11/04/2016

JESUS, A POESIA E O POETA DE DEUS

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Toda revelação de Beleza coloca o ser humano diante de Deus.

A Beleza é Deus, e todas as suas expressões nos lançam diante desse olhar absurdo e espantoso.

A Beleza é Deus, e todas as suas expressões nos lançam diante desse olhar absurdo e espantoso.


Por Felipe Magalhães Francisco*

O caminho da Beleza é aquele que percorremos sempre nos deparando com o real. Esse encontro é sempre de espanto: ou a arte nos encanta ou nos aterroriza, mas sempre comunica o real. Por isso, pensar a Beleza é pensar mais que a “boniteza”: a primeira corresponde a uma dimensão objetiva; a segunda, a uma dimensão subjetiva. Há Poesia também na feiura. Desde Platão, passando por vários autores, considera-se que a forma de toda arte é a Poesia e sua matéria, as muitas maneiras de expressão: música, pintura, literatura, etc. O que significa, então, Poesia? Mais que uma maneira de escrever em versos, rimas e métrica, a Poesia é o que desperta o olhar para a Beleza e, por isso mesmo, para o real. Poesia é sempre espanto revelador!


Pelo espanto da Poesia, a coisa passa a existir de uma maneira única diante de nós. É como no caso do homem que morava de frente para o mar. Um dia, recebeu um poema que falava sobre o mar. Ao fim da leitura, o homem foi à janela, contemplar aquele que esteve todos os dias diante de si, mas que só naquele momento passara a existir, tornara-se real, de fato, em seu sentimento. Para a teologia cristã, o real é Deus. Nesse sentido, toda revelação de Beleza coloca o ser humano diante de Deus mesmo. A Beleza é Deus, e todas as suas expressões nos lançam diante desse olhar absurdo e espantoso, que nos toma sem nos matar. Não é exagero dizer, em consequência disso, que toda Poesia tem uma origem religiosa, sendo ela confessional ou não. Concordam com isso tanto Adélia Prado, uma poeta cristã, bem como Ferreira Gullar, um poeta ateu, por exemplo.


Insistir na ideia de uma origem religiosa para toda Poesia não significa cristianizá-la. Significa que a experiência poética, em si, equipara-se a uma experiência religiosa, porque epifânica, de revelação. São os conhecidos surtos poéticos, tão próximos das experiências místicas. O Poeta, nesse caso, é um místico que se vê diante da Beleza e, ao mesmo tempo, um profeta, que comunica, pelo sentimento artístico, essa experiência. Um dos mais importantes teólogos católicos do séc. XX, Karl Rahner (1904-1984), escreveu que os cristãos do futuro – que já chegou, acreditamos – ou seriam místicos, ou não seriam cristãos.


A secularização – antes vista com maus olhos, como sendo um “secularismo” – é uma nova oportunidade que se abre frente às interpelações de evangelização, pois não se trata de negação da fé, propriamente, mas de uma independência pessoal, frente à instituição religiosa. Se as instituições são vistas com desconfiança, eis que é chegada a hora de a Igreja se colocar em reforma, dialogando com essa realidade. Tendo os dogmas como “razão de nossa esperança” (1Pd 3,15) e não como estandarte que anuncia uma imposição, a Igreja, ao assumir esse caminho, tem como perspectiva alcançar os corações dos homens e mulheres de nosso tempo, promovendo uma espiritualidade mística, resgatando a liturgia como experiência celebrativa da Beleza, que revela o Mistério Pascal de Cristo.


O pensamento teológico tem estado atento a essa interpelação que se abre como oportunidade de dizer “Deus” às pessoas de nosso tempo, por meio da mística. Um sinal disso é o crescente investimento no diálogo entre a teologia e a literatura, que tem ganhado expressão no Brasil, nos últimos anos. Esse diálogo tem partido de duas frentes, a saber, a antropológica e a cristológica. A perspectiva antropológica tem privilegiado o diálogo com a literatura em geral, pela ótica do humano que nela aparece. Já a perspectiva cristológica, a nosso ver mais abrangente e completa, busca os sinais de revelação presentes na literatura pela ótica da estética teológica, cuidando para respeitá-la em sua especificidade literária.


Na base cristológica do diálogo entre teologia e literatura, o pressuposto é de que, em Cristo, a divindade e a humanidade se concatenam em perfeita harmonia. Ao assumir um corpo humano, ele revela Deus em profundidade. Revelando-o, comunica seu rosto, como manifestação plena da Beleza. O horror da cruz, feiura que espanta o olhar, mostra-nos a radicalidade dessa Beleza: é o amor sem limites, a carne plenamente assumida que se configura como Beleza que salva e que dá sentido à existência, em Deus. Na cruz do amor pleno e desmedido, a Poesia se mostra de maneira surpreendente: o Filho de Deus encontra o silêncio profundo do morrer, para garantir à humanidade a vida. A inteireza de Deus se revela no fragmento do humano, em Jesus, sobretudo na cruz. Não é sem motivos que, para o evangelista João, a cruz de Jesus é a grande hora da manifestação da glória de Deus: glória que arrebata, espanta e salva. Não devemos ter, pois, medo de voltar nosso olhar para a cruz deste que é, para o mundo, a Poesia e o Poeta de Deus.


*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Coordena, ainda, a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras.


JESUS, A POESIA E O POETA DE DEUS

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