Assim como Paulo VI, Francisco acredita em uma Igreja em 'diálogo com o mundo', em vez de condená-lo ou de se afastar dele com horror.
'É hora de sair e agir para falar àqueles que não ouviram nada'
Por Jean-Pierre Denis
Teria o Espírito Santo, em sua insondável fantasia, induzido os cardeais a elegerem um papa anticlerical? Esta pergunta me ocorre após ter lido atentamente os dois discursos feitos ao episcopado brasileiro, um, e, ao latino-americano, o outro, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Cáustico, estimulante, crítico, Francisco se vê sem ilusão nem concessão. O argentino não faz nada neste tecido que agradasse ao bávaro. Ele maneja a madeira verde rapidamente, embora metodicamente, de alto a baixo e da esquerda à direita. E é a Igreja que fala por todos, não o mundo.
Por muito tempo, nós nos habituamos a ver os papas denunciarem “a ideologização da mensagem evangélica” e uma ação social que esquece o anúncio da fé. Francisco rejeita isso com o mesmo vigor que o “clericalismo”. Ele faz troça de uma Igreja que se esqueceu de ser serva para se fazer “controladora”; ele critica o sonho de uma “restauração”, esse recurso enganoso “de condutas e formas ultrapassadas que não têm nem mesmo culturalmente a capacidade de serem significativas”.
Por mais engraçado que seja, este novo catálogo das tentações pode parecer estéril. Mas não é. Porque este Papa tem uma visão. E desta visão, que ele desenvolve em pequenas pinceladas em suas homilias diárias na Casa Santa Marta, no Vaticano, ele deu, no Rio, uma verdadeira coerência. Mas também uma força capaz de sacudir três milhões de pessoas reunidas na praia de Copacabana e de tirar da inércia esses mais de um bilhão de fiéis dos quais ele quer ser o pároco.
O papa Francisco reconcilia-se explicitamente com as grandes intuições que marcaram o pontificado de Paulo VI, há meio século. Das primeiras palavras da Gaudium et Spes, o texto mais caro e controverso do Concílio Vaticano II, ele quer fazer "a base do diálogo" com o mundo. Estas célebres palavras são as seguintes: "As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo".
Assim como Paulo VI, Francisco acredita em uma Igreja em "diálogo com o mundo" em vez de condená-lo ou de se afastar dele com horror. Mas ele acrescenta o seu próprio toque. Às "pastorais disciplinares que privilegiam os princípios, as condutas e os procedimentos organizacionais", este homem carnal e tátil sob sua aparência ascética pretende opor o afago evangélico e a "revolução da ternura". Da cabeça, o catolicismo desce ao coração e ao corpo. Necessitamos, diz seu líder, de "uma Igreja capaz de redescobrir as entranhas maternas da misericórdia".
Mas, não nos enganemos! Assim como este anticlericalismo virulento pode ser útil para um grande projeto de evangelização, a revolução da misericórdia será uma revolução missionária ou não será nada. O papa clama por "uma Igreja que não tem medo de entrar na noite das pessoas” para responder às questões existenciais dos seres humanos contemporâneos e ajudá-los a ter novamente a coragem de crer. O anúncio da fé não pode mais ser feito de maneira passiva e abstrata, esperando de braços cruzados nas sacristias e nos presbitérios. É hora de sair e agir para falar àqueles que há muito tempo não ouviram nada, mas que têm, no entanto, um ouvido: “Vão, sem medo, para servir!”, disse Francisco aos jovens. Essa mensagem simples, explícita, direta, cada católico deve ouvir. E cada cristão pode fazê-la sua, independente de qual seja a sua Igreja.
La Vie, 01-08-2013.
Dom Total
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