24/07/2013

Francisco, o bem amado

Projeto do papa é o mesmo de Tereza de Calcutá, Francisco de Assis e Hélder Câmara. Quem se dispõe a segui-lo?

Por Marco Lacerda*
Em sua primeira apresentação em Roma, nos anos 80, Madonna recebeu, pouco antes do show, uma visita inesperada no hotel em que se hospedava. Era um emissário do papa João Paulo II, com a missão de fazê-la saber que o Sumo Pontífice gostaria de conhecer essa cantora tão famosa que usa o nome da mãe de Jesus. Das alturas do seu ego transatlântico, Madonna respondeu: “Que maravilha! Avise Sua Santidade que o show começa à 21h, em ponto”. Claro que João Paulo não compareceu. Se o papa, na época, fosse Francisco, talvez tivesse ido e ocupado um discreto assento nas últimas filas do teatro.


Confira também o vídeo: Emoção é fé na abertura da JMJ

Em poucos meses de pontificado, o argentino Mario Bergoglio já deixou claro a que veio. Age como pároco de cidade do interior comprometido com a dessacralização do cargo papal, recusando os luxuosos apartamentos a que teria direito ou a passar férias no principesco Castel Gandolfo. Prefere manter-se fiel à simplicidade pregada no Evangelho. 

Põe de lado paramentos e ritos complicados, hospeda-se em hotéis, anda de metrô e faz as refeições junto com os demais nos refeitórios do Vaticano, bem distante dos esplendorosos salões da Santa Sé. Substituiu a cátedra dourada de Pedro por um assento de madeira, como convém ao discípulo de um carpinteiro. Usa os mesmos sapatos pretos velhos e mandou retirar os tapetes vermelhos do seu caminho para deixar claro que está no Vaticano, não em Hollywood.

Foi ele quem disse, durante uma missa na presença dos funcionários do banco do Vaticano, que São Pedro nunca teve conta bancária. E se desculpou por não comparecer a um concerto onde deveria sentar-se numa poltrona especial, longe de resto do público: "Não sou um príncipe da Renascença", lembrou aos seus anfitriões.

Que fique claro: por trás de tanto despojamento, existe critério e coerência. Suas atitudes, discursos e decisões sinalizam para a pobreza evangélica, o serviço ao próximo, sobretudo os mais pobres, as periferias abandonadas e humilhadas do planeta. Sua agenda é a mesma de Teresa de Calcutá, Francisco de Assis e Hélder Câmara. Quem, entre nós, estará disposto a despir-se e engajar-se nesse caminho de amor e fraternidade?

Francisco sabe bem o que o espera nesta Jornada Mundial da Juventude, além das retumbantes  demonstrações de afeto manifestadas pelos jovens na sua chegada ao Rio. Uma pesquisa do Ibope divulgada ontem mostra que o uso da pílula do dia seguinte, para evitar a gravidez, é aprovado por 82% dos católicos jovens. A criminalização do aborto é condenada por 62% dos fiéis entre 16 e 29 anos e a união entre pessoas do mesmo sexo é apoiada por 56% dos católicos com menos de 30 anos. 

O que dirá Francisco à juventude vinda de todas as partes, com a qual se encontra a partir de hoje? Logo saberemos. As respostas do papa certamente não contradirão um de seus sermões recentes: “A palavra é viva quando são as obras que falam. Cessem, portanto, os discursos e que falem as obras. Estamos saturados de palavras, mas vazios de obras”.

As palavras de Francisco, sempre proferidas com mansidão e ternura, são um soco no estômago de governantes e políticos de todo o mundo, especialmente os brasileiros, que se recusam teimosamente a responder aos clamores da juventude que, nas manifestações de rua pelo país, dão voz à esperança. 

O exemplo mais recente da cegueira dos poderosos brasileiros foi dado justamente na chegada do papa ao Rio. Enquanto o pontífice desfilava em carro aberto pelas ruas, exposto a tudo, alheio às ameaças de protestos, abraçando e sendo abraçado pelo povo, o governador do Estado, Sérgio Cabral, liberava suas tropas de choque para mais uma exibição de vandalismo, disparando armas letais contra manifestantes pacíficos e jornalistas no exercício de seu ofício. Se Francisco foi informado disso? Já saberemos.
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Dom Total
Dom Total

Nenhum comentário :

Postar um comentário