23/08/2013

Os últimos que serão os primeiros

Na viagem de Jesus a Jerusalém, um segundo discurso põe o acento na Igreja: após a missão dos discípulos, esta é a missão da comunidade.

'A existência humana já se encarrega de fornecer os caminhos'.

Por Marcel Domergue

A pergunta feita a Jesus, a respeito do número dos que serão salvos, se pequeno ou grande, permanece de diversas formas presente no espírito de muitos cristãos. Será que todo o mundo participará da vida eterna ou haverá excluídos? Não faz tanto tempo que, quanto a isto, os jansenistas deram provas de um pessimismo deprimente. O que Jesus responde? Antes de tudo, faz os interlocutores se voltarem para si mesmos: "Fazei todo esforço para entrar..." É que a pergunta foi mal formulada: quem o interrogou falou em "ser salvo ", como se a salvação caísse em cima de nós, por uma arbitrariedade divina.

A salvação consiste em compartilharmos a vida mesma de Deus, indestrutível. Ela nos é sempre oferecida, sendo necessário, contudo, que nos esforcemos para ganhá-la; depende, portanto, da nossa liberdade e, mais profundamente, da nossa fé no amor de Deus por nós. Depois de deixar isto claro, Jesus faz propostas difíceis de ouvir e compreender. Que a porta seja estreita ainda vai, falaremos disto depois; mas que a porta esteja antes aberta e que depois seja fechada, nos leva a interrogar sobre o tempo e o significado deste fechamento.

Como se dá que pessoas que não tenham se esforçado para entrar busquem fazê-lo de repente? Minha resposta é tímida e pouco tranqüilizadora: a porta se fecha quando a verdade da mensagem do Cristo nos é revelada plenamente, na hora do que chamamos de “a sua vinda na glória”. Então, a fé não será mais necessária nem possível, uma vez que o veremos sem contestação possível. Mas é a fé que salva, a fé na Palavra dada.

A porta estreita

Então, isto não é muito encorajador e irá exigir algumas correções. Enquanto esperamos, interroguemo-nos sobre a porta estreita. Esta porta significa, a meu ver, a Páscoa, que é a "passagem" do mundo para o Pai. "Do Senhor são as portas da morte" (Salmo 68,21). Estas “portas” são as portas de saída e não se pode impedir-nos de pensar no Êxodo. João 10 retoma estas imagens: nos versículos 2-4, apresenta Jesus como aquele que faz passar as ovelhas pela porta; no versículo 9, torna-se ele mesmo a porta e ninguém nem entra e nem sai sem passar por ele. Trata-se, pois, de fazer nosso o seu itinerário pascal que atravessa a morte para entrar na vida, sabendo bem que é por ele e nele que percorremos este caminho. Esta é a porta estreita.


O que é preciso fazer para seguir por ela? Nada; nada de particular, porque a existência humana mesma já se encarrega de nos fornecer os caminhos da cruz. Tudo que temos que fazer é percorrer estes caminhos na fé. E a fé nos diz que é por aí mesmo que podemos nos encontrar com o Cristo em sua travessia para a vida. Fazemos nossos, assim, os sentimentos e atitudes do Cristo, que dá a sua vida pelos seus irmãos: a fé pascal gera o amor. O percurso do Cristo, tal como descrito em Filipenses 2,5, torna-se o nosso próprio percurso: "Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus." Nós também, com ele, nos encontramos "na glória do Deus Pai".

A função da profecia

O mesmo Jesus que segundo Lucas em geral é tão benevolente, fala, no entanto, de "muitos" candidatos a entrar, mas que, finalmente, são rejeitados. A versão de Mateus (7,13-14) é muito mais radical: aos "muitos", ele opõe os "poucos" que encontram a porta. Jesus responde, então, finalmente, à pergunta que lhe foi posta sobre o número dos eleitos e estamos longe das perspectivas tranqüilizantes de Apocalipse 7. Antes de ceder ao desencorajamento, devemos notar que as "previsões" de Jesus podem ser consideradas como profecias; elas têm este estilo. Ora, como observou o Os últimos que serão os primeiros, profecias "catastróficas" são feitas para que o que anunciam não se produza.

Exemplo típico é o de Jonas, que percorria Nínive proclamando: "Ainda 40 dias e Nínive será destruída." Então, os habitantes da cidade se converteram e o desastre não aconteceu (Jonas 3,3-10). Podemos aplicar este esquema ao nosso evangelho: estamos a caminho de Jerusalém, onde Jesus será crucificado: Ele sabe que a cruz será o caminho da vida. Suas palavras têm por finalidade advertir os seus discípulos a não perderem a porta. Nenhum título, nem mesmo a familiaridade com Jesus (v. 26) nem uma "vida espiritual fervorosa" poderão servir como direito de entrada. Os discípulos, no entanto, ao fugirem, perderam completamente a porta de entrada. A maravilha é que o amor de Deus por eles não se resfriou por causa disto e, assim, puderam retomar o seguimento de Jesus.
Croire, 25-08-2013.

Nenhum comentário :

Postar um comentário