O Rei do Baião foi um grande aboiador. Luiz Gonzaga Aboiou nas músicas e nos momentos mais difíceis, nos seus últimos dias de vida.
Uma paisagem árida, seca. As nuvens só trazem esperança. É a terra de carcará, de gente sofrida e esquecida. Mas uma voz gritou alto para todo mundo ouvir.
O aboio é o canto do vaqueiro. A forma de se comunicar com o gado, na solidão da Caatinga. O boiadeiro segue a boiada cantando, improvisando. Falando até de amor, saudade e solidão.
"A saudade do peito machuca meu coração, porque Gonzagão morreu", cantou o aboiador.
O vaqueiro foi o maior personagem da inspiração de Luiz Gonzaga. O Rei do Baião foi um grande aboiador. Ele aboiou nas músicas e nos momentos mais difíceis, nos seus últimos dias de vida.
“Um dia uma dor muito grande, dentro do Hospital Santa Joana no Recife, foi gemer deitado na cama ao gemer ele aboiou, dizem que o hospital parou. A dor transformada em arte”, afirmou João Claudio, ator e cantor.
O aboio e a roupa. O chapéu de couro e gibão do vaqueiro nordestino estavam sempre em cena. Seu Aprigio confecionou algumas vestimentas do Rei do Baião.
“Se tivesse algum defeitinho ele ia em cima”, contou seu Aprigio.
Mesmo depois da morte de Gonzagão o chapéu e o gibão ainda fazem sucesso. Ele comanda cinco pessoas para dar conta dos pedidos. Para o vaqueiro, a roupa de couro é uma proteção natural na vegetação espinhosa da Caatinga.
“Quando o boi entra numa mata dessa é difícil. Tem que o vaqueiro entrar também. Mesmo que corra o risco de ficar ferido, de ficar sem um braço, sem uma perna, mas tem que ir”, revelou o vaqueiro Zé Teixeira.
Na hora do almoço eles forram o chão com o gibão e servem a comida. O cardapio é queijo de coalho, rapadura e farinha. Seu Zé Teixeira é o mais velho do grupo. Ele é quem vai servir o pessoal.
“Essa é a comida do vaquerio. É quando tem, quando não tem não come nada. Fica o dia todo lidando com o gado sem comer nada e sem beber agua”, destacou Zé Teixeira.
A seca cantada e denunciada pelo Rei do Baião volta a castigar o sertão. Os açudes estão secando. André Gaudino Pereira de Lima salva os peixes que restam neste barreiro e os leva para outro reservatório, que também está secando.
“O negocio está feio, gado morrendo, açude secando, não tem esperança não”, afirmou André Gaudino Pereira de Lima.
Os conterrâneos de Gonzagão, em Exu, cidade onde nasceu, sofrem com a estiagem.
Nas plantações secas, ouvimos uma cantiga: "Seu doutor, uma esmola a um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão".
Cosme busca forças nas lembranças e na música. Quando era menino foi levado pelo rei do baião, para fazer uma cirurgia no rio de janeiro.
“Papai não tinha condição de me operar, aí ele falou com Gonzaga, e foi Luiz Gonzaga que me levou para o Rio de Janeiro em 72, e mandou operar”, contou Cosme. “Ainda me levou para o Maracanã para ver Pelé jogando. Um dia especial, eu gostei demais, comi muita pipoca com buchado”, completou.
A convivência do humilde sertanejo com o mais ilustre dos nossos intérpretes, o transformou num ritmista do forró. Na falta dos intrumentos musicais, Cosme improvisa.
Embaixo dos paredões da Serra do Araripe, nasceu o estilo musical mais popular do interior do Nordeste: o forró pé de serra. Cruzando essa muralha, Gonzagão levou o seu ritmo além das fronteiras do Brasil.
Difícil acreditar que esse era o único acesso para quem saía de Exu: subir a Serra do Araripe, pelas fendas do paredão. Era o caminho natural para os habitantes da região e dos animais de carga.
Foi onde tudo começou na vida do viajante. Luiz Gonzaga aos 17 anos de idade. Fugiu de Exu e escalou as camarinhas para atravessar a serra e chegar ao Crato. De lá, ele foi para Fortaleza, serviu ao Exército durante dois anos depois Minas Gerais e em seguida Rio de Janeiro. Onde ele passou a divulgar o baião, o ritmo tradicional criado por ele.
As camarinhas ainda são usadas para transportar o gado, no caminho rústico aberto pelos escravos, ainda no tempo do Barão de Exu. No início do século passado.
"É muito íngreme. A gente está numa parte plana, mas quando começa a descer, vê a dificuldade", afirmou a professora Ilaide Carvalho.
Já existe uma estrada asfaltada para viajar pela serra. Mas as boiadas não podem passar por lá, porque é muito estreito, cheio de curvas, sem acostamento. Hoje é muito mais fácil chegar à Vila do Araripe, onde fica a casa em que Luiz Gonzaga passou sua infância. Ao lado da Igreja de São João.
"Na Vila do Araripe, Gonzaga cresceu como menino, aprendeu a tocar sanfona e venerar o santo, São João Batista", contou o sanfoneiro Jaiminho de Exu.
Nessa região as lembranças do Rei do Baião estão na memória de todos. Por onde passamos sentimos a presença de Luiz Gonzaga. A dez quilômetros da vila, na entrada da cidade de Exu, o Parque Asa Branca. Onde fica o mausoléu, com os restos mortais do Rei do Baião, e a casa onde ele viveu, depois que voltou para Exu. Foi o refúgio de Gonzagão até os últimos dias de vida. No museu, da janela do quarto dele, uma visão da serra que lhe deu inspiração.
À sombra do Juazeiro, um dos lugares prediletos de Luiz Gonzaga, seu sobrinho, Joquinha, relembra as músicas do rei.
Antes dos shows de Gonzaga, uma banda tocava até a hora do ídolo subir ao palco. E o motorista que Luiz Gonzaga transformou em tocador de triângulo e zabumba.
“Ninguém vai saber se você é bom ou ruim, porque tocando mais Luiz Gonzaga tem que ser bom. Ninguém nunca reclamou”, revelou o motorista Reginaldo Silva.
Um Zabumba tem 100 anos de existência, já passou por varias reformas, mas mantém sua estrutura rústica, é do tempo do nascimento do Rei do Baião
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