Se antes se escolhia o candidato pelo que apresentava, hoje são eleitos aqueles que podem pagar um Duda Mendonça.
Por Evaldo D´Assumpção*
Liberada a campanha eleitoral, parece-me mais que foi aberta a temporada de caça ao eleitor. Para todos os lados, na rua, no rádio, na televisão, aparecem caras e vozes cuidadosamente trabalhadas de candidatos aos diferentes cargos. Mais do que isso, mensagens primorosamente elaboradas por profissionais de publicidade, os conhecidos marqueteiros, capazes de convencer até granjeiros a comprar ovos podres, açougueiros a comprar verduras e esquimós dos Polos a comprar ar condicionado e geladeira.
Lembro-me das antigas campanhas eleitorais, onde os candidatos saiam às ruas enfrentando os abraços ou as chacotas dos transeuntes, enquanto seus cabos eleitorais armavam mesinhas nos passeios, com montes de cédulas dos diversos candidatos do partido que defendiam, para distribui-las ao povo.
Mas, o ponto alto das campanhas, eram os comícios. Palanques armados em praça pública, recebiam pequenas e grandes multidões para ouvir – ao vivo – os candidatos, especialmente os mais importantes que eram os pretendentes à presidência da República, ao governo do Estado ou a prefeitura municipal. E junto deles estavam os candidatos a deputados, senadores e vereadores, quase sempre bons oradores que granjeavam os votos pela sua eloquência e qualidade de argumentação. Nada de artistas famosos e bem pagos dando shows para atrair e distrair os presentes. Os que melhor se expressavam, quase sempre eram ungidos pelos votos da maioria. Lembro-me de Carlos Lacerda, imbatível na retórica e nos argumentos apresentados, terrível nas respostas arrasadoras contra seus adversários. Juscelino Kubitscheck, esbanjando simpatia no meio do povo. José Maria de Alkmin, hábil esgrimista da palavra, nunca encurralado pelos seus contestadores. Poderia fazer uma lista quase interminável.
Hoje, tudo mudou. Com a magia da televisão, os truques do photoshop, os recursos de sonorização que ampliam vozes naturalmente inaudíveis, todos se escondem atrás da tecnologia para não aparecerem como realmente são. Ou com suas más intenções...
Contudo, pior, bem pior, são os profissionais de marketing incorporados à campanha eleitoral, inflacionando absurdamente os seus custos, transformando-a num verdadeiro mercado onde se pega o produto melhor camuflado e enfeitado. Hoje são eles que dizem aos candidatos o que falar, como falar, quando silenciar. São eles que escolhem as imagens a serem mostradas, as poses a serem tomadas, os recursos a serem utilizados nas entrevistas para não serem pegos em suas verdadeiras intenções.
Se antes se escolhia o candidato pelo que apresentava, sem artifícios e sem subterfúgios, hoje são eleitos aqueles que podem pagar um Duda Mendonça, um Nizan Guanaes, um João Santana, e outros mais, a peso de ouro. E serão estes que os transformarão de bruxa malvada em fada madrinha, de Quasimodo deformado em galã de novela. São estes que não deixarão os candidatos escorregarem nos debates – ainda que alguns sejam tão incompetentes que nem milagre ajuda... – são estes que de pusilânimes criarão super-heróis, salvadores da pátria. São eles que transformarão bandidos em xerifes, malfeitores em padrões de honestidade.
E seus trabalhos são tão bem feitos, que hoje já os exportamos, muitos deles elegendo ditadores de meia-tigela que infestam a América do Sul.
Não consigo entender como até hoje a Justiça Eleitoral não proibiu, de forma radical, a ação desses profissionais, que abandonando a venda de geladeiras, carros e apartamentos de luxo, que seria o seu mercado mais justo, descobriram o riquíssimo filão da política, onde milhões são gastos para que pessoas, muitas vezes impróprias para gerirem o país e os bens públicos, sejam alçadas artificialmente para esses cargos. Certamente aí está uma das razões da péssima qualidade do nosso governo, em seus diferentes níveis.
*Evaldo D´Assumpção é médico e escritor
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