Padre Geovane saraiva*
Uma canção, por ocasião do centenário
de nascimento de Dom Helder Câmara (1909-2009), fala assim sobre o querido
artesão da paz: “o dom paz, tu és muito mais, és um dom do céu!”. Que bela e
maravilhosa afirmação! Ele foi uma obra preciosa, criada por Deus e marcada com
o selo de sua graça, presente no coração do povo, com a missão de transformar
vidas, consciências e de semear a bondade por toda parte.
Suas idéias e todo seu trabalho e
realizações, concretizado em toda sua plenitude na vida de oração, contemplação
e na sua ação pastoral, totalmente encarda na vida dos seus semelhantes,
especialmente nos empobrecidos, enche-nos de esperança e nos leva crer que Dom
Helder se imortalizará, jamais morrerá.
O teólogo, Padre José Comblin, com a grande
sabedoria de que lhe é peculiar, quis imprimir na nossa mente e no nosso
coração a imortalidade de Dom Helder, ao afirmar: “Eu sou daqueles que tem a
convicção de que os escritos de Dom Helder ainda serão fonte de inspiração na
América Latina, daqui a mil anos. Ele lançou sementes destinadas a produzir uma
messe abundante nesta época do cristianismo que está começando agora. Suas
sucessivas conversões, sinalizando de certa maneira, a futura trajetória da Igreja
neste momento da história da humanidade”.
Na caminhada do povo de Deus, tivemos
figuras que marcaram em profundidade a história, as quais foram geniais, e por
isso mesmo, exerceram uma decisiva influência sobre a nossa civilização cristã.
Gostaria de me deter um pouco sobre Martinho
Lutero, que viveu de (1483 -1546). Ele foi uma dessas pessoas, que durante alguns
séculos significou para a grande maioria dos católicos um rebelde, um herege, o
herege por excelência, aquele que provocou, na Igreja, o cisma do ocidente e
levou, com suas heresias, muitas almas à perdição. Mas para os protestantes,
pelo contrário, ele foi um “segundo Paulo”, que redescobriu o Evangelho de
Nosso senhor Jesus Cristo, tirando-o de baixo da mesa e colocando-o em um lugar
de destaque, em lugar bem alto e elevado.
Os protestantes acentuam a profunda
religiosidade do reformador. Em 1970 chegou-se a dizer que “Lutero era mais
católico do que se imaginavam...”. Estava longe dele a idéia de uma separação
da Igreja. Na luta em favor do Evangelho, não só contribuiu substancialmente
para a purificação da Igreja Católica, mas também para o aprofundamento das
questões básicas, as da Sagrada Escritura, da fé, da consciência e da existência
cristã.
Depois do Concílio Vaticano II
(1962-1965), num desejo de encontrar a unidade, o bispo católico de Copenhagen
(Dinamarca), Hans L. Martensen, em uma Conferência sobre “Lutero e Ecumenismo
hoje”, declarou que também “católicos reconhecem hoje que Lutero, como poucos
outros, foi um teólogo genial e de grande influência na história.
Dom Helder trabalhou incansavelmente
pela unidade e foi considerado um “santo rebelde”, ao mesmo tempo ensinou que a
pessoa humana é sagrada, porque ela é imagem e semelhança de Deus. O sonho carregado
ao longo da vida e acalentado no seu coração foi o de colocar a criatura humana
em um lugar de destaque, também num lugar bem elevado. Marcou profundamente uma
época e nos deixou um grande legado e lição. A lição de que o deserto da nossa
vida tem que ser fertilizado pela Palavra de Deus e que a vida está acima de
tudo, que ela é mais forte do que tudo, mais forte do que a morte.
Quando no Brasil, em 1964, todos procuravam navegar
nas águas e nas tempestades do regime militar, foi aí que entrou Dom Helder
Câmara, o grande irmão e amigo, ensinando-nos a navegar nas águas da vida, da
esperança e da liberdade – É o deserto que se torna santo, abençoado e sagrado!
E essa é a imagem do homem de Deus, do dom da paz, tu és muito mais, um dom do
céu! Guardemos a imagem do homem de Deus e patrimônio da humanidade, que jamais
morrerá, conforme seu desejo: “A imagem que gostaria que ficasse de mim é a
imagem de um irmão”.
*Pe. Geovane Saraiva, sacerdote da
Arquidiocese de Fortaleza, Escritor, Membro da Academia de Letras dos
Municípios do Estado Ceará (ALMECE), e da Academia Metropolitana de Letras de
Fortaleza
Pároco de Santo Afonso
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