Padre José Fernandes De Oliveira*
Neste domingo - vigésimo primeiro do tempo comum, Jesus nos
ensina que a salvação cristã não é um direito adquirido, mas uma generosa
resposta ao dom oferecido por Deus. Não está, por isso, reservada somente aos
que se tornam verdadeiros discípulos seus, mas a todos. Jesus está a caminho de
Jerusalém, passa por cidades e vilas e seguido por um grande número de pessoas.
Não segue calado, mas vai catequizando aos que o seguem. De repente, alguém do
meio da multidão lhe faz uma intrigante pergunta: "Senhor, é verdade que
são poucos os que se salvam?". A pergunta não deixa de ser oportuna, mas
está mal posta, porque centra a sua atenção na quantidade. Ela, de fato, dá a
impressão de se querer quantificar o resultado da pregação de Jesus e mesurar
com isto a probabilidade estatística dos que se salvarão.
Na verdade, em vez de a gente se preocupar com o número dos que
se salvam, mas importante é nos esforçar para estarmos entre os que se salvam.
Jesus, sem levar em conta cifras e estatísticas, responde pondo em realce o
risco, que se faz sério e real, de se perder a própria vida e de perdê-la para
sempre. Não é por acaso que a palavra "reino de Deus" tem um claro
significado escatológico por ser sinônimo do que na linguagem cristã se chama
de "paraíso". O horizonte de Jesus não é pessimista, porque se volta para
o grande banquete que Deus prepara para todos quantos acolherem na sua vida o
seu Filho, mas com o cuidado de dizer que a grande sala aonde vai se dá este
banquete tem uma porta estreita. A relação entre aqueles que pretendem
participar do banquete e a porta estreita não é sinônimo de um número
fechado.
E esta porta é, em primeiro lugar, fundamentalmente, Jesus. É
estreita porque é única e quem quiser entrar para participar do banquete deve
passar por ela; é única, porque coincide com a vida de Jesus. Por isso,
salvação significa conformar a própria vida à de Jesus; a estrada que Deus tem
seguido em Jesus para nos amar é também a estrada que nós devemos seguir, a
única que nos fará reconhecível para o ingresso no reino. Porta estreita,
porque única, mas aberta e adaptada para todos. Se muitos não passam, não é
porque seja apertada demais, mas porque passar por ela deve ser uma escolha
livre de cada um. Não se passa por ela em forma de multidão, mas cada um por
ela passa porque se fez discípulo de Jesus. É estreita também no sentido que
entra um de cada vez, na medida em que se tornando discípulo de Jesus fez da
sua vida a vida de Jesus. Além de estreita, a porta tem outra dimensão: num
determinado momento ela será fechada. Por isso, existe um tempo limitado para
se fazer a escolha de passar ou não por ela. E este tempo é o hoje da nossa
vida, da nossa disposição de fazer do tempo da Nossa vida o momento da graça de
Deus, vendo nesse tempo o mais precioso que Deus nos concede. Daí a ênfase de
Jesus em dizer que devemos nos esforçar para entrar, pois, na verdade, a vida
cristã é também uma luta constante, mas sustentada pela graça daquele que
caminha adiante de nós, o próprio Senhor. Não se trata, contudo, de uma luta
somente com inimigos externos, mas com nós mesmos. É, antes de tudo, a luta
contra a ilusão acerca da própria fidelidade: "nós comemos e bebemos
diante de ti e tu ensinaste em nossas praças". Estas palavras são ditas
para nós cristãos, porque praticamos gestos importantes como a participação na
eucaristia e na escuta da Palavra e, no entanto, continuamos a ser
"operadores da iniquidade".
A alegação de tudo isso que fizemos contém em si mesma a nossa
própria condenação. Quantos, dentre nós, reconhecem de ter participado do dom
de Deus, mas sem se deixar envolver-se. A luta do cristão é, por isso, também
luta contra a autossuficiência. Aqueles que Jesus cita presentes na mesa do
reino se encontram distantes no tempo. Aos contemporâneos de Jesus e a nós, que
nos dizemos seus discípulos e missionários, mas agimos como impenitentes
agentes da iniquidade se opõem os nossos antepassados, lembrados por Jesus, e
que já estão sentados à mesa do banquete. Uma nova desgraça que pode recair
sobre nós é que os últimos poderão ser os primeiros ou vice-versa. Não existe
nada de automático, nem mesmo na ruína do pecado, porque tudo depende de passar
ou não pela porta estreita.
Com efeito, há santos que se tornaram pecadores na hora da morte
por causa da presunção de já estarem salvos e há pecadores que se tornaram
santos na hora da morte por um arrependimento sincero e verdadeiro da vida
pecaminosa que levaram. Estes, apesar de tudo, passaram pela porta estreita;
aqueles, não. Mas, atenção. É sempre muito perigoso deixar tudo para o último
momento da nossa vida. Afinal, não sabemos nem quando nem
como sairemos definitivamente deste mundo. Amém.
*Doutor em Direito Canônico, Presidente do Tribunal Eclesiástico do Ceará e professor da Faculdade Católica de Fortaleza
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