07/03/2014

O Grande Entretenimento

O foco da Civilização Ocidental está agora no próximo espetáculo de manipulação de massa: a Copa.
Por Max Velati*

O Império Romano – na sua caricatura mais popular – é o Paraíso dos Governantes Loucos, o Império das Orgias e sobretudo, a prova histórica de que é possível controlar o povo com uma dieta ardilosamente preparada para satisfazer os apetites mais básicos. 

É óbvio que o Império Romano foi muito mais do que isso, mas Juvenal (poeta do século I ou II) nos dá uma pista de que houve fogo produzindo esta fumaça, pois escreveu nas suas Sátiras que “O povo romano, a quem eram atribuídas operações militares, outras formas de poder, legiões, enfim, tudo, agora se põe em cheque e anseia por apenas duas coisas: pão e circo”. 

O Circo Máximo era a maior arena de Roma para as corridas e a capacidade estimada era de 150 mil espectadores, mas chegou a ter 250 mil. O Coliseu, mais modesto, oferecia para espetáculos de luta algo perto de 50 mil lugares. Considerando os séculos que nos separam, estes números ainda são impressionantes.

Se o Império Romano nos deu elementos para um retrato caricato, mas com traços de verdade, podemos dizer que a sociedade atual oferece ao futuro pesquisador os mesmos elementos, as mesmas provas arqueológicas de que certos países hoje são o Paraíso de Governantes Loucos, há sob os satélites modernos orgias que fariam Nero baixar os olhos de vergonha e ainda é possível controlar o populacho com a mesma dieta eficiente de pão e circo. Sem pão não há pagador de impostos e o circo é entretenimento, mas há algo além da diversão. Penso que é muito proveitoso saber que o termo “entretenimento” veio do latim inter-tenere com o sentido de “segurar junto, manter unido” e não necessariamente alegrar e divertir.

O Carnaval acabou. O Oscar já foi distribuído. Seguimos então rumo ao próximo grande espetáculo, um dos maiores entretenimentos criados pela nossa Civilização. E esse é precisamente o ponto: a nossa Civilização. As coisas não estão nada bem em lugar nenhum. Mais do que isso: as coisas que não estão bem em lugar nenhum estão oferecendo sinais claros de que ainda vão piorar. Está na mídia nacional e internacional em textos claros e fotos coloridas, mas isso não está em destaque. O foco da Civilização Ocidental está agora no próximo Grande Entretenimento: a Copa.

Enquanto escrevo esta coluna, vejo nos jornais de hoje que o Congresso tem o pior índice de produção dos últimos dez anos, uma criança foi atingida na cabeça por uma bala perdida, 16 veículos foram incendiados em três dias no interior de São Paulo, planos ousados de resgate de criminosos estão em andamento e Itamonte ainda está traumatizada com o sucesso da operação policial que impediu o megassalto aos caixas eletrônicos. Sim, está tudo na mídia, eu sei, mas tudo isso com muito menos destaque do que a Copa, esta sim, a Grande Notícia, o Grande Entretenimento da vez. O importante agora é o desenho do próximo uniforme da seleção de tal país, a escalação duvidosa de tal jogador, a opinião dos técnicos ou a posição do Governo, dos dirigentes e das empresas sobre o Grande Dinheiro a ser gasto e certamente arrecadado com Grande Entretenimento. Importante também, mas bem menos importante, é a mobilização para impedir a realização do Grande Entretenimento.

As manifestações contra o Grande Entretenimento tiveram quilômetros de largura e nenhuma profundidade. Os gritos e os cartazes pediam uma Educação melhor. A Educação precisa mesmo melhorar para que os estudantes saibam ao menos do que é feita uma boa Educação. Não basta gritar palavras de ordem, cobrir o rosto e pintar cartazes. Certamente não adianta destruir o patrimônio. É preciso estudar para saber o que falta de concreto na Educação e na Saúde e só então fazer exigências pontuais e específicas. Ao contrário dos remédios, um protesto genérico não tem princípio ativo e não age contra a doença.

A verdade é que as manifestações transformaram-se, elas próprias, em um Grande Entretenimento, um evento em grande escala, um circo monumental exatamente como recomenda a nossa dieta.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é chargista de Economia da Folha de São Paulo.
Dom Total

Nenhum comentário :

Postar um comentário