Duas semanas e meia chegam para conhecermos um Papa e sabermos do que é capaz?
Francisco é Papa e foi eleito a tempo da Páscoa, como desejava o Vaticano e ansiavam os católicos. Roma sem bispo por estes dias não seria Roma, dizia-se na cidade nas primeiras semanas de Março. É Páscoa: para o Papa, isso significa cumprir tradições, executar ritos milenares, prostrar-se no chão para celebrar a paixão e a morte de Jesus, percorrer a Via-Sacra no Coliseu.
Francisco é Papa e na quinta-feira o Papa lava e beija pés e assim fez Francisco. Este Papa saiu do Vaticano para o fazer; foi até às periferias em vez de abrir as portas do Vaticano a quem habita nelas para depois as voltar a fechar. Lá, numa casa-prisão de Roma, lavou os pés a duas jovens, uma delas muçulmana, e isso já não é assim tão habitual. Foi a direcção do Casal del Marmo que teve a ideia de incluir duas mulheres no grupo de jovens, o Vaticano só disse que não tinha problemas com isso.
Bergoglio é Papa há duas semanas e meia. Ainda não fez nada. "É preciso esperar pelas próximas semanas e pelos próximos meses. Falta conhecer o seu governo e falta o seu programa de governo", repete várias vezes Gianpaolo Romanato, professor de História da Igreja Moderna e Contemporânea, numa conversa ao telefone.
Romanato sabe que Bergoglio ainda não fez nada e que já fez tanto, de tal forma que duas semanas e meia chegam para poder traçar o seu perfil. E é o professor da Universidade de Pádua que interrompe um raciocínio por se lembrar disto: "Um gesto muito significativo foi não ter querido ir viver para o apartamento pontifício, isso é muito relevante. É ele a dizer "não quero isolar-me na solidão do Vaticano, quero continuar em contacto com a Igreja que vive". Bento XVI também ficou em Santa Marta alguns meses quando foi eleito, enquanto se procedia a reparações no apartamento, mas esta parece uma decisão mais radical."
Romanato sabe que Bergoglio ainda não fez nada e que já fez tanto, de tal forma que duas semanas e meia chegam para poder traçar o seu perfil. E é o professor da Universidade de Pádua que interrompe um raciocínio por se lembrar disto: "Um gesto muito significativo foi não ter querido ir viver para o apartamento pontifício, isso é muito relevante. É ele a dizer "não quero isolar-me na solidão do Vaticano, quero continuar em contacto com a Igreja que vive". Bento XVI também ficou em Santa Marta alguns meses quando foi eleito, enquanto se procedia a reparações no apartamento, mas esta parece uma decisão mais radical."
Para o professor Romanato, "saber onde irá viver o Papa será um sinal muito importante". "É preciso esperar para perceber se continuará ali, se acabará por se mudar para o Palácio Apostólico ou se escolherá viver mesmo fora do Vaticano, como alguns em Roma parecem acreditar."
Mudar a Igreja pelo exemplo é o que Francisco parece determinado a fazer. Sendo ele próprio. Vestindo de branco e não calçando vermelho, falando como sempre falou, com palavras que se entendem, provocando sorrisos e gargalhadas, andando entre a gente para ser cumprimentado pelos fiéis mais do que para os cumprimentar, pedindo aos outros pecadores que rezem por ele.
Nota Romanato que ainda não sabemos "com que plataforma de governo foi eleito", "nem sequer quantos votos" reuniu no conclave. Mas sabemos, por exemplo, com que palavras aceitou a escolha. "Eu sou um grande pecador, confiando na misericórdia e paciência de Deus, no sofrimento, aceito." Sabemos pouco, mas o que sabemos bate certo. Como um Papa que pede permanentemente aos fiéis que rezem por ele ter começado por se afirmar "um grande pecador".
Como faz sentido um Papa que, na sua audiência aos jornalistas, três dias depois da eleição, disse desejar "tanto ter uma Igreja pobre e para os pobres" ter defendido, durante as congregações gerais que antecedem o conclave, que os padres que se limitam a ser "colecionadores de antiguidades" são "tristes", pedindo a todos que rezem por eles.
