06/08/2013

O que era sussurro agora é grito de guerra

As lições de austeridade do papa Francisco desafiam a ala conservadora do Vaticano.

Por Lúcia Magi*

"Ele me pareceu uma pessoa afável e humilde e logo me fez sentir-me à vontade. Mas é muito exigente, também. Quer que façamos esforços e mudanças radicais em nossas vidas”, diz Marcelo Galeano, argentino de 23 anos, um dos 12 jovens que almoçaram com o pontífice durante a Jornada Mundial da Juventude realizada no Rio. 

O primeiro papa latinoamericano não fica encima do muro na hora de exigir mudanças de postura em seu rebanho. Quer uma igreja austera, justa, exemplar. Mas se, por um lado, o comportamento afetuoso de Francisco e seu convite para que os católicos se abram aos pobres e lutem pela justiça tocou milhões de jovens como Galeano, por outro suas declarações ecoaram a 7 mil km de distância, do outro lado do Atlântico. Caíram como uma bomba nos palácios romanos da Santa Sé.

A pregação de Francisco é clara. “Os bispos têm de ser homens que amem a pobreza, seja a pobreza interior, como liberdade diante do Senhor, seja a exterior, como simplicidade e austeridade de vida. Homens que não tenham a psique de príncipes”. Suas declarações sobre os gays – “Quem sou eu para julgá-los”? – e sua defesa da laicidade do Estado são palavras novas em forma e substância. Os cardeais que o elegeram esperavam por isto?

Obstáculos e armadilhas

As afirmações feitas durante uma entrevista coletiva aos 70 jornalistas a bordo do avião que o levou de volta a Roma atingiram como uma flecha o centro da cristandade. Enquanto sua atitude, no Rio, cativou fiéis de todas as idades, origens e extratos sociais, no Vaticano ninguém escondia a inquietação. “Os conservadores da Cúria sabem que seu reinado chegou ao fim”, avalia Paolo Rodari, vaticanista do jornal La Repubblica. 

Os analistas concordam em que, depois de um verão sem veraneio para Mario Bergoglio – ele renunciou às habituais férias no luxuoso Castel Gandolfo –, começará a guerra contra uma igreja burocratizada, barroca em sua organização, pouco transparente e ineficaz. Uma batalha que é o principal legado entregue ao novo sucessor de Pedro pelo conclave que o escolheu. 

“No caminho haverá obstáculos”, prevê Sandro Magister, que publicou recentemente, no semanário L´Espresso, uma ampla reportagem sobre o passado recheado de escândalos sexuais de um certo monsenhor Battista Ricca, nomeado para o controlar o banco do Vaticano, o que a acabou se transformando numa maçã envenenada para o novo pontífice.

Faxina geral  

Na Casa Santa Marta, a residência que escolheu para viver, renunciando aos amplos salões do Palácio Apostólico, há dois elevadores. Um é reservado para Sua Santidade, o outro para os demais hóspedes. Francisco sobe constantemente até o segundo andar, onde empregados e monsenhores comentam os problemas no desempenho de suas funções, passam-lhe informações e algumas vezes relatos de maior gravidade. “Ele recolhe os recados por escrito ou os memoriza”, conta Giovanna Chirri, especialista em Santa Sé da agência italiana Ansa. Um jesuíta perfeito, dizem: escuta todo mundo, mas no final decide sozinho. E rápido.

Com a chegada de Francisco, de suas manifestações e, sobretudo, do seu bisturi, são dois, no momento, os setores que mais tremem: a Cúria, que será submetida a uma cirurgia de emagrecimento e o Banco do Vaticano (o Instituto para Obras Religiosas, IOR), símbolo de trambiques financeiros que o pontífice mandou investigar mal asentou-se na cátedra de Pedro. A instituição poderá inclusive desaparecer.

Lobby e traição

Postos de trabalho serão extintos no tropel de funcionários, secretários e chefes que integram o governo central do reino de Deus na terra. “Primeiro, será eleito um novo secretário de Estado. Entre os titulares dos ministérios haverá reposições e aposentadorias sem direito a substituições”, diz Paolo Rodari. Este “jogo da torre” – observar quem cai e quem fica – será como colocar as cartas na mesa. Um dos candidatos a sair de cena é o secretário de Estado Tarcisio Bertone e certos cardeais italianos. Todos estão com os dias contados.

“É certo que haverá expurgos. O que não se sabe é se os atingidos cairão disparando ou sem resistência. Francisco tem margem de autonomia, mas não há dúvida de que encontrará oposição e armadilhas”, garante Sandro Magister. 

O papa explicou, por exemplo, que, como manda o Direito Canônico, determinou uma investigação prévia sobre Battista Ricca, mas nada foi encontrado, sequer uma prova que desmentisse os escândalos que pesam sobre o monsenhor. “Trata-se de um caso que teve a participação de um lobby traiçoeiro, um grupo de poder que, para forçar Francisco a tropeçar, ocultou-lhe informações”, garante Magister.
*Lucia Magi é correspondente do El País em Roma. Tradução: Marco Lacerda
Dom Total

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