10/12/2012

Livro adulto de autora de 'Harry Potter' é lançado no Brasil; leia trechos


'Morte súbita', de J.K. Rowling, tem lançamento em dezembro no Brasil.
Ela troca fantasia por descrição realista de crime; G1 traz trecho exclusivo.

Do G1, em São Paulo

A britânica J.K. Rowling lança o livro 'The casual vacancy' (Foto: AP/Lefteris Pitarakis)A britânica J.K. Rowling lança 'Morte Súbita' na 
Inglaterra (Foto: AP/Lefteris Pitarakis)
Sair de um universo fantástico rumo a uma cidade pequena e nada encantada pode não ser caminho convidativo para fãs que compraram 750 milhões de cópias dos sete volumes da saga do jovem bruxo Harry Potter. Mas é este rumo que toma a autora inglesa J.K. Rowling na primeira aventura pela literatura adulta. Ser "trouxa" - como os não bruxos eram chamados na saga - não significa ausência de surpresas sob o visual de aparente normalidade. É isso que ela quer mostrar em seu novo romance, "Morte súbita".
O livro teve lançamento oficial na quarta-feira (5) em todo o Brasil, pela editora Nova Fronteira. "Morte súbita" conseguiu lugar entre os mais vendidos nos EUA e Inglaterra.
O romance tem início com o assassinato de Barry Fairbrother. A descrição é detalhada: "De repente, uma dor como jamais havia sentido antes atravessou o seu cérebro como se tivesse sido atingido por uma daquelas bolas de demolição (...) O seu crânio estava inundado de fogo e sangue; a agonia era insuportável".
Barry era conselheiro em um vilarejo tão pequeno que nem conseguiu ser reconhecido como município. A aparente normalidade do local é quebrada com o desequilíbrio causado pela ausência inesperada de Barry. O G1 publica abaixo duas partes de "Morte súbita" - a cena inicial e um trecho exclusivo que mostra a deflagração das intrigas após o crime.
O assassinato de Barry Fairbrother
"6.11 Será declarada a vacância do mandato de um conselheiro:
(a) quando este deixar de tomar posse no cargo dentro do prazo regulamentar;
(b) quando este entregar o seu pedido formal de renúncia; ou
(c) em caso de morte súbita do titular (...)
Charles Arnold-Baker
Administração dos Conselhos Locais
7ª edição
Barry Fairbrother não estava com a mínima vontade de sair para jantar. Passou o fim de semana praticamente todo tendo que aguentar uma dor de cabeça latejante e lutando para redigir a matéria de capa do jornal local.
Na hora do almoço, porém, a sua esposa estava meio emburrada e sem dizer palavra, e Barry deduziu que o cartão que lhe mandou pelo aniversá¬rio de casamento não havia conseguido atenuar o crime que ele cometeu passando a manhã inteira trancado no escritório. E, ainda por cima, escrevendo sobre Krystal, de quem Mary não gostava absolutamente, embora fingisse o contrário.
— Estava pensando em levá-la para jantar, Mary — mentiu ele, numa tentativa de quebrar o gelo. — Dezenove anos, meninos! Dezenove anos, e a sua mãe nunca me pareceu tão linda...
Mary se desarmou e sorriu. Barry, então, ligou para o clube de golfe.
O clube de golfe ficava a apenas quatro minutos da praça, pouco além do ponto em que o vilarejo ia se extinguindo num último suspiro de ve¬lhos chalés. Barry estacionou a caminhonete diante do Birdie, o restaurante do clube, e ficou parado por um instante ao lado do veículo enquanto Mary retocava o batom. Achou gostoso sentir no rosto o arzinho frio da noite... As pontadas na cabeça estavam cada vez mais fortes.
Mary desligou a luz interna e fechou a porta do carona. Barry apertou o botão da chave para acionar o alarme. Ouviu os saltos do sapato da mulher batendo no chão, o apito do sistema de segurança do carro, e se perguntou se o enjoo que sentia ia melhorar depois que comesse alguma coisa.
De repente, uma dor como jamais havia sentido antes atravessou o seu cérebro como se tivesse sido atingido por uma daquelas bolas de demolição. Mal sentiu os joelhos quando eles bateram no chão frio; o seu crânio estava inundado de fogo e sangue; a agonia era insuportável, mas precisou suportá-la, já que o desfalecimento só veio um minuto depois.