Alegria doce
"Simplificando, há duas imagens da Igreja: a Igreja evangelizadora que sai de si própria, a Dei verbum religiose audiens et fidenter proclamans; ou a Igreja mundana que vive em si própria, de si própria e para si própria. [...] Pensado no próximo Papa: um homem que, a partir da contemplação de Jesus Cristo e da adoração de Jesus Cristo, ajude a Igreja a sair de si própria para as periferias existenciais, que a ajude a ser a mão fecunda que vive "a doce e reconfortante alegria da evangelização"", disse Bergoglio numa intervenção entretanto revelada por Jaime Ortega, arcebispo de Havana, que pediu o texto ao colega e agora o publicou no site da Igreja cubana.
"Simplificando, há duas imagens da Igreja: a Igreja evangelizadora que sai de si própria, a Dei verbum religiose audiens et fidenter proclamans; ou a Igreja mundana que vive em si própria, de si própria e para si própria. [...] Pensado no próximo Papa: um homem que, a partir da contemplação de Jesus Cristo e da adoração de Jesus Cristo, ajude a Igreja a sair de si própria para as periferias existenciais, que a ajude a ser a mão fecunda que vive "a doce e reconfortante alegria da evangelização"", disse Bergoglio numa intervenção entretanto revelada por Jaime Ortega, arcebispo de Havana, que pediu o texto ao colega e agora o publicou no site da Igreja cubana.
Ainda só passaram duas semanas e meia desde a eleição, mas Francisco surge desde o primeiro momento como alguém determinado a agir segundo o que prega. "Uma coisa que me surpreendeu positivamente é a segurança que este homem demonstrou, logo quando apareceu à varanda. Surgiu muito seguro, tranquilo. Não era um homem atrapalhado pela eleição, mas um homem muito seguro de si mesmo", diz Romanato.
Desde que o viu, "seguro", à varanda, o professor já lhe ouviu e viu palavras e gestos suficientes para poder dizer com certezas que Francisco trará, pelo menos, dois níveis de mudanças, uma de estilo e outra de magistério. "A mudança de estilo nasce da índole e do carácter da pessoa. Ratzinger era mais reservado, mais austero, provavelmente mais tímido, menos inclinado à relação com os fiéis. Francisco é mais aberto, mais espontâneo, tem uma maior atitude de pastoralidade no dia-a-dia, e isso já é evidente", explica. "Depois, trata-se de um homem que, sendo também um teólogo, porque um jesuíta é sempre um teólogo, será menos teólogo do que Ratzinger no sentido em que é muito mais virado para a concretização da relação com os fiéis, e isso também é visível já, com as primeiras homilias".
Mudança energética
Por saber está então tudo o resto. "É muito difícil prever que mudanças vai realizar no governo pontifício e na Cúria romana. Aí está tudo por fazer e é difícil prever. A forma de governo depende também dos acordos com os cardeais, do que foi dito dentro do conclave, da hipótese de governo com que foi eleito, e sobre isso não houve indiscri? ?ões", diz Romanato.
Por saber está então tudo o resto. "É muito difícil prever que mudanças vai realizar no governo pontifício e na Cúria romana. Aí está tudo por fazer e é difícil prever. A forma de governo depende também dos acordos com os cardeais, do que foi dito dentro do conclave, da hipótese de governo com que foi eleito, e sobre isso não houve indiscri? ?ões", diz Romanato.
Mas podemos saber que, nas congregações e no conclave, "muitos pediram uma mudança energética" e também que "esta é uma instituição pronta para a mudança". "Os últimos meses de Bento XVI foram marcados pelo episódio do corvo, a fuga de documentos do apartamento pontifício; e pelo terramoto do IOR [Instituto para as Obras Religiosas, banco do Vaticano] e isso não foi resolvido, mudou-se a pessoa [o presidente], mas não se mudou a função do IOR", recorda o professor.
Estar em São Pedro na noite da eleição, continuar por ali nos dias seguintes, foi ver nascer uma enorme expectativa. Sacerdotes, leigos, funcionários do Vaticano, italianos, argentinos, angolanos ou norte-americanos, muitos dos que ali puderam ver Bergoglio à varanda, ouvir as suas primeiras palavras e as primeiras homilias, pareciam prontos a renascer com ele, a renovar a sua fé e a sua esperança. De Francisco espera-se tudo. Porque sucede ao Papa que renunciou depois dos escândalos e no meio da crise, porque se apresentou vindo "do fim do mundo" a prometer aquilo que tantos pediam: uma Igreja dos pobres, dos marginalizados, despojada de adereços caros e pesados, uma Igreja leve e próxima, sem medo da ternura.
