Cena do filme 'Amor Pleno'.
Por Alysson Oliveira
Se em seu premiado "A Árvore da Vida", o cineasta norte-americano Terrence Malick narrou o épico e foi buscar as origens da vida na Terra na era pré-histórica, até chegar aos dias de hoje, em "Amor Pleno", seu mais recente trabalho, ele opta pelo viés intimista sobre o amor incondicional e a perda, transitando entre o amor sacro e o profano.
O primeiro filme do diretor inteiramente situado na época contemporânea é uma meditação sobre as coisas em que é preciso acreditar cegamente, sem poder provar sua existência: Deus e o amor.
O que se passa na cabeça daqueles que amamos? Como ter certeza de que realmente somos amados? Deus existe, mesmo sem termos provas materiais de sua existência? Perguntas como essa rondam os personagens e desencadeiam suas crises existenciais.
No fundo, "Amor Pleno" é um melodrama, à maneira de Malick, ou seja, impalpável, fragmentado, poético. É um dos trabalhos do diretor que mais dividiu opiniões desde sua primeira exibição, no Festival de Veneza, em setembro de 2012. Para uns, mais um triunfo do cineasta, para outros, quando ele atingiu a autoparódia e não soube como recuar.
Em todo caso, há de se notar que, como em toda sua obra (apenas seis longas em 40 anos, sendo que três deles no século 21), o cineasta encontra uma sintonia rara entre forma e conteúdo. É, no fundo, um filme sobre a incomunicabilidade, e isso se materializa nas quatro línguas, mais linguagem de sinais, que são faladas ao longo da história.
Conhecemos Marina (Olga Kurylenko), uma expatriada ucraniana com sua pequena filha Tatiana (Tatiana Chiline), quando ela vive um momento em que está se apaixonando pelo norte-americano Neil (Ben Affleck), em Paris, quando tudo é novidade e as descobertas só ajudam a fortalecer a paixão que floresce. O filme também se apaixona, não apenas pelos personagens, mas pelos cenários, que transitam da França para Oklahoma (EUA).
Tudo pelas lentes de Emmanuel Lubezki, diretor de fotografia de filmes como "A Árvore da Vida" e "Filhos da Esperança", e é lindo e poético, a beleza num estado bruto, especialmente numa viagem ao Monte Saint-Michel, com sua abadia flutuando numa ilha no Rio Couesnon (noroeste da França).
Mas a beleza não está apenas no belo e no sublime, Malick a busca também nos subúrbios, onde casinhas iguais refletem não apenas o modo de vida de seus habitantes, mas o sinal de nosso tempo, da ruptura das identidades, da massificação de cada um.
E quando Marina e Tatiana seguem Neil para os Estados Unidos, ela busca refúgio e encanto na natureza para aplacar a sua melancolia, até seu visto expirar e colocar o namorado numa crise: deve ou não casar-se com ela?
A crise também abala a fé do padre Quintana (Javier Bardem), cheio de dúvidas sobre a existência de Deus. Quando a crise recai sobre Neil, ele reencontra uma namorada da juventude, Jane (Rachel McAdams), que de certa forma é o oposto de Marina, criando os contrastes loira/morena, zona de conforto/novidade.
Como de costume nos filmes do diretor, a trama é fragmentada e uma narração dos próprios personagens tende a substituir os diálogos, o que aqui é essencial, simbolizando a dificuldade comunicação de nossos tempos. Isso vem embalado pela música etérea, sublime, de Hanan Townshend. A natureza é outra constante nos filmes de Malick, e, aqui, está se degradando.
Ao investigar a vida íntima de seus personagens, a tensão criada por Malick é entre o interior e o exterior. Em outro tempo e lugar, os dilemas dessas pessoas seriam outros ou se dariam de outra forma. Marina, Neil, Quintana e Jane são frutos de nosso tempo de incertezas. E se, em certos momentos, o filme tem mais ambição do que consegue sustentar, é exatamente nessa fragilidade e falibilidade que reside parte de sua beleza.
Reuters
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