24/08/2013

Olavo Bilac: singularidades de uma poética

O crítico e ensaísta Antonio Cândido definiu o parnasiano Olavo Bilac como um admirável poeta superficial

Olavo Bilac tornou-se o cinzelador dos sonetos talvez mais perfeitos da língua, na tradição de Bocage, com decassílabos rigorosos, imagens sóbrias, riqueza métrica, de suma elegância e sonoridade que conquistam o leitor sobretudo por aliarem-se a um sensualismo ardente, óbvia impregnação das teorias realistas em arte.

Olavo Bilac trata do amor a partir de dois ângulos distintos: um mais filosófico e sentencioso; o outro, mais descritivo e sensual. O primeiro caso ocorre nos trinta e cinco sonetos que compõem o livro Via láctea. Escritos em decassílabos, apresentam reflexões, lembranças, paixões concretas ou irrealizadas, cogitações sobre o caráter do afeto, etc., num conjunto de qualidade desigual, oscilando entre o gosto romântico e o gosto clássico, cujo lirismo e temática que lhe renderam imensa e imediata popularidade. Merecendo, por conta disso, destaque o soneto XIII: (Texto I)

Este soneto possui uma linguagem demarcada por certo coloquialismo e intimidade do eu lírico com seu interlocutor (por exemplo, em "tresloucado amigo"). Por conta dessa postura mais intimista e subjetiva, o escritor se afasta um pouco da objetividade típica do Parnasianismo.

É um soneto decassílabo. No poema, o eu lírico dialoga com um interlocutor - o que é demarcado pelo uso das aspas - que o interroga sobre sua capacidade de ouvir as estrelas, como já fica claro logo na abertura do soneto.

No segundo quarteto, o poeta compara a nebulosa a que pertence o nosso sistema ("Via-Láctea") à cobertura dos santos em procissão ("pélio"), como se o céu protegesse o poeta. Dessa forma, fica enfatizada a proximidade entre ele e as estrelas.

Os belos versos finais que arrematam de modo inesquecível o soneto trazem o segredo para ouvir as estrelas: simplesmente amar.

Satânia

Em "Sarças de fogo" permanece o lirismo, a que se acrescenta agora o sensualismo vazado num erotismo que oscila entre o explícito e o requintado; mas essa sensualidade não vulgariza o amor, que sempre aparece como sentimento nobre e transcendente. Destacando-se "Satânia". É um poema longo, o eu lírico contempla, assim, a anatomia feminina, a idealização da figura feminina de forma física. Poema constituído sem a estética Parnasiana, sem rima, sem estrofação fixa: (Texto II)

O eu lírico está distante do objeto descrito, o sol é o observador da cena. Em termos estruturais, este poema foge um pouco ao padrão parnasiano. Apesar de ser composto apenas por versos decassílabos, o que revela alguma preocupação formal, não há nele uma preocupação com a rima nem com o tamanho das estrofes.

Abyssus

Uma associação insólita entre beleza e traição é a base para a construção do poema "Abyssus", abismo, em latim. O soneto é todo elaborado a partir de uma comparação que, evocada no título, é apresentada na segunda estrofe. (Texto III)

A mulher, descrita no primeiro verso por meio de características aparentemente incompatíveis ("bela e traidora") e que promete o amor ao amante, é comparada ao abismo, que representa, alegoricamente, seu poder de destruição. O homem sem forças para evitar o envolvimento emocional, entrega-se e quando ele se percebe numa armadilha já se encontra totalmente destruído. O poema sugere que a mulher e abismo têm o mesmo poder: depois de seduzir os homens, que lutam para se libertar, arrastam todos para a destruição.

O fecho

A última estrofe, constituída essencialmente de verbos, apresenta a dramática luta metafórica do homem, vítima incauta da sedução feminina, contra a sua morte certeira. A partir do recurso da metáfora, o homem segue em direção à mulher, mas quando percebe estar se perdendo, tenta a todo custo escapar de seus encantos, até que não há mais jeito e acaba-se por se deixar levar pela paixão.

FIQUE POR DENTRO

Um breve retrato do artista e de sua obra

Integrante da famosa tríade parnasiana juntamente com Raimundo Correia e Alberto de Oliveira, Olavo Bilac construiu imensa popularidade por meio de sua poesia, pela qual, em vida, foi idolatrado no Brasil pelo público. Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac nasceu no Rio de Janeiro em 16 de Dezembro de 1865. Estudou medicina e direito, no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas não completou nenhum dos dois cursos. Dedicou-se então ao jornalismo e à literatura. Participação intensa na política e em campanhas cívicas de alcance nacional. Conferencista notável, tornou-se o poeta mais lido do país nas duas primeiras décadas do século XX, quando seus sonetos de "chave de ouro" eram decorados e declamados em toda parte, nos saraus e salões literários. Foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras (cadeira Nº15). Em 1907, foi eleito pela revista Fon-Fon o "príncipe dos poetas brasileiros" e suas principais obras são: "Poesia" (1888), "Ironia e Piedade" (1916) e "Tarde" (1919).

Trechos

TEXTO I

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo/ Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,/ Que, para ouvi-las, muita vez desperto/ E abro as janelas, pálido de espanto.../// E conversamos toda a noite, enquanto/ A via-láctea, como um pálio aberto,/ Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,/ Inda as procuro pelo céu deserto./// Direis agora:" Tresloucado amigo!/ Que conversas com elas? Que sentido/ Tem o que dizem, quando estão contigo?"/// E eu vos direi: "Amai para entendê-las!/ Pois só quem ama pode ter ouvido/ Capaz de ouvir e de entender estrelas".

TEXTO II

Nua, de pé, solto o cabelo às costas,/ Sorri. Na alcova perfumada e quente,/ Pela janela, como um rio enorme/ De áureas ondas tranquilas e impalpáveis,/ Profusamente a luz do meio-dia/ Entra e se espalha palpitante e viva./ Entra, parte-se em feixes rutilantes,/ A viva as cores das tapeçarias,/ Doura os espelhos e os cristais inflama./ Depois, tremendo, como a arfar, desliza/ Pelo chão, desenrola-se e, mais leve,/ Como uma vaga preciosa e lenta,/ Vem lhe beijar a pequenina ponta/ Do pequenino pé macio e branco./// Sobe... cinge-lhe a perna longamente;/ Sobe...- e que volta sensual descreve/ Para abranger todo o quadril!- prossegue,/ Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura, Morde-lhe os bicos túmidos dos seios,/ Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavo/ Da axila, acende-lhe o coral da boca,/ E antes de se ir perder na escura noite,/ Na densa noite dos cabelos negros,/ Para confusa, a palpitar, diante/ Da luz mais bela dos seus grandes olhos.

TEXTO III

Bela e traidora! Beijas e assassinas.../ Quem te vê não tem forças que te oponha/ Ama-te, e dorme no teu seio, e sonha,/ E, quando acorda, acorda feito em ruínas.../// Seduzes, e convidas, e fascinas,/ Como o abismo que, pérfido, a medonha/ Fauce apresenta flórida e risonha,/ Tapetada de rosas e boninas./// O viajor, vendo as flores, fatigado/ Foge o sol, e, deixando a estrada poenta,/ Avança incauto... Súbito, esbroado,/// Falta-lhe o solo aos seus pés: recua e corre,/ Vacila e grita, luta e se ensanguenta,/ E rola, e tomba, e se espedaça, e morre...

PHILLIPO JOSÉ FERNANDESCOLABORADOR*

*Do Curso de Letras da Uece

Diário do Nordeste

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