou em casamento, durante uma noite de lua cheia. “Não sabia disso”. Quantas coisas que você não sabe de seus melhores amigos?
Robert contou-me ainda que em quase todas as histórias, que a esposa narrava aos filhos, a lua estava metida no meio. “A lua era nossa”, sussurrou ele constrito. Que coincidência triste - a visita de Robert e a lua cheia. Enquanto ouvia tudo isto, já maldizia a “danada” da lua que, agora, mais prateada que nunca, espalhava o seu brilho por todo o quintal. Até as folhas secas ficavam brancas. “Vamos para a sala e esquecer a lua”, disse eu.
Ao notar meu nervosismo, Robert foi até gentil: “Não preste atenção à minha tristeza; são em momentos como este, longe das crianças, que filtro as minhas dores”. Ao vê-lo assim, tão dilacerado, mirei-o nos olhos e disse-lhe que contasse comigo para tudo. Neste exato momento, como se um raio nos tivesse atingido, choramos juntos.
Apesar de dominar a língua holandesa, algumas vezes, em momentos como esse, de tamanha emoção, você acaba não encontrando a palavra certa para dizer o que quer dizer. Só ai é que percebi que não havia mais barreiras entre Robert e eu. Falávamos de amigo para amigo, de coração para coração, olhos nos olhos.
Quando ele partiu,mais aliviado – assim me disse ele, dois pensamentos vieram-me à cabeça. O primeiro foi a frase do meu irmão, dita pelo telefone, quando citou o falecido educador Ivan Ilich, “de que tudo na vida é objeto educacional”. O segundo foi aquela música... sim... como se chamava mesmo?.. sim...“O luar da minha terra”! Ai, em silêncio, chorei mais ainda.
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras para o Dom Total.
Fonte: Dom Total
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