Um homem - no século XX - esteve sempre à frente do seu tempo. Uma pessoa especial, de vida comum, como qualquer brasileiro, mas de destinação universal, pela sabedoria e coragem com que se entregou à missão escolhida: a de ser Padre. Sua vida foi um exemplo vivo de santidade e ousadia. Arrojado, nada permanecia igual depois dele... Cearense, franzino, filho de uma família numerosa, foi luz para a Igreja que escolheu como Mãe e a mais importante voz desse século. Chamava-se DOM HELDER CÂMARA
Neste início de noite deste abençoado 21 de
novembro de 2011, estou muito alegre, sensibilizado e feliz, ao ser
distinguido, pela Câmara Municipal de Fortaleza, na pessoa da querida vereadora
Eliana Gomes, do PC do B, com a Medalha de Defesa dos Direitos Humanos Dom
Helder Câmara. Quero agradecer também aos seus pares, vereadora. Meu agradecimento
muito especial a amiga Olinda Marques, Secretária da Regional III. O meu olhar
confiante e terno para com Deus que se revelou no seu Filho, Nosso Senhor Jesus
Cristo, como aquele sinal pedido pelos judeus e aquela sabedoria desejada pelos
gregos e que para a humanidade inteira é a salvação ansiosamente esperada,
presente em cada pessoa humana (cf. Jo 3, 13-22). Não posso esquecer jamais o
bom povo da Parquelândia, os empobrecidos, os sonhadores e admiradores de Dom
Helder.
Somos templos de Deus e ao mesmo tempo chamados a
ser, a exemplo de Dom Helder Câmara, o artesão da paz, o profeta da esperança,
dos grandes sonhos e utopias, a viver como ele viveu como anunciadores dessa
mesma esperança, por ele proclamada, ao alimentar em nós aquele profundo
desejo de transformação do mundo e também a idéia de que outro mundo é
possível.
Nunca podemos deixar de declinar e disso não
podemos prescindir e digo, que modo resplandecente é o nome de Dom Helder
Pessoa Câmara, este que o consideramos o maior brasileiro de todos os tempos.
Com Dom Helder o humanismo jamais cedeu, e de um modo sempre crescente, seja no
campo cultural e intelectual, econômico e social, ensinando-nos a convencer
sempre e cada vez mais que a dignidade da pessoa humana é um dom maravilhoso de
Deus e neste raciocínio guardemos seu pensamento: “A melhor maneira de ajudar
os outros é provar-lhes que eles são capazes” (Dom Helder Câmara).
Predestinado para as coisas
maiores, possuidor de uma força incansável, com muita alegria e esperança no
coração, totalmente convertido a uma grande tarefa de construir Reino, a utopia
mais bela e maravilhosa, Dom Helder não se acostumou, a ponto de se indignar
com a miséria humana, porque ela fere o rosto do Deus Criador e Pai e contraria
sua vontade. Por isso mesmo, decidiu, com muita obstinação e a ternura do “Bom
Pastor”, levantar firmemente a voz e lutar, com o desejo de derrotá-la.1
Segundo o grande teólogo José Comblin, falecido no
início deste ano 2011, aos 88 anos, que conviveu muito de perto com o querido
arcebispo de Olinda e Recife: "Ele era um articulador de primeira
grandeza, com noção de que, às vezes, sua influência seria maior se ficasse
calado e não se manifestasse". Muitas vezes seus próprios colegas bispos
ignoravam de onde vinham às excelentes propostas contribuições que estavam
votando, narra José Comblin. 2
Já bem
antes do Concílio, às vésperas da inauguração de Brasília, Juscelino Kubitschek
chamou Dom Helder e o convidou para ser o prefeito da nova capital federal,
sendo insistente. Afirmou que tinha o parecer favorável de todos os líderes
partidários, depois de consultá-los. Dom Helder recusou polidamente, dizendo:
"Hoje, senhor presidente, eu estou aqui, frente a frente, debatendo com o
senhor pontos de vista com absoluta liberdade e sem condicionamentos de
qualquer ordem. No dia em que me incorporar ao seu grupo de comando, dentro das
injunções concretas das práticas políticas, eu estarei amarrado, balançando a
cabeça para concordar com o que o senhor disser, deixando de lhe trazer a
colaboração original e independente da Igreja. Eu quero ter sempre um canal de
diálogo livre e respeitoso com o Estado para cobrar o seu dever. Quero fazê-lo
em nome de Deus e do povo. Quero ser a boca dos que não têm vez nem voz".3
Deus fez o homem com uma imaginação fértil e
criadora, chamando-o para participar da sua natureza divina. Aí está sua
grandeza. A terra tornou-se pequena para comportar a criatura humana, grandiosa
na sua capacidade de imaginações e realizações em todos os sentidos. Padre
Manfredo Oliveira, cearense de Limoeiro do Norte, grande figura humana e um dos
maiores filósofos da atualidade, na sua mente dadivosa, foi extremamente feliz,
ao afirmar que Dom Helder não cabia dentro da Igreja. Certamente ele queria
enaltecer sua força imaginadora, talentos, sensibilidade e a inteligência
privilegiada do pastor dos empobrecidos, que com habilidade soube perceber
todas as novidades e desafios do século XX e colocá-los no seu coração,
procurando dar-lhes uma resposta, indo ao encontro da criatura humana, com sua
dignidade, imagem e semelhança de Deus. 4
No último versículo do Evangelho de São João o
autor sagrado afirma que o que Jesus realizou, neste mundo, é belíssimo e
maravilhoso e, se tudo fosse escrito, livro algum caberia. O milagre da
multiplicação dos pães (Mt 14, 13-21), finda dizendo: Os que comeram dos cinco
pães e dos dois peixes eram cinco mil homens sem contar mulheres e crianças.
