A devoção ao Divino Pai eterno
Entre os dias 8 e 22 do mês passado, participei das Santas Missões Populares
Vicentinas, em Coronel Murta, pequena cidade da região do Vale do
Jequitinhonha, Minas Gerais. Várias coisas me chamaram a atenção, dentre as
quais a devoção ao Divino Pai eterno. Durante as visitas às famílias fui
indagado várias vezes a respeito da legitimidade desta devoção popular, que
está se espalhando por todo o país. Curiosamente, resolvi assisti a uma das
missas presidida pelo famoso Pe. Robson, redentorista e principal divulgador de
tal devoção. Justamente no dia em que assisti à missa na TV Aparecida, o citado
padre falou, insistentemente, da construção do novo santuário, que custará
muitos milhões de reais.
Irei pontuar algumas considerações a respeito desta devoção, respondendo,
assim, aos amigos e leitores de meu Blog, que, insistentemente, tem me pedido
para escrever alguma coisa sobre esta questão.
1 – Na Igreja da Idade Média, a devoção aos santos era algo quase que
fundamental na vida eclesial e a afluência do povo era tão grande que a Igreja
chegou até a se utilizar da boa fé do povo para explorá-lo, ou seja, ganhou-se
muito dinheiro e muitos bens à custa da devoção aos santos. Assim sendo, isto
não é uma novidade na vida da Igreja. Após as denúncias de M. Lutero no séc.
XVI, a situação melhorou um pouco, mas os desvios e/ou excessos continuaram
dificultando a prática de uma fé verdadeiramente cristã.
2 – A imagem do Divino Pai eterno, a meu ver já é um desvio. Os cristãos de
outras Igrejas podem, com muita razão, nos acusar, em certo sentido, de sermos
idólatras. Penso que não há necessidade de fabricarmos uma imagem de Deus. Deus
não tem forma, ninguém jamais o viu, como podemos fazer-lhe uma imagem? Na
imagem fabricada, o Pai eterno é um velho barbudo! Deus não é um ancião! Na
mesma imagem aparece o Filho, o Espírito e Maria. Desta forma, não é uma imagem
da Trindade Santa, é algo diferente que passou despercebido. Ironicamente,
alguns se perguntam o que Maria está fazendo naquela imagem!
3 – A devoção aos santos e santas de Deus é legítima na Igreja, é recomendável.
É verdade que não é o fundamental na vida cristã, pois o essencial é o
seguimento a Jesus de Nazaré. Sabemos muito bem que os santos foram e são
mulheres e homens que se colocaram e se colocam no caminho do Cristo Jesus.
Penso que não podemos ser devotos de Deus. Somos filhos de Deus e não
precisamos nos relacionar com Ele como nos relacionamos com os demais santos.
Deus é o Santo por excelência e a fonte de toda a santidade. Nossa relação com
Deus deve ser filial, não devocional.
A partir das perguntas das pessoas percebo que muita gente confunde o Pai
eterno com um santo comum. Uma jovem dona de casa me disse: “Eu adoro o
Divino Pai eterno, tudo o que eu peço, alcanço. Ele pede a Deus tudo o que eu
preciso!” O vínculo é tão devocional que há a imagem e a novena. Como
podemos nos relacionar com Deus através de promessas e novenas?...
4 – É verdade que Deus não vai levar em consideração este equívoco de ordem
doutrinal e pastoral ao escutar o clamor de um pobre sofrido que lhe suplica
através de uma devoção como essas, mas isto não justifica a permanência da
mesma de forma equivocada. O maior problema está no fato de não levar as
pessoas ao seguimento de Jesus de Nazaré, mas à dependência e ao cultivo da
imagem de um Deus meramente dispensador de todas as graças. Não vejo diferença
entre o apelo desta e outras formas apelativas de devoção e o “Pare de sofrer!”
da Igreja Universal do Reino de Deus. O Pe. Robson insiste nisto: “o
Pai eterno não quer ver ninguém sofrendo, faça sua promessa, venha à Trindade
(GO), faça conosco a novena e seja um benfeitor na construção do novo
santuário!”
5 – Não precisamos prometer nada a Deus. Ele não nos atende por força de
promessas. A relação com Ele deve ser filial e gratuita. Nossa missão é seguir
seu Filho Jesus e construirmos o Reino. Devoções apelativas como esta desviam
os cristãos de sua missão fundamental. Por isso, merece correção e
reorientação. A missão da Igreja não é levar às pessoas a santuários através de
incansáveis e inúmeras peregrinações.
A adesão ao projeto de Jesus não acontece em peregrinações, mas no cotidiano da
vida, vivendo-se o amor na relação com o próximo. Não adianta se apegar às
devoções se não se busca fazer a vontade de Deus. Fora do seguimento de Cristo
e de seu projeto libertador toda e qualquer devoção perde seu sentido e se
transforma em instrumento de alienação; torna-se fardo pesado nas costas dos
pobres, que assumem certa obrigação de tirar do pouco dinheiro que tem para
sustentar e manter estruturas pesadas e dispendiosas.
Espero que o leitor tenha compreendido a mensagem deste texto. Não estou indo
contra as manifestações da religiosidade popular. Estas são ricas e necessárias
ao povo de Deus, mas os desvios e excessos devem ser prudentemente observados,
a fim de que o Evangelho de Jesus de Nazaré não seja marginalizado. A Igreja
deve levar as pessoas a um encontro com o Deus de Jesus de Nazaré, não a uma
imagem de Deus.
É inadmissível que Deus seja reduzido a objeto de devoção popular, pois é o
eterno mistério, portanto, insondável. A verdadeira imagem de Deus está no
Cristo crucificado. Não podemos fugir da cruz de Cristo, pois “se com
ele morremos, com ele viveremos; se com ele sofremos, com ele reinaremos. Se
nós o renegarmos, também ele nos renegará. Se lhe formos infiéis, ele permanece
fiel, pois não pode renegar a si mesmo” (2 Tm 2, 11 – 13).
Devoções como esta induzem as pessoas a pensar que Deus tem a obrigação de
livrá-las de seus sofrimentos, quando na verdade o sofrimento é inerente à
condição humana. É verdade que Ele não quer nos ver sofrendo, mas é verdade
também que não enviou seu Filho com a missão de curar e libertar as pessoas de
seus sofrimentos. Jesus curou e libertou muita gente, mas esta nunca foi sua missão
fundamental.
Tiago de França
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