21/08/2013

Notícia boa e notícia ruim


Também será preciso mudar a mentalidade daqueles professores e direções que estão empurrando a atividade escolar com a barriga
Como na brincadeira, começamos com a notícia boa: o prefeito da cidade de São Paulo, o ex-ministro de Educação Haddad, está pondo fim a uma experiência de 21 anos, o anterior plano de ensino, profundamente desacreditada. Ele quer implantar, mesmo, em vez da ‘progressão’ quase automática, o progresso efetivo dos alunos mediante avaliações sérias e outras medidas (http://noticias.terra.com.br/educacao/sp-haddad-propoe-ensino-fundamental-com-3-ciclos-e-exigencia-maior,be60280cef180410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html ).  Esperemos que dê certo e que o exemplo encontre imitação.

Contudo, o novo plano não dará certo se não for dada maior atenção a fatores de ordem social (inclusive econômica) e cultural (considerando tradição, ambiente, contexto de vida), tanto dos alunos como dos professores e professoras. Não precisamos descrever as condições sociais e culturais dos alunos nas favelas (e conjuntos habitacionais). E os professores? Professor em contínua luta pela sobrevivência econômica ou psicológica, sofrendo até ameaça física, não está na melhor condição para assumir as exigências pedagógicas e didáticas. Também será preciso mudar a mentalidade daqueles professores e direções que estão empurrando a atividade escolar com a barriga, porque muitas vezes nem acreditam que seja preciso ou possível fazer um trabalho sério com o ‘material humano’ que recebem: crianças de favela, convivendo com ou envolvidas em comércio de drogas e prostituição. E há ainda os problemas em torno da inclusão, o tamanho exagerado das turmas etc. Há muito mais por fazer do que desenhar um novo plano de ensino. 

Um ponto que espero seja considerado nas reformas que o município de São Paulo pretende implantar é o pleno desenvolvimento humano dos alunos, proposto na Lei de Diretrizes de Base e na Constituição. A escola não serve apenas para dar qualificação professional ou –caso frequente em bairros populares– para tirar as crianças da rua. O ensino de conhecimentos gerais e de valores humanos deve ter presença explícita, ampla, bem programada e eficientemente articulada na Escola, se esta quer corresponder a sua vocação educativa. 

Ora, e esta é a notícia ruim, exatamente o contrário percebemos perto de nós. Com o pretexto de equilibrar as contas municipais, diversos municípios por aqui implantam reformas na contramão. As Secretarias da Educação aumentam o número de alunos por turma, e para dar mais horas às matérias consideradas importantes (sobretudo português e matemática) diminuem as que não consideram importantes: artes, ensino religioso e até educação física... Deste modo, professores destas áreas devem atender no seu turno uma dúzia de turmas, uma vez por semana durante cinquenta minutos (desconsiderando o tempo até a turma se acomodar), enquanto os professores nas áreas prioritárias dedicam o mesmo tempo a duas turmas só. Condições pedagógico-didáticas incomparáveis. Sem mencionar que exatamente as disciplinas de desenvolvimento humano geral são bem complexas e exigem grande personalização.

Seria preciso articular uma área pedagógica reconhecida e valorizada claramente como desenvolvimento humano integral, com duas dimensões: conhecimentos gerais e formação da personalidade. Os conhecimentos gerais deveriam abranger coisas como comportamento no trânsito, higiene, drogas, segurança, estruturas familiares, noções básicas de psicologia, afetividade e sexo (não basta estudar o sexo na biologia), e também o sentido da religião. A formação da personalidade deve orientar os alunos para a ética, a honestidade, a reflexão e o estudo, a responsabilidade, a sensibilidade artística e o sentido fundamental. Tal programa, sustentado pelo exercício de atitudes correspondentes, exigiria que as aulas fossem levadas a sério, com horário suficiente, disciplina exemplar e avaliação tão válida quanto a de português ou de matemática. E certamente seria preciso criar um curso específico para preparar profissionais para isso. 

Até agora, quando interpelados sobre este assunto, os mandarinos do ensino público respondem que essas coisas são ‘passadas transversalmente’, no conjunto do sistema. Será que eles mesmos acreditam isso? Exatamente o que deve estar presente de modo transversal no ensino e na educação como um todo necessita de momentos em que seja ensinado expressamente, para que não se dissolva no ar. E a língua pátria não é algo que deve atravessar o ensino todo? E contudo, precisa de um horário generoso para ser ensinada com eficácia. Além disso, o ensino da língua pátria seria muito mais eficaz ainda se em todas as disciplinas os alunos fossem incentivados ao uso correto da língua culta e pudessem contar com o exemplo dos professores! A transversalidade e o ensino explícito devem reforçar-se mutuamente.

Há ainda muita coisa por fazer...

Johan Konings Johan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colegio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara. 

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