Em discurso duro, papa critica bispos e pede reforma da Igreja
Em encontro com o Celam, Francisco atacou o abuso de poder na Igreja, a mentalidade de 'príncipes' entre os cardeais, o carreirismo e a distância imposta pelos bispos aos fiéis
Papa com os bispos: Igreja 'atrasada' e com 'estruturas caducas'
Por Jamil Chade
"O que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos é justamente a missionariedade", declarou, lembrando que isso "exige gerar a consciência de uma Igreja que se organiza para servir a todos os batizados e homens de boa vontade". "O discipulado-missionário é o caminho que Deus quer para a Igreja ‘hoje’”.
A superação dessa crise, segundo o papa, exigirá bispos com novas atitudes. Para ele, são pessoas que devem "guiar", não comandar. "O perfil do bispo deve ser de pastores, próximos das pessoas, homens que amem a pobreza, quer a pobreza interior como liberdade diante do Senhor, quer a pobreza exterior como simplicidade e austeridade de vida.
Francisco alertou que não está criando nada novo ao pedir que os bispos se aproximem dos fiéis. Mas criticou abertamente a Igreja latino-americana. "Na América Latina e no Caribe, existem pastorais ‘distantes’, pastorais disciplinares que privilegiam os princípios, as condutas, os procedimentos organizacionais... obviamente sem proximidade, sem ternura, nem carinho. Há pastorais posicionadas com tal dose de distância que são incapazes de conseguir o encontro: encontro com Jesus Cristo, encontro com os irmãos", disse.
Um ataque ao abuso de poder na Igreja, à mentalidade de "príncipes" entre os cardeais, à inclusão de ideologias sociais no Evangelho - tanto marxista como liberal - e uma denúncia frontal contra o carreirismo e contra a distância imposta pelos bispos aos fiéis. Em um duro e longo discurso, considerado o principal de seu pontificado até agora, no encontro com o Comitê de Coordenação do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), o papa Francisco apelou por uma Igreja "atual" e apresentou um raio X dos problemas da Igreja que, segundo ele, estão impedindo seu crescimento e fazendo proliferar sua "imaturidade".
Sem meias-palavras, Francisco alerta: a Igreja está "atrasada" e mantém "estruturas caducas". Para ele, chegou o momento de a Igreja entender que precisa se modernizar e deixar de viver de tradições ou apenas de vender esperanças para o futuro. A ocasião escolhida para apresentar seu "programa de governo" para tentar reconstruir a Igreja foi a reunião que manteve com os cardeais latino-americanos, neste domingo (28), no Rio. "Toda a projeção utópica (para o futuro) ou restauracionista (para o passado) não é do espírito bom. Deus é real e se manifesta no ‘hoje’", declarou. "O ‘hoje’ é o que mais se parece com a eternidade; mais ainda: o ‘hoje’ é uma centelha de eternidade. No ‘hoje’, se joga a vida eterna", insistiu.
Francisco, porém, ao apresentar essa estratégia como forma de reconquistar fiéis e retomar a posição de influência da Igreja, alertou justamente para vícios e tentações que a instituição atravessa e que precisa abandonar para poder retomar sua credibilidade.
"A opção pela missionariedade do discípulo sofrerá tentações", alertou. "É importante saber por onde entra o espírito mau, para nos ajudar no discernimento. Não se trata de sair à caça de demônios, mas simplesmente de lucidez e prudência evangélicas", disse. Para ele, essas tentações ameaçam "deter e até fazer fracassar" a ação pastoral.
Uma delas seria a "ideologização da mensagem evangélica", numa primeira referência direta contra tendências que ganharam força na América Latina nos anos 70 e que foram combatidas pelo Vaticano com dureza. "Essa é uma tentação que se verificou na Igreja desde o início e, em alguns momentos, foi muito forte", disse. Para o papa, uma dessas ameaças de ideologização é o "reducionismo socializante". O argentino, porém, faz questão de atacar não apenas a Teologia da Libertação, mas também tendências liberais. "A tentação engloba os campos mais variados, desde o liberalismo de mercado até a categorização marxista", declarou.
O resultado disso tudo, segundo o papa, é uma Igreja com "falta de maturidade adulta e de liberdade cristã". "Ou essa Igreja não cresce ou se abriga sob coberturas de ideologizações", atacou.
Príncipes
"Homens que não tenham ´psicologia de príncipes´", disse, numa referência aos termos que são usados em Roma para descrever os cardeais. "Homens que não sejam ambiciosos e que sejam esposos de uma Igreja sem viver na expectativa de outra", insistiu.
O Estado de S. Paulo, 29-07-2013.
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