Pe. Geovane
Saraiva*
Somos convidados cada ano,
por ocasião da quaresma, a aproveitar como um tempo forte e sagrado, como uma
grande graça de Deus, numa atitude de escuta da Palavra de Deus, de oração e
ainda nos são oferecidos o jejum e a prática da caridade. A Igreja Católica no
Brasil lançou a Campanha da Fraternidade no ano de 2011, antecipando-se a
Conferência da Rio+20, propondo um olhar de misericórdia para com natureza, no
sentido perceber como a humanidade contribui para o fenômeno do aquecimento global
e da mudança do clima, ameaçando a vida em geral e de modo especial, a vida
humana. Com o tema: “Fraternidade e a vida no planeta”, e o lema: “A criação
geme em dores de parto”.
Sabemos que obra de Deus é
uma “casa” maravilhosa, cheia de beleza e providência, prodígio divino, que
devemos contemplar e louvar. “E Deus viu que tudo que tinha feito era muito
bom” (Gn 1,10). Em face à gravidade de toda realidade ecológica, na sua
crescente devastação, nasce uma indignação ética, que tem sua origem na luta
contra a poluição do ar e da água. Urge pensar na criação, com uma nova
mentalidade espiritual, que se segure e tenha seu fundamento no Evangelho e na
pessoa de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo em que estamos abertos ao diálogo, indo
ao encontro do Sagrado, em todas as suas expressões ou confissões que revelam e
manifestam o sentido da transcendência, na religiosidade de todas as raças e de
todos os povos da terra. Temos consciência que nos dias de hoje, o nosso modo
de evangelizar deve ser o do consenso, de que todas as raças, culturas e
religiões devem ser respeitadas e valorizadas. Eis que somos chamados a
responder esses grandes desafios através da nossa fé no Deus único e verdadeiro.
O mundo deveria ser uma casa pródiga,
a oferecer a criatura humana, e aos demais seres vivos da terra, todas as
condições: crescimento, sobrevivência e plena realização. Um mundo harmonioso,
em que todos vivessem de acordo com a vontade do seu Criador e Pai. Para nós que
temos fé, a Sagrada Escritura, nos leva a louvar a grandeza e a bondade de
Deus, Senhor de um mundo tão rico, vasto e belo. Os livros dos Provérbios e da
Sabedoria exaltam grandeza do próprio Deus, presente e oculto nas maravilhas da
natureza (cf. Pr 8, 22-31; Sb 13, 1-3). Mas a exploração desenfreada e gananciosa
que o homem realiza, nas suas ações, no que diz respeito às madeireiras,
mineradoras, fazendas e grandes empresas transnacionais, é de fato para destruir
todo esse patrimônio, que é de toda humanidade, que é desafiada a proteger e conservar.
Hoje, mais do que nunca, temos que
reconhecer a forte presença de Deus, na vida existente no planeta, vida muitas
vezes não valorizada e mal cuidada, extremamente comprometida. Deus quer abrir
a nossa mente e coração diante dos gritos, dores e gemidos da terra, grande
casa e mãe, onde se encontram: “rios e mares, antes gigantescos úteros de vida,
que vêm sendo esterilizados pela poluição industrial, esgotos, sujeira
produzida pelo ser humano. Esquece-se que a água, fonte de vida, transforma-se
facilmente em uma das piores fontes de morte, ao transmitir doença. Por ela
navegam germes de morte até os confins da terra” (Pe. J. B. Libânio).
Não é tão somente uma moda do momento
ou uma moda teológica e espiritual, o tema da ecologia e da vida que se
sustenta no planeta. É um tema presente, que se manifesta e se encarna no dia a
dia das pessoas, não deixando dúvida, que é uma preocupação crucial para o
nosso destino, o destino da humanidade. De tal modo que é preciso enfrentá-lo
com segurança e convicção, com paixão e fé, desenvolvendo a espiritualidade da
confiança e coragem, ao mesmo tempo em que não se afaste de um Francisco de
Assis, homem cheio de ternura, compassivo e humilde, entrando, a seu exemplo,
em comunhão e diálogo com as realidades existentes na criação, começando com a
própria natureza.
Temos o orgulho de possuir, no nosso
querido Brasil, a maior floresta tropical e a maior biodiversidade do mundo.
Entretanto, toda essa riqueza está ameaçada pela destruição da floresta e de
outros ecossistemas, por grandes projetos, pela expansão de monoculturas da
soja e da cana de açúcar e pelo crescimento da agro-indústria ou agro-nogócio,
de um modo pedratório.
É o nosso bom Deus e Pai que nos faz
o convite para participar desse processo, bebendo da mesma água que bebeu a
mulher samaritana. A água que nos é oferecida é o Verbo Encarnado, agindo
dentro de nós, a nos dizer que somos sujeitos da nossa própria história. Somos
chamados a coibir os efeitos devastadores que nos envolve, evidenciado nas
mudanças climáticas, que é o ponto chave para o futuro da humanidade. “Quem
beber da água que lhe darei nunca mais terá sede, pois a água que eu lhe der
tornar-se-á nele uma fonte de água, jorrando para a vida eterna (Jo 4, 14-15).
Acreditamos, que pela força do nosso compromisso, podemos olhar para um Brasil que
se transforma em um ator de grande importância na construção do novo acordo
planetário, para conter os nocivos e devastadores efeitos desse fenômeno, no
contexto planetário.
Vivemos em uma terra, com tudo que
ela contém, ainda marcada pelo sofrimento, gemendo com as dores do parto (cf.
Rm 8, 22), pela destruição e saque, fruto do capricho, da ação fútil e inconsequente
do homem. Daí o desafio de não só pensar e refletir sobre essa triste
realidade, mas decididamente em nome de Deus, a descruzar os braços e fazer a
nossa parte.
Portanto, observar
o convite do Criador e Pai é imprescindível, consciente de que a única
alternativa, no sentido de evitar nossa própria autodestruição. É Deus mesmo, diante da
grande Conferência da Rio+20 e “A Cúpula dos povos” no Aterro do Flamengo,
querendo ver-nos totalmente convertidos e sensibilizados a essa realidade
ecológica, conscientes da nossa responsabilidade ética para com o planeta, profundamente
contaminado e enfermo, com doenças de toda natureza.
* Pe. Geovane Saraiva,
padre da Arquidiocese de Fortaleza, Escritor, Membro da Academia de Letras dos
Municípios do Estado Ceará (ALMECE), e da Academia Metropolitana de Letras de
Fortaleza
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