Manfredo Araújo de Oliveira*
O
individualismo renovado vai pôr como grande valor da vida humana a
competitividade
Um tema
que é hoje objeto de grande polêmica é o do alcance e do significado para a
humanidade como um todo da crise que enfrentamos. O economista paulista Beluzzo
a interpreta com razão não simplesmente como uma crise econômica, mas como algo
que afeta radicalmente a civilização, seus valores e seus ideais, que se lutou
por construir no pós-guerra. A crise significa em primeiro lugar o abandono dos
sonhos de humanização que marcaram tantos movimentos e tantas lutas, o sonho da
igualdade, da construção de uma vida social radicada na universalização de
direitos e no objetivo de alcançar o bem-estar social para todos. Sua raiz está
num novo individualismo que tem como base social a grande classe média que se
gestou na longa prosperidade e nos processos igualitários que marcaram a época
do capitalismo de orientação keynesiana, ou seja, aquele em que o Estado
assumiu como sua tarefa primeira não só ser o promotor do crescimento
econômico, mas o instrumento de efetivação da universalização dos diretos.
Ora o
individualismo renovado vai pôr como grande valor da vida humana a
competitividade: todos são convocados a serem empreendedores e a competitividade
se encarrega de produzir o progresso e o bem-estar. Isso levou ao surgimento de
milhões de empresários terceirizados e autonomizados que produziram mudanças
profundas nos métodos de trabalho e na organização das grandes empresas. Isso
significa que a ordem internacional se configura a partir de outros valores: a
competitividade do capital financeiro e produtivo constitui seu eixo
articulador e nesse novo contexto o que realmente conta é o empenho agressivo e
a capacidade de liquidar os outros. O verdadeiramente assustador aqui é que a
competitividade não é apenas a categoria central do mundo dos negócios, mas ela
se está transformando no valor cultural fundamental e enquanto tal passa a
reger as diferentes relações sociais. A visão da economia e da sociedade
subjacente a esses processos defende explicitamente a tese de que a vida humana
é marcada pela concorrência darwinista de tal forma que o que na vida está em
jogo em última análise é a sobrevivência do mais forte.
O espetáculo que presenciamos nas últimas décadas é o de uma ofensiva gigantesca do capital frente ao trabalho efetivada através da flexibilização, da terceirização e da precarização. É como se o capital se vingasse das conquistas do Estado de bem-estar social, uma espécie de libertação do capital que livre da intervenção estatal consegue agora estabelecer o mercado como definidor das regras de toda a vida social. É justamente a intervenção estatal, sobretudo sua prerrogativa fiscal, que é hoje objeto de uma crítica violenta: resiste-se a qualquer interferência no processo de diferenciação da riqueza, da renda e do consumo vigente no mercado capitalista.
Esse
processo é acompanhado por uma reviravolta ética: a ética da solidariedade é
substituída pela ética da eficiência o que conduz a uma radical rejeição dos
programas de redistribuição de renda e assistência a grupos marginalizados.
Caminhamos para a barbárie?
E-mail:
manfredo.oliveira@uol.com.br
*Sacerdote, Filósofo, Prof. da UFC, Doutor Livro Docente
Fonte:
O Jornal Povo
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