13/02/2013

O lado bom da rejeição


O REI DO FRACASSO Jia Jiang, antes de um de seus desafios. Ele faz pedidos incomuns a estranhos e publica vídeos das cenas de rejeição (Foto: Elizabeth Weinberg)Para se tornar um “especialista em rejeição”, título com que se apresenta a seus leitores, o blogueiro chinês Jia Jiang começou cedo. Quando ele tinha 6 anos, um professor de sua escola primária em Pequim teve uma ideia criativa para entrosar seus alunos. Todos ficaram de pé e caminharam para a frente da sala. Lá, cada um deveria escolher um colega e elogiá-lo publicamente. Depois disso, todos aplaudiriam o elogio, e o elogiado poderia se sentar. O exercício parecia divertido no começo. Logo se mostrou traumático – ao menos para Jiang. Gordinho e tímido, ele foi o penúltimo a ser escolhido entre os 40 garotos da sala. “Foi muito humilhante. Senti que a sala inteira havia me rejeitado”, diz.

Apesar da falta de tato do professor, Jiang acabou tendo uma boa experiência escolar. Filho de um professor e uma contadora, estudou nos melhores colégios da cidade. Aos 14 anos, depois de assistir a uma palestra de Bill Gates, decidiu mudar-se para os Estados Unidos e se tornar um empreendedor. Foi para lá aos 16 anos, terminou a faculdade e conseguiu um emprego no gigante de informática Dell. Em julho do ano passado, abandonou o emprego, com um salário de quase US$ 100 mil por ano, para criar seu próprio negócio – o Hooplus, uma rede social em que amigos fazem promessas e se cobram. Ao procurar investidores para financiar sua empresa, Jiang reviveu sua experiência dolorosa com a rejeição na infância. “Quando um grande investidor se recusou a apostar em meu negócio, foi como se Papai Noel tivesse aparecido a minha frente, dissesse que não existe e levasse embora todos os meus presentes”, diz Jiang. “Pensei em desistir de tudo depois disso. Não estava disposto a passar por essa mesma decepção outras vezes.”


Se desistisse de seu projeto para escapar de mais uma rejeição, Jiang dificilmente seria alvo de críticas. Contaria até mesmo com o respaldo da ciência. Os resultados de uma pesquisa feita em 2011 por professores da Universidade de Michigan sugerem que a maneira como o cérebro reage à rejeição social é semelhante a sua reação à dor física – e, em condições normais, ninguém quer se machucar. Mas Jiang decidiu lidar com a dor de maneira pouco ortodoxa. Apoiado por sua mulher, resolveu aderir à terapia da rejeição, um obscuro jogo social criado pelo empresário canadense Jason Comely. As regras são simples. Os participantes devem criar metas absurdas, tentar (em vão) atingi-las e sofrer pelo menos uma rejeição por dia. O método costuma ser usado por rapazes tímidos que querem perder a vergonha de se aproximar de garotas. No caso de Jiang, casado e pai de um filho, o objetivo principal era parar de sofrer com os fracassos e se tornar um bom negociador. Para não ter como fugir do compromisso, ele decidiu atualizar diariamente um blog com vídeos de suas rejeições. O site, chamado “100 days of rejection challenge” (Cem dias de desafio da rejeição), serviria para que seus amigos fiscalizassem sua promessa – algo semelhante ao que faria a malfadada rede social criada por Jiang.

767 a mensagem internet (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
O primeiro vídeo não parecia promissor. Jiang caminha até um completo desconhecido e pede US$ 100 emprestados. Diante da recusa de seu alvo, ele trava e não consegue argumentar. Em seguida, agradece e vai embora. Mesmo assim, foi o suficiente para que alguns leitores do blog se empolgassem com a ideia e o encorajassem a continuar. “Sua ideia é incrível”, disse um de seus fãs na área de comentários do vídeo. “Ao final dos 100 dias, você estará tão famoso que poderá pedir por US$ 1 milhão e uma casa.” A fortuna ainda não chegou, mas os vídeos do simpático chinês rejeitado ganharam uma aceitação surpreendente. Alguns deles ultrapassaram os 5 milhões de acessos. Os desafios são inusitados. Jiang já pediu para jogar futebol no quintal de um estranho, cortar o cabelo num pet shop, sentar no banco do motorista de um carro de polícia e devolver um presente para o Papai Noel pelo correio (leia no quadro abaixo). Os leitores de seu blog são convidados a dar sugestões para os próximos desafios. Só não valem pedidos ligados a sua vida amorosa. “Se fizer isso, a próxima a me rejeitar será minha mulher”, disse Jiang, em resposta a um leitor que o instigara a abordar mulheres desconhecidas na rua.

