08/04/2016

DANÇA, Ó TERRA!












Trate bem a terra. Ela não lhe foi dada pelos seus pais, ela foi-lhe emprestada pelos seus filhos – Aforismo africano


Por Isaack Mdindile

Na verdade, nós mesmos somos terra (Húmus). Viemos da mãe terra e a ela voltaremos. Assim, na língua Macua, de Moçambique, se fala do lugar sagrado “Namuli” – útero de Deus. É uma teologia de quintal, mastigada pelo povo no seu cotidiano. Como assinala Frei Betto que; “a vida brota de duas lavras: a da enxada e a das artes, bens materiais e simbólicos. A primeira dá sustento; a segunda, sentido”.


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De fato, a nossa origem interdependente confirma que somos “espírito e vontade, mas também natureza” (LS 6). Certamente, Gaia não é apenas o meio ambiente, mas a Terra. Precisamos resgatar essa liturgia cósmica aqui na savana, rumo à terra prometida. É interessante ver que os povos das selvas são nossos mestres quando a questão é o cuidado integral da terra. Isso é fascinante.

Por exemplo, os índios Kulina da Amazônia sempre dizem que tudo na terra tem durabilidade limitada. Jamais teríamos desejos infinitos na terra limitada! Eles entendem que vigiar, velar, sanear vem da mesma raiz de curar. Isso é ver o cosmos como epifania divina.


Na outra versão do mar, isso é para os bantus africanos, a terra não tem apenas sentido territorial, mas é lugar teológico, é divinizada, por isso tem conotação materna. E Deus é lunar (Muluku) e não solar. De fato, a palavra terra, traduzida nas línguas nativas, seria igual à palavra útero. A terra é morada dos espíritos, tanto humanos quanto não-humanos. É a casa dos nossos ancestrais e Jesus é esse proto-ancestral.


A Terra é uma rede das entidades vivas, que possuem um coração e que está nas mãos daqueles que falam com as vozes do chão. É um organismo que nasce, respira e vive de trocas com a vizinhança. Tanto a vida quanto a terra são inter-habitação, produções inacabadas num movimento pericorese.


A África não precisa apenas caminhar, necessita descobrir o seu próprio caminho, resgatando a sabedoria da sua religião, sua ontologia e suas cosmogonias diversas num tempo enevoado e num mundo sem rumo. Por isso, embora o continente africano seja gordo em terras há ainda muita gente sem-terra, sem-teto e sem-trabalho. Nenhum governo sequer pensa na reforma agrária e nem se preocupa com a erosão cultural.


Hoje, com predominância do mundo de superficialidade e artificialismo, perdemos até o cheiro da chuva, o perfume da terra molhada, o fascínio das estrelas da noite, o sabor da água, a voz dos pássaros recitando, e banho de sol, enquanto, o sentido da vida se encontra na gratuidade e simplicidade das coisas como ar, água, paisagem e no silêncio da voz.


Na religião afro não há o tão falado juízo final, nós prestamos conta em vida, nas várias formas de relações com os viventes. Tanto com a natureza, com os mortos, os que estão para nascer, os outros e o Outro. Por isso, as minhas preocupações são: não seria a hora do mundo ocidental se vestir de humildade (húmus) e deixar a arrogância de seu saber positivista, dualista, da busca de lucro fácil e imediato?


Não seria urgente educar o silêncio no meio de tantos barulhos, investir nas famílias que nos humanizam, de abraçar a diversidade que nos diviniza e cuidar da nossa pele, a ‘terra’ que nos veste?

Cabe a nós, Homo sapiens, que nascemos e aprendemos andar ainda na ‘Oldupai’ – Tanzânia, África, há cerca de 200 mil anos, a fazer a nossa escolha.

A nossa escolha é essa: ou formamos uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou então arriscamos a nossa própria destruição e a da diversidade da vida. Os cientistas que estudam a pegada ecológica da Terra chegaram a usar a expressão The Earth Overshoot Day, quer dizer, o Dia da Ultrapassagem da Terra. Exatamente, neste dia 23 de setembro, foi constatado que a Terra ultrapassou em 30% sua capacidade de reposição dos recursos que necessitamos para viver. Agora precisamos mais de uma Terra para podermos atender as demandas dos seres humanos e aqueles da comunidade de vida. Mas, até quando? (Leonardo Boff)


*Isaack Mdindile, imc, é seminarista em São Paulo, SP.



DANÇA, Ó TERRA!

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