Mary gritou. E continuou gritando. Percebendo toda aquela comoção, um casal, que Barry e Mary conheciam, abandonou a refeição malcomeçada e correu para ver se podia ser de alguma ajuda. O marido pegou o celular e ligou para o serviço de emergência.
A ambulância tinha que vir de Yarvil, a cidade vizinha, e levou vinte e cinco minutos para chegar. Quando a luz azulada se aproximou piscando, Barry estava deitado numa poça do próprio vômito, imóvel e sem qualquer reação. Mary estava agachada ao seu lado, com a meia-calça rasgada nos joelhos, segurando a sua mão, aos prantos e sussurrando o seu nome."
Intrigas após o crime
"— Coragem! — disse Miles Mollison, de pé na cozinha de um dos casarões da Church Row.
Esperou dar seis e meia da manhã para telefonar.
— O que houve? — indagou Howard, com aquele seu vozeirão que tinha um leve toque áspero. Miles ligou o viva-voz para Samantha poder ouvir a conversa.
— Fairbrother morreu. Foi ontem à noite, lá no clube de golfe. Sam e eu estávamos jantando no Birdie.
Depois de estacionar o carro na entrada da casa dos Fairbrother, como fizera tantas e tantas vezes quando Barry estava vivo, Gavin dirigiu-se à porta da frente e notou que alguém tinha cortado a grama desde a última vez que esteve ali. Mary abriu a porta quase no mesmo instante em que ele tocou a campainha.
— Oi, como... O que houve, Mary?
O rosto dela estava todo molhado, e os olhos brilhavam como diaman¬tes por causa das lágrimas. Ela engoliu em seco uma ou duas vezes, sacudiu a cabeça e, de repente, sem saber como nem por quê, Gavin se viu abraçando-a ali, na porta de entrada.
— Aconteceu alguma coisa, Mary?
Sentiu ela fazer que sim com a cabeça. Extremamente consciente da posição delicada em que se encontravam, ali bem na porta da frente, com a rua toda por trás deles, Gavin resolveu levá-la para dentro de casa. Ela era pequena e frágil nos seus braços; as mãos se agarravam nele, o rosto pressionava o seu peito. Ele largou a pasta da forma mais delicada possível, mas, com o barulho que ela fez ao bater no chão, Mary se afastou dele, ofegante, cobrindo a boca com a mão.
— Me desculpe... Me desculpe... Ah, meu Deus, Gav...
— O que aconteceu?
A voz dele soou diferente: forte, enérgica, controladora, parecia até o jeito como Miles falava às vezes durante uma crise no trabalho.
— Alguém... Eu não... Alguém pôs...
Ela o levou até o escritório, atulhado, malcuidado, mas aconchegante, com os velhos troféus de remo de Barry nas prateleiras e uma fotografia grande e emoldurada pendurada na parede, em que se viam oito garotas dando socos no ar, com medalhas penduradas no pescoço. Mary apontou para a tela do computador, tremendo. Sem tirar o casaco, Gavin se sentou e ficou olhando para a área de mensagens no site do Conselho Distrital de Pagford.
— Eu es-estava na delicatéssen hoje de manhã, e Maureen Lowe me disse que muitas pessoas tinham deixado mensagens de condolências no site... Então eu ia po-postar uma mensagem de a-agradecimento. E... Olhe...
Ele leu enquanto ela falava. Por que Simon Price não deve ser eleito para o Conselho Distrital de Pagford, postado pelo Fantasma de Barry Fairbrother.
— Meu Deus! — exclamou Gavin, indignado.
— Quem você acha que fez isso? — indagou ela.
— Algum desgraçado — respondeu Gavin.
— Todos eles agora estão brigando pela cadeira vaga no Conselho. Discutindo sobre Fields, como sempre. E ele ainda está lá, dando a sua opinião a respeito de tudo. O Fantasma de Barry Fairbrother. Quem sabe não é ele mesmo que está postando mensagens no site?
Ruth ficou de pé, sozinha na sala de estar iluminada apenas pelo abajur, ainda agarrando com força o telefone que acabara de devolver à base. Tinha esperado Simon abrir a água do chuveiro para ligar para Shirley, pois achava que ele podia pensar que até um simples pedido de uma injeção de adrenalina para uma emergência era confraternizar com o inimigo.