As lições de um rejeitado (Foto: reprodução)

A popularidade crescente de Jiang na internet acompanhou algumas mudanças em sua personalidade. A timidez dos primeiros vídeos deu lugar a uma cara de pau que despertaria inveja em muitos malandros ocidentais. Sem medo de ser rejeitado, Jiang insiste, conta piadas e convence os interlocutores com sua lábia. Após algumas tentativas, passou até a conseguir convencer estranhos a aceitar seus pedidos exóticos – um fracasso, para quem tinha a missão de ser rejeitado. Num de seus vídeos mais populares, a atendente de uma loja de donuts se convence de que era possível fabricar rosquinhas com o formato do símbolo das Olimpíadas. Quinze minutos depois, Jiang ganhou os doces sem pagar nada. “Quando você quer ser rejeitado uma vez por dia, acaba adquirindo muita prática na arte de conversar com estranhos”, diz Jiang. “Por dentro, continuo o mesmo. Mas estou me comunicando muito melhor.”
Exemplos como o de Jiang não são suficientes para convencer os cientistas. Blogs desse tipo recebem críticas por recomendar tratamentos psicológicos alternativos sem nenhum embasamento teórico. “São opiniões de um leigo”, afirma a psicóloga Roseli Goffman, do Conselho Federal de Psicologia. “Em vez de entrar nesse tipo de desafio, é muito mais recomendável usar a internet para buscar um especialista.” Para ela, seguir os conselhos de Jiang pode atrapalhar, em vez de ajudar. “Quem já tem problemas com a rejeição pode se sentir ainda mais rejeitado.”

Apesar da falta de respaldo teórico para seu método, Jiang passou a se intitular um “especialista em rejeição”. Diariamente, recebe mensagens de fãs, que buscam conselhos para superar a rejeição ou agradecem por suas lições. Eles vêm de diversos países – menos da China, sua terra natal, onde o YouTube é bloqueado e não é possível ver seus vídeos. Para Jiang, as lições fazem falta aos chineses. “Tenho a impressão de que os chineses levam a rejeição muito a sério. Eles são mais duros consigo mesmos”, diz. O conselho de Jiang a seus conterrâneos e a seus milhares de seguidores mundo afora é jamais interpretar a rejeição de um pedido como algo pessoal. “Uma rejeição é apenas uma opinião de outra pessoa, preocupada com o que é melhor para ela”, diz. “Podemos ser rejeitados por inúmeros motivos, e a grande maioria deles não tem a ver com nossa personalidade, capacidade ou aparência. É preciso reconhecer que a rejeição é uma parte natural da vida.”

Se, originalmente, a terapia da rejeição era uma maneira de recuperar a autoestima para buscar investimentos para sua empresa, a enorme repercussão de seus vídeos pode levar Jiang a abandonar seus planos iniciais. “Não dá para ignorar que meu blog chamou muito mais a atenção do que meu projeto de rede social”, diz Jiang. “O maior desafio de um empreendedor é encontrar um mercado. Descobri que o medo da rejeição incomoda muitas pessoas e acho que tenho uma solução para esse problema.” Jiang ainda não tem certeza de como ganhará a vida como especialista em rejeição, mas diz que já sabe por onde começar. Quer escrever um livro sobre sua experiência ainda este ano. Também dará continuidade ao blog em outro formato, para atingir ainda mais fãs com seus conselhos. “Descobri que a rejeição não é um monstro que devamos temer. Aprendi a encará-la com naturalidade e quero transmitir isso para outras pessoas.” Se o plano der certo, será outro inesperado êxito em sua trajetória repleta de objetivos absurdos. Se der errado, será apenas mais uma entre dezenas de rejeições no currículo de um homem que aprendeu a não se importar com elas.
Revista Época

Nenhum comentário :

Postar um comentário