A casa de leilões Christie´s foi contratada para avaliar o patrimônio artístico da cidade
"O vendedor de frutas", de Caravaggio, 1620 (Foto: Arquivo) |
Por Marco Lacerda*
A pergunta paira no ar como um ameaça. Detroit deve vender sua coleção de arte para pagar a dívida de US 18 bilhões que levou a cidade à bancarrota?
A coleção do DIA (Detroit Institute of Arts) não é muito grande, mas inclui obras insubstituíveis de Brueghel, Caravaggio, Rembrandt, Van Gogh e Matisse, entre outros grandes mestres.
Alguns especialistas garantem que a venda pode gerar algo em torno de US 2,5 bilhões, que aliviariam parte dessa cifra assustadora. Quanto vale um Caravaggio. No mundo existe um ou dois em mãos privadas.
Qual é o preço de um Brueghel, cujos quadros de primeira linha há tempos desapareceram do mercado? Tomem como base a tela ‘O vinho da festa de San Martín, de Brueghel, adquirido pelo Museu do Prado, de Madrid, em 2010, Por sete milhões de euros.
Sem dúvida uma quantia muito abaixo do seu valor de mercado graças à sua condição de inexportável . E o melhor Rembrandt, quanto custa? 60 milhões, 80 milhões de euros?
O que a princípio parecia uma decisão remota, impensável, está deixando de ser. A preocupação chegou a Detroit ao vir a público que Devyn Orr, nomeado administrador de emergência da cidade, acaba de contratar por US 200 mil, a casa Christie´s de leilões para avaliar a coleção do DIA.
Kevin Orr tenta de amenizar o susto e assegura que a coleção não está a venda. “Nunca existiu nem existe no momento nenhum plano de vender arte. A avaliação de todos os ativos de que a cidade dispõe é parte de um processo integral de reestruturação”, diz o gestor municipal. Seja como for, definir Caravaggio como um desses “ativos” não deixa de gerar inquietação.
A arte é intocável?
Na verdade, ninguém pode assegurar que a coleção está a salvo. Primeiro, por causa da pressão que tem exercido sobre ela um batalhão de credores que vêem nessas telas uma forma segura e rápida de recuperar seus investimentos. Segundo, pelo que relatou Bill Nowling, porta-voz do próprio Kevyn Orr em entrevista ao New York Times: “É muito duro dizer a um pensionista do Estado que sua aposentadoria será reduzida em 30%, mas que o patrimônio artístico da cidade é intocável”.
Além do mais, nem com a venda de toda a pinacoteca de Detroit os problemas seriam resolvidos. E mais: como isso repercutiria no turismo (a cidade recebe 600 mil visitantes por ano) ou no mercado imobiliário? Como reagiriam os doadores de obras e seus herdeiros? Pediriam as peças de volta? Samuel Sachs, que foi diretor do DIA, se pergunta: “Se pudéssemos vender os hospitais e as universidades de Detroit também o faríamos?”.
Verdade seja dita, o tempo presente não tem o direito de acabar com o passado. Não é justo pedir a Caravaggio, Brueghel ou Rembrandt que lavem os pecados da avareza financeira ou da desaforada especulação imobiliária dos nossos dias. Ou seria?
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