Desejo no coração
Os indefectíveis que conquistou de imediato esperam tudo, os críticos exigem pelo menos tanto. María José Rosado Nunes, católica e académica que fundou e dirige as Católicas pelo Direito de Decidir no Brasil, quer que "Bergoglio chame um terceiro Concílio Vaticano com a mais alargada participação", disse numa entrevista ao jornal argentino Página/12. "Um concílio aberto a receber as contribuições dos peritos laicos sobre as questões candentes do mundo actual: a desigualdade económica e social, a opressão racial e do género, os desafios de um desenvolvimento sustentado e uma nova compreensão da sexualidade e da tecnologia reprodutiva."
Os indefectíveis que conquistou de imediato esperam tudo, os críticos exigem pelo menos tanto. María José Rosado Nunes, católica e académica que fundou e dirige as Católicas pelo Direito de Decidir no Brasil, quer que "Bergoglio chame um terceiro Concílio Vaticano com a mais alargada participação", disse numa entrevista ao jornal argentino Página/12. "Um concílio aberto a receber as contribuições dos peritos laicos sobre as questões candentes do mundo actual: a desigualdade económica e social, a opressão racial e do género, os desafios de um desenvolvimento sustentado e uma nova compreensão da sexualidade e da tecnologia reprodutiva."
O jornalista e ex-sacerdote Juan Arias sabe que o Papa que quer "tanto uma Igreja pobre" pode ter de "continuar a viver com esse desejo utópico no coração, por mais que ele continue a demonstrar pessoalmente que a Igreja deveria ser pobre, para além de ser servidora dos pobres". Mas Arias ouviu Bergoglio e ouviu uma frase "que entranha uma revolução". Quando Francisco a disse, o espanhol lembrou-se de uma conversa com um jovem universitário brasileiro que lhe perguntou "se sabia por que é que não se exigia ao clero regular o voto de pobreza, enquanto se exige o celibato, sob pena de não poder ser ordenado", e depois escreveu um texto no jornal El País: "Poderia o Papa Francisco exigir ao clero o voto de pobreza?".
Com todas as reservas, Romanato não esquece que, "nos discursos que fez até agora, o Papa tocou sempre esse ponto", pelo que "é expectável que faça qualquer coisa nessa direcção". "O tom está dado, os discursos estão feitos e o modo de se apresentar; os gestos, esses, estão feitos e não deverão mudar. Tudo o que ele fez até agora aponta nesta direcção, no sentido de uma Igreja mais pobre, mais humilde e despojada, capaz de viver com a gente, ao serviço das pessoas", diz.
Um malabarismo?
"O que ainda não sabemos é o que é que ele poderá fazer para conseguir que a Igreja tenha esse estilo de vida mais sóbrio. Para lá do exemplo pessoal que dará, não sabemos que disposições poderia tomar para construir uma Igreja menos triunfalista", afirma o professor de Pádua. Não sabemos o que quer fazer ou o que poderá fazer? "Sobretudo não sabemos o que possa fazer."
"O que ainda não sabemos é o que é que ele poderá fazer para conseguir que a Igreja tenha esse estilo de vida mais sóbrio. Para lá do exemplo pessoal que dará, não sabemos que disposições poderia tomar para construir uma Igreja menos triunfalista", afirma o professor de Pádua. Não sabemos o que quer fazer ou o que poderá fazer? "Sobretudo não sabemos o que possa fazer."
"Às vezes, pergunto-me por que a Igreja considera tão grave que um sacerdote possa ter uma família e exercer igualmente o seu ministério, enquanto lhe parece normal, já que não se exige como condição indispensável para o sacerdócio, que possa ser "rico" e, por vezes, viver "como rico"", escreve Juan Arias. "A Igreja obriga o clero a ser célibe e já vivemos o drama dos milhares de meninos violados pelo clero. Poderia o Papa fazer um malabarismo: libertar o clero secular da obrigatoriedade do celibato, uma prática que não existia nos primeiros séculos do cristianismo, quando sacerdotes, bispos e papas estavam casados, e obrigá-los, isso sim, a "fazer voto de pobreza"?", pergunta o espanhol.
"Pobreza, pobreza, pobreza, é isso que ele tem dito", responde Romanato. Arias também ensaia uma resposta à sua própria interrogação: "Às tantas, essa loucura acabará por ocorrer ao novo Papa chegado a bispo de Roma como o seu voto de pobreza vivido "com os pobres", já que se de alguma coisa nunca foi acusado o cardeal argentino que chegou a Papa é de se ter desinteressado dos pobres e dos doentes, que foram sempre os seus preferidos".
©Sofia Lorena|Público|31/março/2013
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