É com essa motivação social que os movimentos de capoeiristas de Fortaleza se organizaram na Rede de Desenvolvimento Sustentável da Capoeira do Ceará. E uma das ações da Rede é a campanha “Capoeira pela Paz”, que vai discutir as possíveis contribuições que a capoeira e outras manifestações culturais podem oferecer para a diminuição da criminalidade, em evento que deve contar com cerca de mil capoeiristas no próximo domingo, 17, às 16h, no aterro da Praia de Iracema.
“Queremos fazer um apelo para viver em mundo melhor. Essa consciência tem que ser trabalhada para a gente multiplicar isso. É uma grande ação”, afirma Mestra Carla, membro da Comissão Organizadora da Rede. Ela ressalta que a capoeira traz elementos para trabalhar em coletivo e de transformação. Diante disso, a mestra explica que a Rede decidiu fazer um chamado pela paz. “Vamos abordar essa temática para provocar uma reflexão. Os valores humanos estão se perdendo. A gente tem que mostrar que devemos buscar melhorias para nossa vida, estimulando a cultura de paz”.
Em nome da paz
Com vivência em comunidades carentes, Mestra Carla traça um triste panorama. Para ela, as pessoas estão naturalizando a violência e tratando como excepcional gestos de generosidade. Em sua análise, a sociedade tem que trabalhar para trocar essa realidade. “Trabalhamos em comunidades carentes, encontramos a violência no cotidiano dessas pessoas. Se não tivermos cuidado, vamos começar a achar que esse quadro é natural, mas não é. A gente se assusta com a gentileza, é pra gente se assustar com a violência”, aponta.
Diante dos desabafos dos mestres que trabalham nas comunidades marcadas pela pobreza e violência, a A Associação Zumbi de Capoiera - AZC Mestre Lula, integrante da REDE, realizou um curso de formação em Cultura de Paz voltado para seus instrutores, professores, contramestres e mestres. As oficinas de formação foram ministradas por Mestra Vanda, aluna do curso de doutorado em Educação Brasileira, vinculado a Pós-Graduação da FACED – Faculdade de Educação da UFC – Universidade Federal do Ceará, como parte de seu projeto de pesquisa, que visa, através da proposta de se “ensinar capoeira educando para a paz”, a multiplicação de iniciativas e manifestações a favor da paz, diante de um contexto atual em que se expressam inúmeras formas de violência.
“A Rede abraçou essa proposta por uma necessidade. Dentro da cultura de paz temos que ter a preocupação em conter a violência. Tem mestres que chegam ao seu lugar de trabalho e recebem a notícia de mortes de alunos ou de pais de alunos, vítimas de algum tipo de violência. Isso não pode continuar com a compreensão de que é normal”, alerta Carla.
Consciência Negra
No próximo domingo também será comemorado o mês da consciência negra e a Semana Municipal da Capoeira. “A capoeira é um instrumento de cultura, esporte, de educação e também de disciplina. É uma importante ferramenta de socialização, bem como de formação de bons cidadãos. Todos devem apoiar iniciativas como essas”, diz o vereador do PCdoB, Evaldo Lima.
Mestra Carla destaca que a Capoeira tem uma identidade forte com a raça. “A nossa identidade, a nossa cultura vem dessa raiz, dos negros que vieram para cá. Eles não eram escravos em suas terras, eram reis, rainhas, pessoas inteligente, mas que foram escravizados aqui. A capoeira nasceu dessa opressão vivida aqui. Eles passaram a misturar suas culturas, seus elementos, seus ritmos e assim apareceu a capoeira, que a princípios surgiu mais lúdica, cantada e depois se tornou essa grande expressão cultural. Não se pode comemorar a semana da capoeira sem refletir essa questão”, explica.
Ela conta ainda que diversos mestres brasileiros ensinam capoeira na África. “Lá tem outras danças, lutas, muito semelhantes como a nossas, mas não tem a capoeira como conhecemos aqui. E é isso que nossos mestres levam para eles. Mostramos como os elementos culturais deles foram misturados aqui. Os negros que chegaram aqui foram se misturando com os novos e formando a capoeira como a conhecemos hoje”, comenta.
Segundo Mestra Carla, ao longo dos anos a arte passou por diversas transformações. A evolução foi crescente, mas sem perder elementos de sua originalidade. A preservação histórica, diz Carla, é resultado da luta travada pelos velhos mestres que protegeram os elementos culturais. “Se hoje temos destaque é porque outros mestres lutaram. Temos que ter respeito por pessoas que construíram isso. Temos que reconhecer e manter essa história. Nessa evolução não podemos perder a fundamentação e o respeito pelos velhos mestres”, defende Carla.
Sobre a Rede
A Rede de Desenvolvimento Econômico da Capoeira Cearense é uma iniciativa coletiva que surgiu para discutir e promover ações de sustentabilidade econômica da capoeira em Fortaleza. Sempre em diálogo com grupos e capoeiristas da cidade, do país e países do exterior, a organização da rede promove conversas sobre processos produtivos, financiamentos e construção de mercados e bens de serviços, produtos para empreendimentos e ações concretas incidentes sobre as cadeias produtivas contempladas pelo protagonismo da capoeira cearense.
A Comissão Organizadora da Rede é formada por Mestre Ratto, Mestra Carla, Mestre Aramola, Mestre Piolho, Mestre Auricelio, Mestre Marrudo e Mestre Envergado. Segundo a Comissão, algumas das importantes consequências dessas ações são promover a revitalização de espaços públicos, a conscientização das comunidades e a recuperação de pessoas que se enquadrem na perspectiva de prática da violência.
Serviço:
Capoeira pela Paz
Data: 17 de novembro.
Horário: 16h
Local: Aterro da Praia de Iracema
Mais informações: Mestra Carla (85) 8821.1477
Boa Notícia
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