Para algumas pessoas é difícil opinar sobre o que é feio ou bonito porque elas precisam de uma referência externa para esta avaliação (Foto: Reprodução) |
Estive pensando hoje sobre as consequências que vivemos - todos nós - do valor que nossa sociedade confere à forma. Não se trata de desdenhar o valor da forma, que nos encanta na arte, que se oferece nas belezas naturais, que instiga e emerge renovada, que dá concretude à vida e nos permite inclusive ir além dela mesma pelos caminhos por onde nos leva a imaginação, a criação, o êxtase.
As formas belas, as feias, as úteis, as que de tão comuns, desaparecem, são parte do cotidiano. O problema é quando a busca pela forma perfeita torna-se uma obsessão; quando a beleza é definida de uma forma imposta pelo mercado; quando o que se quer não é a forma que encanta os nossos olhos, mas aquela que queremos que encante os olhos dos outros.
O que é belo para o outro? O que o encanta? É belo o carro do ano ou a roupa da marca da moda? É belo o corpo que se deforma buscando ter a forma que está impressa nas páginas das revistas? Qual é mesmo a necessidade que faz com que tanta gente se dedique, empenhando tempo, dinheiro e saúde, a buscar a forma estabelecida como “desejável”? Não, não é a forma que buscam, mas o apreço. Pagam o preço que acreditaram ser necessário para o merecimento do olhar amoroso do outro. Essa é a mentira vendida pelos anúncios publicitários: que o amor virá em resposta à forma perfeita, e que esta é bela.
Para algumas pessoas é difícil opinar sobre o que é feio ou bonito porque elas precisam de uma referência externa para esta avaliação. Não se permitem encontrar a beleza onde ela realmente está. Quando nos vemos diante do belo, sabemos que é belo, não exatamente pelas características observáveis do objeto ou da pessoa, mas pelo sentido que aquilo, de repente, parece ter para nós. A beleza da forma pode evocar sensações, desejos, reflexões que vão além do que os nossos sentidos podem capturar. A beleza em si não é forma, é conteúdo.
Caminhe por um jardim florido e talvez encontre a beleza por lá. Digo talvez porque só a encontrará se estiver pronto para apreciar não a simetria, mas a sinuosidade; não o previsível, mas o inusitado; não a semelhança, mas a diferença.
A busca por se apresentar ao mundo dentro do modelo da forma imposto pelo mercado não pode nos oferecer mais do que a satisfação momentânea de sermos reconhecidos no esforço para atingir aquele padrão. Não pode nos presentear com os sentimentos e sensações que emergem dentro de nós quando estamos diante da verdadeira beleza.
Hoje andava distraidamente pela rua quando vi a copa de uma árvore dançando no embalo do vento fresco da manhã. Os carros, o barulho do trânsito, o relógio, não me impediram de experimentar o sopro do vento dançando também dentro de mim. Não sei se era bela a árvore em sua forma, mas sua presença gerou a beleza dentro de mim.
Acredito ser esta uma busca que vale a pena: a de estarmos prontos para experimentar o sopro da beleza no inesperado, no diferente, no que não está pronto, mas em processo; no sentido das coisas e não na sua forma. E o sentido não está nas coisas, mas no nosso olhar. A vida é mais viva se estamos prontos para nos surpreender em vez de andar na trilha do esperado. Estamos mais vivos quando a forma é apenas um meio para alcançarmos aquilo que realmente nos faz diferentes uns dos outros: o nosso conteúdo.
Vânia de Morais Psicóloga, doutoranda em Linguística (PUC Minas, bolsista pela Fapemig), mestre em Ciências da Saúde (UFMG), pesquisadora em cognição e linguagem. Concentra seus estudos nas questões relativas à linguagem em psicoterapia. Professora em cursos de capacitação de psicoterapeutas e de Especialização em Terapias cognitivas da UFMG.
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