A desaprovação ao Papa é teatral e pode ser apelo aos católicos e à opinião pública para apoiá-lo.
Por Anne Soupa*
Savonarola havia dito que a Cúria romana era uma “prostituta orgulhosa e mentirosa”. Ele está morto. Francisco é agora mais frágil por causa da denúncia das “quinze doenças da alma” que lançou na face dos cardeais e dos prelados da cúria? Por que não preferiu uma ação discreta, caso por caso? Estava em dificuldade antes? Está mais agora?
Antes de qualquer outro elemento de resposta, é preciso recordar que sua denúncia é fundada. Já Bento XVI havia fustigado aqueles maus servidores do Evangelho que querem somente o próprio bem, e depois empalideceu ante o escândalo dos Vatileaks
Enfim, os cardeais do conclave haviam inserido a limpeza da cúria como uma prioridade na tabela de marcha proposta ao Papa. Francisco só fez o seu trabalho.
É o que as correntes tradicionalistas tentam fazer esquecer. Por exemplo, logo Nicolas Diat denunciou “acusações no limite da difamação”, riscos de danos colaterais… evidentemente. Outras intervenções, despertando o legendário sentimento de culpa católico, desfrutaram de uma expressão cortês do Papa, para dizer que aquelas doenças eram “de todos nós”, para impelir os católicos ao exame de consciência e desviar, portanto, a bordoada destinada à Cúria.
Velha tática: diluir, diluir ainda e sempre, o princípio ativo que resultará rapidamente neutralizado. Mas, estejamos atentos, mantenhamos o olhar na correta direção de rota: aquelas doenças não são as do católico mediano, são precisamente aquelas do poder: carreirismo, duplicidade de linguagem, mundanidade espiritual. Enfim, Bernard Podvin porta-voz do episcopado francês, escolheu, de seu lado, outro comportamento: a recusa de dar-se conta. “Nas paróquias, ninguém se põe este gênero de problemas. Francisco é muito apreciado pelos bispos e pelos fiéis… Não há nenhuma guerra…” A pergunta subseqüente é saber se seria boa tática bater forte, como fez Francisco.
Não corre risco que se constitua verdadeira oposição, agora cimentada pelo opróbrio? Odon Vallet teme que a escolha do Papa seja fatal. Teria sido preferível o silêncio, teria evitado tomar a peito a pesada máquina que destruiu mais de um Papa. Fazendo assim, Odon Vallet escolhe responder afirmativamente a uma pergunta debatida com frequência: a Igreja obedece às regras e estratégias do mundo? Sim, porque é evidente que o silêncio e o poder discreto de nomeação e revogação são um remédio que demonstrou sua validade, também na Igreja.
Todavia, aqui eu perguntaria algo mais. A Igreja não pode limitar-se a aplicar regras prudenciais clássicas. Deve ir além. A ‘seqüela Christi’ é uma disposição que não se discute quando se é bispo ou cardeal. Ninguém é obrigado a permanecer num certo cargo, se não está alinhada com o próprio encargo. E evitamos invocar aqui a indulgência, que seria somente debilidade. Ela já não foi suficientemente denunciada por ocasião dos escândalos recentes de pedofilia? Francisco talvez possa prestar-se a cobrir práticas penalmente condenáveis ou contrárias à lógica de um empenho diante de Deus? No sulco do Evangelho, Francisco-o-justo denuncia aqui a duplicidade de linguagem dos fariseus: dizem e não fazem.
E, incidentalmente, recorda que não se pode conduzir a um bom fim um Sínodo sobre a família destinado a recordar aos fiéis as exigências do seu empenho, quando a Cúria escolhe não dar a mínima.
Diversos vaticanistas, como Marco Politi, sublinham que o Papa está em dificuldade. Talvez. Mas, as dificuldades são feitas para serem superadas e todos sabem que o Papa é esperto. Sua desaprovação violenta e um pouco teatral pode ser um apelo aos católicos e à opinião pública para apoiá-lo. Certo, uns 90% o apoiam. Mas, concretamente, podem ajudá-lo?
A pergunta, tragicamente, não tem uma resposta positiva: faltam aos católicos os canais institucionais para fazer-se ouvir. Cada bispo deve realizar a comunhão em sua diocese e fazer-se, nolens volens, querendo ou não, o eco das expectativas dos fiéis. E eles o fazem? Alguns sim, outros não. E as “saídas a Roma” dos bispos por ocasião de suas visitas ad limina se chocam com certa mesquinhez e condescendência da parte dos funcionários de cúria que, com frequência, morrem de sufocamento.
Quanto às Conferências episcopais nacionais, os seus comportamentos são divergentes. Tanto a Conferência episcopal alemã soube, com maioria, tomar posição atrás do Papa em favor de uma adaptação da disciplina eclesial relativa ao matrimônio, quanto a Conferência episcopal francesa brilha pelo seu silêncio. Bem, havia “omitido” alinhar em seu site o questionário de 2013sobre a preparação do Sínodo. Agora não abre a boca, suscitando até a ironia do cardeal Kasper Mas, está consciente que a sobrevivência da Igreja passa pelo seu apoio ativo ao um Papa do qual se diz que é sua última chance? Aparentemente, não.
Restam as iniciativas específicas do povo católico, que não tem na própria Igreja algo equivalente a uma assembleia de tipo parlamentar que lhe faça eco. Sim, o povo católico, o francês em particular, está dramaticamente só neste momento. Como… o Papa, já que 90% da Cúria o desaprovaria. Estranha conjunção esta, de um Papa e de um povo, na mesma linha, mas sem meios para fazer corpo… Entender-se-á, enfim, que a máquina eclesial deve ser desembaraçada? Hoje, ao povo, resta somente a petição, a praça ou uma gigantesca, generosa reunião, em Roma, quem sabe.
*Anne Soupa é representante do movimento católico leigo francês Conférence Catholique des Baptisé-e-s Francophones, em artigo publicado pelo sítio do movimento (www.baptises.fr). A tradução é de Benno Dischinger.
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