Estudiosos e especialistas da Palavra de Deus, sem negar, evidentemente, a
divindade do Filho de Deus, acham um exagero, para aquele tempo, alimentar
aquele grande número de pessoas. Deus fez o homem com uma imaginação fértil e
criadora, chamando-o para participar da sua natureza divina. Aqui está sua grandeza,
5 e a do querido pastor dos empobrecidos.
Já o
Cardeal Aloísio Lorscheider falava de Dom Helder, assim: "Foi um corifeu,
com uma visão de futuro e com grande influência, muito respeitado e inquieto
como uma barata tonta: Sua tribuna foi sua sabedoria em agir e articular nos
bastidores", com uma oratória vibrante e com gestos rasgados que
sensibilizavam e arrebatavam as multidões. 6
Sua força imaginadora, sua criatividade e,
sobretudo, sua capacidade de produzir e realizar as coisas foram
extraordinárias, fazendo surgir uma nova Igreja, uma Igreja marcada,
profundamente pela esperança, como ele afirmava: “Esperança é crer na aventura do
amor, jogar nos homens, pular no escuro, confiando em Deus”. Ele se antecipou,
em idéias e vestes, ao “aggiornamento” que
o Papa João XXIII promoveu e com o qual iria revolucionar, não apenas a Igreja,
mas o mundo hodierno. 7
Dom Helder foi um articulador, na melhor expressão
da palavra, um conspirador, pensando no bem, com suas iniciativas,
compartilhadas por muita gente da Igreja, desejando fazer com que a
Igreja-Instituição se comprometesse e se engajasse na causa dos empobrecidos,
identificando-se com seu Fundador e Mestre, Nosso Senhor Jesus Cristo. Pensava
e desejava ele uma Igreja mais pobre e mais servidora. O “Pacto das
Catacumbas”, documento desafiador e ao mesmo tempo salutar, 16 de novembro de
1965, que foi uma excelente oportunidade para uma boa parte dos bispos pensarem
e refletirem sobre eles mesmos, no sentido de viver na simplicidade e na
pobreza, numa Igreja encarnada na realidade, comprometida com seu povo,
renunciando às aparências de riqueza, dizendo não às vaidades, consciente da
justiça e da caridade. 8
Ele não só pensou e imaginou, mas teve clareza e
persistência e, com suas idéias fixas, aspirou por um mundo segundo a vontade
Deus, de tal modo que os seus sonhos e utopias transformaram-se em realidade.
Essa afirmação nos faz pensar nas suas obras e realizações em favor da
humanidade. É só olhar para seus escritos, poemas e pensamentos. Sua fidelidade
a Deus e ao povo o fez manter-se acordado, olhando para dentro de si e, ao
mesmo tempo, externando-a através desses mesmos ideais.
Como Abraão, acreditou, sem jamais perder a
esperança. Daí as marcas profundas deixadas por este homem de Deus. Após o seu
centenário, percebemos, com todas as evidências, tudo o que ele representou
para o Brasil e para o mundo, como símbolo, como patrimônio e, sobretudo, como
referencial. Por isso, mesmo que alguém ou grupo tente ofuscar ou neutralizar,
não irá destruí-lo nunca. A história o tem e o terá sempre como imortal.
Dom Helder, pastor da paz e da
ternura, sentia-se honrado quando seus inimigos o acusavam de utópico, porque
se aproximava do “cavaleiro andante”. Dom Helder dizia-lhes: “Comparar-me a Dom
Quixote, está longe de ser uma nota depreciativa” e acrescentava: “Ai do mundo
se não fosse a utopia, ai do mundo se não fossem os sonhadores”. 9
Que o nosso bom Deus nos anime e nos encoraje, para
que possamos, a seu exemplo, superar os obstáculos, próprio da vida, quando
afirmava: "Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada
instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada
de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do
Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as
angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem
entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".
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1 SARAIVA, Geovane
(Padre). Nascido Para as coisas maiores. Fortaleza: Editora Celigráfica, 2009,
p. 33.
2 SANTIAGO, Vandeck. Revista
Continente. 100 anos de Dom Helder. N0 98. 3 SARAIVA, Geovane (padre). Dom Helder: forte e habilidoso. Boa Notícia, 2011.
4 Ibidem, p. 39.
5 Ibidem, p. 40.
6 Tursi, Carlo; Frencken, Geraldo (Org.). Mantenham as lâmpadas acesas: revisitando o caminho, recriando a caminhada. Fortaleza: Edições UFC, 2008, p. 65.
7 Ibidem, p. 40.
8 CONY, Carlos Heitor. Dom Helder aos 80. Revista manchete, 04 de março de 1989.
9 Dom Helder: o artesão da paz. Brasília: Senado Federal. Conselho Editorial, 2009, p. 88
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