Sara Maia
RELIGIOSOS LIGADOS ÀS
IDEIAS da Teologia da Libertação falam do compromisso e das dificuldades da
ação pastoral ao lado dos pobres. Caso do italiano Maurizio Cremaschi e do
(quase padre) Thiago Valentino
Maurízio 67, é
conterrâneo de Ângelo Roncalli. Nasceu em Bergamo, no norte da Itália, onde o
“papa bom”, idealizador do Concílio Vaticano II, iniciou sua carreira eclesial
como secretário particular do então bispo da província italiana. A coincidência
é lembrada pelo próprio padre, que por outra afinidade – esta em nível
espiritual, pode-se dizer – com João XXIII mora desde o final da década de 1970
em Tauá, no Sertão dos Inhamuns. Seminarista em Roma à época do encerramento do
concílio, Maurízio comungava com a ideia de uma “Igreja dos Pobres”, atento
inclusive às notícias sobre a igreja latino-americana que chegavam pela
imprensa especializada.
Cremaschi
(ao lado) e Valentino (abaixo): a igreja dos pobres não é paralela, mas a
presença é conflituosa
“A literatura que chegava
à Itália era possivelmente mais completa do que a que circulava nas comunidades
nesse tempo de fechamento da ditadura no Brasil”, considera. “Me senti em
consonância com a experiência das comunidades eclesiais de base no Brasil, em
particular no Nordeste”. Na época, ele também teve oportunidade de se encontrar
em Roma com Dom Hélder Câmara e Dom Antônio Fragoso, dois bispos brasileiros
presentes ao concílio e muito atuantes. Foi ao lado do segundo que passou a trabalhar
em 1979, quando chegou a Crateús para reforçar a experiência de Dom Fragoso à
frente da recém-criada diocese, marcada pelo diálogo igualitário com os
moradores da região e inclinada às suas lutas sociais.
“Quem não
teve essa experiência, não sabe o que significa, e às vezes nem acredita que
aconteceu mesmo. Uma diocese onde um bispo se põe em posição de escuta passa
horas ouvindo os camponeses sem querer ser um intermediário entre os podres e o
poder, mas sim fazer com que os pobres sejam sujeitos”, lembra o padre
italiano.
A experiência do paraibano Dom Fragoso (1920-2006) no Ceará, que durou de 1964
a 1998, ainda hoje é lembrada como uma das mais emblemáticas da Teologia da
Libertação e do compromisso firmado por 40 padres conciliares no chamado Pacto
das Catacumbas, do qual foi um dos signatários em Roma dias antes do
encerramento do Concílio Vaticano II. O ministério pastoral de Dom Fragoso
legou até hoje a tradição de uma igreja ao lado dos pobres na região, como
ainda hoje testemunham a atuação de padre Maurízio e irmã Ailde de Oliveira.
Natural
de Juazeiro, a irmã Ailde, 71, chegou a Crateús para administrar uma escola que
sua congregação, as Filhas de Santa Teresa, mantinha na cidade. Pela visão que
aliava a fé cristã ao compromisso social, ela e suas colegas chegaram a ser
apelidadas por parte da sociedade de “as irmãs vermelhas”, em referência à
ideologia comunista em plena Ditadura Militar.
Ao longo dos anos, a experiência dela se estendeu por outros municípios da
região e para a luta em favor dos trabalhadores do Sertão dos Inhamuns, que
sofriam com a falta de terras para trabalhar, reféns do alto preço que
latifundiários cobravam pelo arrendamento. “Só os Feitosa tinham quase metade
de Parambu. Tinha propriedades em que era proibido a gente entrar, mesmo pra
fazer a celebração da palavra, porque achavam que a gente ia esclarecer os
trabalhadores”, conta.
Ailde
também enfrentou o conservadorismo e preconceito da sociedade ao incentivar as
prostitutas a quebrarem o isolamento social, levantando suas autoestimas.
“Antes quando eu chegava lá elas diziam:‘no tempo que eu era gente....’”.
Pastorais
Morando
até hoje no Sertão dos Inhamuns, os dois passaram por Fortaleza esta semana
para participar da 5º Semana Social, um evento que reuniu padres, leigos,
líderes comunitários e militantes dos mais diversos movimentos sociais para
discutir o impacto de grandes empreendimentos econômicos no interior do Ceará –
em sua maioria, conflitos de terra entre poderosas empresas e pequenas
comunidades de pescadores, índios, entre outros.
Na organização da semana,
Thiago Valentino, 28, foi outro que suspendeu suas viagens pela interior em
razão do evento. Coordenador da Pastoral da Terra no Ceará, ele nasceu em
Madalena, numa paróquia que, na época de sua juventude, tinha uma forte
presença das Comunidades Eclesiais de Base. A opção pela Teologia da Libertação
lhe rendeu a experiência com várias delas por todo o Ceará e uma não-ordenação
como padre.
“Fui mandado embora um ano
antes de me ordenar”, conta. No Seminário da Diocese de Quixadá, lhe disseram,
segundo ele, que deveria trabalhar no “sindicato” e que “não tinha cara de
padre”. “Está cada vez mais escasso esse perfil. 99% dos seminaristas são da
Renovação Carismática”, afere. E completa: “A Igreja dos Pobres não é uma
igreja paralela, mas a presença é conflituosa”. (Pedro Rocha)
DOM FRAGOSO
MEMÓRIA
A experiência do paraibano Dom Fragoso
(1920-2006) no Ceará, que durou de 1964 a 1998, ainda hoje é lembrada como uma
das mais emblemáticas da Teologia da Libertação e do compromisso firmado por 40
padres conciliares no chamado Pacto das Catacumbas, do qual foi um dos
signatários em Roma dias antes do encerramento do Concílio Vaticano II .
Fonte: Jornal O Povo
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