José Evangelista
angel888@terra.com
Supostamente, a seleção natural deveria promover a sobrevivência de
machos fortes e saudáveis e fêmeas atraentes e férteis. Depois de um
número finito de gerações, todos seriam belos. No entanto, basta olhar
ao redor, ou, talvez, no espelho, para constatar que a coisa não é bem
assim.
Pois bem, antes de contar o que a ciência tem a dizer acerca desse aparente paradoxo, repasso a opinião de um amigo meu
sobre as diferenças dos comportamentos entre os sexos. Nada de pesquisa
comprovada, só um palpite jocoso. Diz ele: “Noite de sexta, o homem se
prepara para caçar mulher. Põe desodorante, bochecha desinfetante
bucal, veste roupa nos trinques e sai para a balada. Chance de sucesso:
uns 2%, se muito. Já a mulher, se está mesmo a fim, não precisa de
nada disso para se dar bem”.
As leitoras talvez discordem dessa conjectura, mas, como veremos a seguir, ela tem alguma base nas observações da ciência.
Segundo
a bióloga evolucionista Katharina Foerster, da Universidade de
Edimburgo, que observou o comportamento de cervos selvagens, machos
precisam competir durante quase a vida toda, para ganhar fêmeas e não
investem nada na manutenção dos filhotes. Já as fêmeas só precisam se
preocupar com sexo durante o tempo fértil, pois logo que tiverem
cumprido seu dever evolutivo podem se dedicar em tempo integral aos
cuidados da prole. É evidente que há uma assimetria entre os interesses e
prioridades de machos e fêmeas. As pressões seletivas são divergentes e
genes envolvidos na reprodução podem ter efeitos diferentes para cada
sexo.
A bióloga estudou e acompanhou mais de oito gerações
de cervos na Escócia, durante cerca de 30 anos, observando
comportamentos e fazendo análises genéticas. O que viu foi um padrão
inesperado: machos mais prolíficos tinham filhas que produziam um número
de descendentes abaixo da média. Machos menos dotados (os “feios”,
digamos) tinham filhas que geravam o número maior que a média de
filhotes.
A explicação para esse fato, segundo a cientista,
pode estar nos genes envolvidos na reprodução. Em sexos opostos, esses
genes poderiam trabalhar uns contra os outros, no que se chama de
“antagonismo sexual”. Isto é, o mesmo gene que leva a um macho
sexualmente bem sucedido pode acabar produzindo fêmeas menos férteis.
Um
gene cujo efeito é diminuir a fertilidade das fêmeas, em princípio,
deveria ser eliminado pela seleção natural, pois o número de portadoras
desse gene tenderia, obviamente, a diminuir a cada geração. Entretanto,
esse mesmo gene pode ser benéfico de algum modo aos machos,
aumentando, por exemplo, seu desempenho sexual. É aí que reside o tal
antagonismo. Mesmo sendo prejudicial à fertilidade das fêmeas, o gene
não é eliminado porque beneficia os machos, de alguma forma.
Além
disso, esse gene antagonista tem que residir em um cromossomo X. Como é
sabido, fêmeas possuem dois cromossomos X e machos possuem um
cromossomo X e outro Y. Se o gene antagonista estivesse no cromossoma Y
não poderia influenciar as características de fertilidade das fêmeas,
como foi observado pela bióloga.
Qual seria a utilidade
evolucionária desse curioso antagonismo? A cientista acha que pode ser
uma estratégia da seleção natural para manter ou ampliar a diversidade
genética. Em termos mais mundanos, todo mundo ser bonito e bem dotado
pode não ser vantajoso para a espécie. Isso parece ser verdade para os
cervos escoceses, mas ainda não se sabe se vale para os humanos.
As pressões seletivas são divergentes e genes envolvidos na reprodução podem ter efeitos diferentes para cada sexo
As pressões seletivas são divergentes e genes envolvidos na reprodução podem ter efeitos diferentes para cada sexo
Em defesa dos feios
Hoje
em dia, as chamadas “minorias” são protegidas por leis e cotas de
vários tipos. Entretanto, existe uma parcela de gente que, aliás, nem é
minoria, mas que é completamente desamparada e não goza de nenhum
privilégio, por menor que seja. São os feios.
Os feios não
aparecem nas novelas nem nas propagandas e costumam ser preteridos nas
entrevistas para emprego. E essa lamentável discriminação não parece que
vai desaparecer no futuro próximo. A julgar pelos adesivos dos
candidatos que nos assediam, todos têm belos dentes e nenhuma ruga. É
provável, portanto, que esse contingente de cidadãos continue sem
representantes.
Torna-se urgente que se tome alguma providência para corrigir essa flagrante injustiça. Proponho a criação de uma ONG dedicada a proteger os banguelas e os carecas, os tortos e os narigudos, os cambotas e os zambetas. Que se lance um grande movimento com direito a passeata e vandalismo, se necessário. Ugly is beautiful!
http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/08/02/noticiaaquitemciencia,3291072/por-que-nao-somos-todos-bonitos.shtml
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