Sem licitação, empresas não dizem quanto cobram para administrar os recursos do crédito consignado
Devo, não nego, pago quando puder”, diz o dito popular. Não com o crédito consignado. Promovido em 2004 como forma de aquecer a economia, ele é uma maneira relativamente segura de endividamento. O interessado toma empréstimo no banco e paga em parcelas descontadas automaticamente do salário. Como o risco de inadimplência é menor, os juros caem. Credores, devedores, todos ganham. Especialmente um seleto grupo de pessoas que viram no serviço uma mina de ouro. Em diversos locais do país, políticos, parentes e agregados têm conseguido contratos com governos estaduais e prefeituras para fornecer programas de computador que gerenciam os empréstimos dados a funcionários públicos. Além dos esquemas de favorecimento, as operações desse tipo colocam em risco o sigilo das informações financeiras e cadastrais dos tomadores de dinheiro.
O software usado nas operações de empréstimo consignado é um elemento pouco conhecido dessa modalidade de crédito. Ele funciona como intermediário entre os órgãos públicos em que os servidores trabalham e os bancos. A intermediação é necessária. Serve para informar ao banco quanto do salário do servidor ainda está disponível para empréstimo. Operadores ligados aos bancos, porém, listam pelo menos quatro problemas associados a essas operações.
Primeiro, não há regras para a contratação das empresas de software. Muitas prestam serviços para prefeituras e governos sem licitação. Segundo, também não há normas para a remuneração dessas empresas. Algumas ficam com um percentual das parcelas descontadas do salário dos servidores – normalmente entre 2% e 5%. Outras cobram um valor fixo. Terceiro, não há transparência nas operações. Quem arca com as parcelas nem sequer é informado sobre a existência dessas taxas, pagas compulsoriamente. O quarto problema é o risco de mau uso das informações sigilosas dos tomadores de empréstimos. Não há qualquer norma que regulamente a atuação das empresas de software, que passaram a ter acesso a dados pessoais ligados à remuneração dos funcionários.
O crédito consignado movimentou R$ 160 bilhões em 2011. Grande parte desse valor foi intermediado pelos softwares em empréstimos feitos por servidores públicos – que garantem a quitação por causa da estabilidade no emprego – e aposentados. Para fugir da necessidade de licitação, as empresas de software se beneficiam de uma peculiaridade do negócio. Como sua remuneração não é feita pelos órgãos públicos, mas pelos bancos (com o dinheiro do servidor), alguns governos e prefeituras argumentam não haver necessidade de um processo de concorrência para selecionar a prestadora do serviço. Da forma como o sistema foi montado, criou-se o pior dos mundos para o tomador do empréstimo: quem influencia a escolha das empresas de software são os governos e as prefeituras, enquanto o valor cobrado pelo serviço é negociado exclusivamente entre elas e os bancos. Os clientes só participam com a taxa.
Num mundo sem regras, as suspeitas de favorecimento começaram a pipocar. Na Paraíba, o sistema de crédito consignado é administrado pela MCF Administradora de Crédito e Cobrança, contratada sem licitação. Ela pertence ao grupo empresarial MCF, do qual faz parte o deputado federal Mario Feitoza (PSB-CE). A empresa nega qualquer influência do deputado para fechar o negócio, que se repete “em muitos outros Estados e municípios”. Afirma ainda que Feitoza não tem mais vínculo direto com a empresa. O deputado é membro do Conselho de Administração do grupo MCF, controlador da empresa de crédito. Em fevereiro, o Tribunal de Contas do Estado suspendeu temporariamente o contrato por entender que o processo de licitação era necessário.
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