O computador ficava num dos cantos da sala de estar, bem à vista de Simon, que queria ter certeza de que ninguém estava fazendo as contas aumentarem pelas suas costas. Ruth largou o telefone e correu para o teclado.
Levou bastante tempo até que o site do Conselho de Pagford entrasse por completo. Com a mão trêmula, Ruth ajeitou os óculos de leitura na ponta do nariz e passou os olhos pela página, até que encontrou a área de mensagens. O nome do seu marido estava lá, em destaque, naquela frase assustadora: Por que Simon Price não deve ser eleito para o Conselho Distrital de Pagford.
Clicou duas vezes em cima do título, fazendo aparecer o parágrafo inteiro, e começou a ler. Tudo à sua volta parecia girar e balançar.
— Meu Deus — sussurrou.
O boiler tinha parado de estalar. Simon devia estar vestindo o pijama deixado sobre o aquecedor. Antes, ele já tinha fechado as cortinas da sala de estar, ligado o abajur e acendido a lareira. Assim poderia descer e se esticar no sofá para assistir ao telejornal.
Ruth sabia que teria que contar a ele. Não fazer isso, deixar que ele descobrisse por si só, simplesmente não era uma opção. Não conseguiria guardar aquilo só para si. Estava aterrorizada e se sentia culpada, embora não soubesse por quê.
Ela o ouviu descer as escadas e depois aparecer na porta da sala com o pijama azul de flanela.
— Si — sussurrou.
— O que foi? — perguntou ele, imediatamente irritado.
Ruth apontou para a tela do computador, e com a outra mão tapou a boca de um jeito bobo, como se fosse uma menininha. Seu pavor o contaminou. Ele correu para o computador e olhou para a tela, já com as sobrancelhas franzidas. Simon não era exatamente um bom leitor. Lia palavra por palavra, linha por linha, com muita dificuldade e atenção.
Quando terminou, ficou mudo por um tempo, repassando mentalmente quem seriam os possíveis dedos-duros. Pensou no operador de empilhadeira que mascava chicletes e a quem tinha deixado para trás lá em Fields, quando foram pegar o novo computador. Pensou em Jim e Tommy, que faziam serviços sem nota por baixo dos panos, junto com ele. Alguém do trabalho deve ter falado. Ódio e medo se misturaram dentro dele gerando uma reação explosiva.
Correu até o pé da escada e gritou:
— Vocês dois! Desçam aqui AGORA!
Ruth continuava tapando a boca com a mão. Simon sentiu uma von¬tade sádica de dar um tapa naquela mão e dizer a ela que se controlasse, afinal de contas, era ele que estava na merda.
Andrew entrou na sala primeiro, e Paul veio logo atrás. Andrew viu as insígnias do Conselho Distrital de Pagford na tela do computador e a mãe, ta¬pando a boca com a mão. Andando pelo tapete velho, com os pés descalços, teve a sensação de estar caindo vertiginosamente num elevador quebrado.
— Alguém andou falando sobre coisas que comentei aqui dentro de casa — disse Simon, encarando os filhos.
— Quem foi que contou que ficamos com um computador roubado? — perguntou Simon.
— Eu não fui — disse Andrew.
Paul olhou para o pai, com os olhos arregalados, sem entender, tentan¬do processar a pergunta. Andrew queria que o irmão falasse. Por que tinha que ser tão lento?
— E? — grunhiu Simon.
— Eu acho que não...
— Você acha que não? Você acha que não contou a ninguém?
— É, eu acho que não contei a nin...
— Ah, isso é interessante — retrucou Simon, andando de um lado para o outro na frente de Paul. — Muito interessante.
Com um tapa, fez o livro de exercícios de Paul sair voando de suas mãos.
— Tente se lembrar, seu merda — exclamou ele. — Tente se lembrar, porra! Você contou a alguém que ficamos com um computador roubado?
— Roubado, não — respondeu Paul. — Não contei a ninguém... Acho que não contei a ninguém nem que tínhamos um computador novo.
— Sei — disse Simon. — Então essa informação se espalhou como num passe de mágica, foi isso?
Ele apontava para a tela do computador.
— Alguém falou, porra! — gritou ele. — Está na porra da internet! E vou ter muita sorte se eu... não... perder... meu... emprego!
