J. B. Libanio*
Teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte
Adital
Os argumentos quase nos convencem, se não soassem tão antigos e tão falaciosos. Ontem se dizia que importava fazer o bolo crescer para depois distribuí-lo. O bolo cresceu, mas poucos o dividiram entre si e a maioria apenas comeu-lhe algumas migalhas. Hoje se fala em pôr a casa econômica em ordem, para depois construir os cômodos para o povão. Só que enquanto se arruma a casa, os donos já se apossam de tudo, não sobrando nada para o povo.
Difícil argumentar com os políticos e economistas do sistema. Mostram-se inteligentes. Estudaram em Harvard, na Sorbonne ou em alguma outra renomada universidade europeia ou americana. Os argumentos do povo vêm do bolso vazio, do desemprego, da fome crescendo, da espiral da violência, da corrupção em todos os escalões públicos, dos escândalos de maracutaias gigantescas. Bancos afundam, mas antes os comandantes, não lançam as cargas ao mar, mas sim nas ilhas virgens de impostos.
Diante de tudo isto, perguntamo-nos maravilhados, pasmados, por que as verbas para a área social escasseiam, enquanto bilhões de reais se deslocam para os bancos, para os usineiros, para proprietários remissos, que, em muitos casos, usaram dinheiro de empréstimos públicos para finalidades outras. As razões técnicas parecem sérias. Aponta-se para o horizonte tenebroso da quebra em cascata dos bancos, da louca corrida, em vão, dos correntistas em busca de seu saldo engolido pela incompetência, jogos dúbios e venais de muitos agentes financeiros, de um maior desemprego ainda dos trabalhadores da cana de açúcar etc.
Por mais verdades que haja nas afirmações, permanece inexplicável que irresponsabilidades tão gigantescas continuem impunes. Não se sabe da condenação de nenhum banqueiro, nem de agente financeiro do alto escalão nem de usineiro. Eles devem responder perante a nação por tamanha catástrofe que já soma mais de uma dezena de bilhões de reais. Com essa montanha de dinheiro, o campo social receberia espetacular impulso, arrancando da zona cinzenta da miséria milhões de brasileiros.
Essas dúvidas escurecem as intenções generosas e grandiloquentes dos homens do governo. Como Vieira em famoso sermão, cabe-nos repetir o refrão: "Não louvo, nem condeno; admiro-me com as turbas". As multidões admiram-se diante de tanta contradição, de tanta incoerência, de tanta confusão mental.
Nos próximos meses, vamos defrontar-nos com as eleições municipais. Talvez devamos ir lentamente deslocando as atenções para as possibilidades locais do investimento social. Mais visível. Mais facilmente controlável. A prefeitura e a câmara dos vereadores estão na mesma cidade. Mais acessíveis a pressões, não para a obtenção de benefícios individuais, mas para fazer valer as necessidades das comunidades, dos bairros, de todo o município. Por isso, escolher bem esses homens e mulheres que vão assumir a administração local tem chance de inverter definitivamente o destino das verbas sociais. Assim se abre nesga de esperança no céu da política de amanhã.
*[João Batista Libanio publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação].
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