24/12/2011

É Natal em Bagdad e Fallujah

Maria Clara Lucchetti Bingemer
Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
Adital
Quando o profeta Isaías olhou para a mulher do rei, sua rainha, e viu que estava grávida, sentiu o Espírito de Deus apossar-se dele e proclamou em nome de Deus o sinal que via antes de todos: " ...o mesmo Senhor vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel." O sinal predizia um futuro de paz para Israel. E o profeta continuaria mais adiante a dizer: " O povo que andava em trevas viu uma grande luz, e sobre os que habitavam na região da sombra da morte resplandeceu a luz... Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.”
Muitos séculos depois, enquanto esperava ansiosamente o Messias que viria libertá-los, o povo recebeu outro anúncio, não de um profeta, mas de um anjo: Gabriel. E viu em outro menino, nascido de Maria, essa criança abençoada por Deus que traria paz e alegria sem fim para o povo. A jovem mulher virgem e grávida era Maria de Nazaré, esposa do carpinteiro José, e seu filho, o Santo que de seu seio puro nascera, seria chamado Jesus, Yeoschuá, que quer dizer Deus salva. E o rei, o único rei em todo esse episódio, era Deus mesmo. Ele, e ele apenas, libertaria o povo de seu pecado. E a comunidade creu e se alegrou e louvou a Deus. Jesus de Nazaré, o príncipe da paz, foi reconhecido e proclamado Filho de Deus!
Hoje, o anúncio do profeta Isaías e do anjo Gabriel se faz ouvir novamente. Algo, um broto de vida nova e de esperança nasceu e espera-se que cresça no sofrido Iraque. A retirada das tropas norte-americanas aconteceu. A bandeira da potência estrangeira foi enrolada e guardada. O Iraque não é mais um país ocupado, mas livre. E a liberdade emerge machucada, ferida, mas real, dos escombros que dão testemunho de uma ocupação longa e incessante.
Como já foi dito, trata-se de uma vitória de Pirro. Mais uma vez, os Estados Unidos concluem uma guerra sem ganhá-la, por não conseguir impor sua plena vontade ao país que ocuparam. Os soldados norte-americanos, embora não saiam do Iraque como saíram do Vietnam, cruelmente derrotados, saem. Desta vez, eles primeiro arrasaram o Iraque durante uma década de bombardeios constantes. Agora saem silenciosamente.
A bandeira arriada inicia um processo que deverá acabar até 31 de dezembro. A saída das tropas marca o fim da guerra que deixou um saldo de milhares de mortos: 4.500 estadunidenses e mais de 100 mil iraquianos, e fragilizou ainda mais a precária infraestrutura do país.
Não se pode dizer que haja vitória ou derrota clara com o fim da guerra do Iraque por parte de um lado ou de outro. O Iraque apresenta dúvidas sobre se vai conseguir levar adiante de forma sadia seu processo político. Os EUA saem uma vez mais sem vencer; mas –infelizmente, parece– sem aprender de todo as lições da história.
No entanto, o fato de poder viver livremente em seu próprio território, sem estar mais sob o jugo de uma potência estrangeira, sem mais pavor de sair às ruas e ser metralhado por soldados ou atingido pela explosão de uma bomba, já é uma grande coisa. E a partir daí, se houver vontade política e ajuda de outros, poderá ser o caminho para uma nova era feita de paz e concórdia capazes de triunfar sobre o ódio e da violência.
Para o Iraque, combalido pela cruel ditadura de Saddam Hussein durante tantos anos e agora por uma guerra sangrenta, é Natal. Pois isso é o Natal: a chegada da liberdade, da paz, da possibilidade de vida e vida em plenitude. Que Bagdá e Fallujah celebrem com a alegria que lhes for possível.
Quanto a nós, que cremos que essa paz e essa alegria nos foram dadas em um menino envolto em faixas e deitado em uma manjedoura, fica a ação de graças e a lição. Ação de graças porque a paz encontra caminho para uma vitória, ainda que tímida, em alguma parte do mundo. E a lição de retirar-nos dos "Iraques” nossos de cada dia, sendo agentes de paz e não de guerra; de concórdia e não de violência; de alegria e não de desolação.
Hoje, como sempre, o Príncipe da Paz nos é dado na pessoa de um menino frágil. Que Ele reine em nós, em nossas casas, em nossa vida. FELIZ NATAL!
[Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
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