A cada uma dessas cinco palavras, ele dava um soco na cabeça de Paul. O garoto se encolhia e olhava para o chão. Um líquido escuro escorria da sua narina esquerda. Ele tinha sangramentos nasais várias vezes na semana.
— E você? — berrou Simon para a mulher, que ainda estava paralisada ao lado do computador, com os olhos esbugalhados por trás dos óculos, a mão grudada na boca como uma mordaça. — O que você andou fofocando por aí, porra?!
Ruth conseguiu falar.
— Nada, Si — sussurrou ela. — Quero dizer, a única pessoa para quem eu contei que tínhamos um computador novo foi a Shirley, e ela nunca...
Sua burra! Que porra de mulher burra! Por que você tinha que contar isso pra ele?
— Você fez o quê? — perguntou Simon, baixinho.
— Contei para a Shirley — disse Ruth, choramingando. — Mas não disse que era roubado, Si. Só disse que você tinha trazido um computador para casa...
— Só isso?! Foi só essa merda que você disse a ela?! — rosnou Simon, e em seguida começou a gritar. — O babaca do filho dela está concorrendo à eleição. É claro que ela vai querer ter algo contra mim, porra!
— Mas foi ela que me contou sobre a mensagem no site ainda agora, ela não teria...
Ele avançou na direção de Ruth e lhe deu um tapa na cara, como queria ter feito desde que viu aquela sua expressão abobalhada e assustada. Os óculos dela voaram pelo ar e se espatifaram na estante. Ele a acertou outra vez, com um soco que a fez desabar sobre a mesa do computador que ela tinha comprado, toda orgulhosa, com seu primeiro salário no Hospital Geral South West.
Andrew tinha feito uma promessa a si mesmo. Parecia se mover em câmera lenta, e tudo à sua volta era frio, pegajoso e levemente irreal.
— Não bata nela — disse ele, colocando-se entre os pais. — Não...
Com o lábio cortado pelos próprios dentes, sob o impacto do soco de Simon, ele caiu para trás, por cima da mãe, que estava sobre o teclado. Simon lhe deu outro soco, acertando o braço do filho, que protegia o rosto. Andrew tentava se levantar e sair de cima da mãe. Simon estava completamente louco, batendo neles onde quer que pudesse atingi-los.
— Não me diga o que fazer, porra, não me diga o que fazer, seu merdinha covarde, seu zero à esquerda cheio de espinhas...
Andrew caiu de joelhos, deixando o caminho livre, e Simon lhe deu um chute nas costelas. O garoto ouviu o irmão dizer de maneira patética “Para com isso!”. O pai levantou a perna para chutar novamente as coste¬las de Andrew, mas ele se esquivou. O pé de Simon acertou em cheio os tijolos da lareira e, de repente, de forma inacreditável, era ele que estava urrando de dor.
— Qualquer um poderia ter falado sobre o computador — disse Andrew, ofegante, preparado para mais violência. Sentia-se com mais coragem agora que tinha começado, agora que a briga estava acontecendo de verdade.
— Você disse que um dos seguranças tinha ficado ferido. Qualquer um poderia ter fala¬do. Não fomos nós...
— Não me... Seu merdinha... Quebrei a porra do dedo — arquejou Si¬mon, caindo sentado numa poltrona, ainda segurando o pé. Parecia estar esperando alguma compaixão.
Andrew se imaginou pegando uma arma e atirando na cara do pai, vendo suas feições explodirem e os seus miolos se espalharem pela sala.
Uma chuvinha miúda de primavera batia na janela, e a grama escura reluzia com minúsculos pontinhos avermelhados de luz. Howard chegava a tremer e monopolizava todo o calor que emanava do carvão artificial. Por vários dias, quase todo cliente da delicatéssen e do café falava sobre os posts anônimos, sobre o Fantasma de Barry Fairbrother e sobre a explosão de Parminder Jawanda na reunião do Conselho. Howard odiava que todos agora estivessem comentando o que ela lhe disse, aos berros. Pela primeira vez na vida, não se sentia à vontade na sua loja e estava preocupado com a sua reputação antes inabalável em Pagford. A eleição para a substituição de Barry Fairbrother no Conselho aconte¬ceria no dia seguinte, e, se antes isso o deixava animado e otimista, agora gerava preocupação e nervosismo.
— Toda essa história causou um mal enorme. Um mal enorme — repetia ele.
"

Nenhum comentário :

Postar um comentário