02/07/2014

Patrão e empregado

  domtotal.com

Existe ainda uma perceptível diferença de tratamento entre as pessoas, muitas vezes de tom derrogatório.

Por Alexandre Kawakami*

Outro dia um amigo que foi almoçar em casa fez um comentário interessante. Ele estava impressionado com o fato de que, em minha casa, as pessoas que lá trabalham todas comem juntas à mesa. Empregada, pedreiro, secretária, chefe, adestrador de cães, não importa: na hora do almoço, a mesa é a mesma.

Meu amigo me dizia: mas Alexandre, isso não é um pouco estranho? Sabe como é, comer na companhia do staff?

Várias foram as vezes em que já percebi um esforço bastante relevante de certas pessoas, em nosso país, de tentar se distinguir das outras. Pergunto-me de suas origens, especulando sobre a tradicional casa brasileira. Gostaria de saber se existe algum estudo em Psicologia ou Sociologia nacionais sobre os desenvolvimentos daquele momento decisivo e traumático da educação de um jovem brasileiro de minha geração para trás: o momento em que ele percebe que sua babá não só não é um membro da família, mas nada mais é que uma “mera” empregada. Será na hora em que se despede? Será no momento em que a mãe se sente enciumada pela babá conhecer o rebento melhor do que ela? Não sei.

O que sei é que foram várias as vezes em que percebi brasileiros fazendo o esforço consciente de separar os espaços entre “os que servem” e “os que são servidos”. Além de estruturas arquitetônicas famosas tais como o “elevador de serviço”, o “quarto de empregada”, estruturas hoje de valor quase arqueológico e cada vez mais raras, existe ainda uma perceptível diferença de tratamento entre as pessoas, muitas vezes de tom derrogatório. É a ansiedade de ter-se um empregado sentado à mesa.

No Japão, um país bastante racista, onde a divisão de classes é quase inerente ao DNA da população, não foi isso o que encontrei. Ao contrário, o entendimento prevalente é que as pessoas que trabalham num mesmo ambiente ou casa estão disponibilizando-se a fazê-lo. Esta disponibilidade deve ser agradecida, uma vez que, sem esta ajuda, a casa ou empresa não cresceriam ou sequer se manteriam. Assim, é comum ver-se todos reunidos, comendo em conjunto. Quando se menciona as pessoas que trabalham em uma empresa, faz-se em tom de gratidão. A não ser que estes trabalhadores sejam estrangeiros. Aí, é meio nojentinho...

Pois um outro amigo presente à mesa, japonês, ao ouvir o comentário do meu amigo prévio, definiu bem esta relação. “Antigamente as pessoas eram consideradas pelo que eram. E o que eram refletia-se no lugar onde ficavam, o que comiam, as palavras que lhes eram dirigidas. Hoje, vivemos numa sociedade de profissionais. Definimos que somos todos humanos. E o que se considera não é a classificação da pessoa, mas do trabalho que ela faz e do valor que agrega.”

Com o aumento dos custos trabalhistas e previdenciários e nossa cultura de trabalho se tornando cada dia mais contenciosa, ao mesmo tempo em que nossos apartamentos vão ficando menores e a tecnologia desenvolve formas mais baratas e higiênicas de cozinharmos, lavarmos a roupa, cuidarmos da casa, a figura do “empregado” vai desaparecendo. Seguimos no mesmo caminho do Japão e outros países mais desenvolvidos onde esta figura já desapareceu por completo.

A nós, só restará a afetação dos que se pensam distintos, por criação.
Redação Dom Total
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

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