Reportagens do melhor jornalista do século 20 reunidas em livro por grandes jornalistas
Gabo: uma grande reportagem pode ser grande literatura (Foto: Arquivo) |
Por Marco Lacerda*
Quando Octavio Paz morreu, em 1998, vários jornais deram destaque a um breve parágrafo de Gabriel García Márquez sobre o poeta mexicano. “Foi o que de melhor li na imprensa, uma mensagem completa e comovente”, disse a Gabo a repórter mexicana Alma Guilhermoprieto sobre aquelas 104 palavras. Gabriel respondeu: “Que bom que você gostou, demorei quatro dias para escrever essas linhas.“
Para os leitores desses tempos – entre os quais me incluo – acostumados à rapidez insana das redes sociais e incapazes de escrever corretamente no próprio idioma, a declaração de Gabriel com certeza deve ter parecido estranha. Alma, porém, foi rápida em acrescentar: “Que ninguém dê importância ao fato de García Márquez ter precisado de quatro dias para escrever aquele parágrafo. O importante não é apenas o número de palavras, mas o que elas dizem.”
Esta história faz parte do livro “Gabo periodista” (Gabo, o jornalista), ainda inédito no Brasil, editado apenas na Colômbia e no México, mesmo já sendo público por aqui que o Prêmio Nobel de Literatura perdeu a memória e jamais voltará a escrever. O livro tem grande valor pedagógico, pois, além de reunir reportagens magníficas, colunas e crônicas do escritor, inclui reflexões estupendas sobre sua obra jornalística - obrigatórias na cabeceira de qualquer profissional do ramo. Gabo mostrou em seu ofício que uma grande reportagem também pode ser grande literatura.
O jornalismo foi o balão de ensaio no qual Márquez começou a destilar algumas de suas obsessões temáticas. Por exemplo, a maravilha da realidade, a solidão do poder, a nostalgia, as guerras civis, os enigmas do destino.
Seus romances e reportagens têm muito em comum. O escritor, obviamente, contribuiu com o jornalista, tanto em sua estética formal como nos enfoques e na estrutura narrativas de sua escrita. Ensinou-lhe a usar a sentença reveladora e contundente e as hipérboles extraordinárias; ensinou-lhe a dosar o peso dramático para que as narrativas se tornassem mais eficazes e ajudou-o a descobrir o valor da atemporalidade e da universalidade – duas da principais virtudes de sua obra. Ensinou-lhe a enaltecer o simples e a tornar cotidiano o grandioso.
Considerado por muitos o maior jornalista do século 20, García Márquez aprendeu cedo que os dados básicos nem sempre contam a verdade: é necessário recriar a atmosfera, explorar a psiquê dos personagens, buscar o detalhe assombroso, enfim, ir além do evidente.
Muitos jornalistas convencionais reduzem as calamidades ao número de vítimas e ao levantamento dos danos materiais. O jornalismo de Gabo inclui os presságios das pessoas, suas paixões, a interferência do acaso, a influência do entorno. Sempre adiantando-se no futuro sem esquecer o passado, sua obra grandiosa – no jornalismo e na literatura – mais que narrar-nos um fato, mostra um universo amplo, onde cada ser tem importância peculiar e através de suas relações com o resto do conjunto.
"Carta de despedida" - Gabriel García Márquez. Veja o vídeo:
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do DomTotal
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