“Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve
compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes
muitas coisas” (Mc 6, 34).
Tiago de França*
O texto proposto para reflexão na Liturgia da Palavra das celebrações deste XVI
Domingo Comum é o de Marcos 6, 30 – 34. Penso que é uma palavra dirigida mais
aos pastores do povo de Deus do que ao próprio povo. No texto do domingo
anterior, Jesus enviou seus discípulos em missão; no de hoje, eles retornam da
missão e contam a Jesus tudo o que haviam feito e ensinado. Estes
dois últimos verbos são reveladores: na missão, o missionário age e ensina.
É verdade que ensinar consiste numa ação, mas além do ensino há
outras ações; no caso dos discípulos de Jesus, além de ensinar, eles curavam os
doentes ungindo-os com o óleo e expulsavam os demônios. Tratava-se de uma
atividade missionária que visava à libertação integral do ser humano.
A Igreja é chamada a fazer o mesmo: fazer e ensinar. Fazer o bem às pessoas,
especialmente às multidões desassistidas e exploradas. É preciso cuidar
das pessoas. O cuidado exige presença, proximidade, atenção e, mais do que
isso, é necessário tocar o corpo do outro. Jesus tocava o
corpo das pessoas, impondo-lhes as mãos. A imposição das mãos é um gesto
libertador.
O corpo é a expressão viva da pessoa, é sua manifestação no
mundo. As pessoas sentem o sofrimento no corpo sofrido, machucado, explorado,
desumanizado. Ao tocar o corpo das pessoas, Jesus conhecia bem o seu
sofrimento, suas dores e angústias. Ele não tinha medo do corpo adoentado do
outro, nem estava preocupado com as leis que proibiam qualquer aproximação ou
toque nos corpos doentes e sem vida das pessoas.
Neste sentido, a dignidade humana está ligada ao fato de que estamos bem a
partir do bem-estar do corpo e da mente. Isto é ter saúde: é sentir-se bem, em
harmonia consigo mesmo, com o corpo do outro e com o universo.
Jesus não conseguia sentir-se bem, nem viver em paz presenciando
uma multidão de pessoas doentes e perturbadas por diversos tipos de males. Por
isso, dedicou-se a acolher e curar as pessoas, libertando-as
das forças da morte, que as arrastava para baixo e as desesperava. Estas forças
não eram sobrenaturais, mas reais: eram as diversas formas de exploração que
existiam na época. Jesus entendia muito bem que o povo não poderia ser feliz,
nem cumprir ao conjunto das leis em meio à exploração a que estava submetido. E
sabia também que a vontade divina era a vida de seu povo.
Estas multidões aflitas de que fala o texto continuam presentes no mundo: há
milhões de pessoas enfermas, passando fome, ameaçadas, perseguidas,
violentadas, desrespeitadas, mutiladas, desempregadas, drogadas, desesperadas,
desfiguradas... O capitalismo selvagem produz inúmeras formas de exclusão
social e os tipos de morte têm sido cada vez mais cruéis.
As notícias que a mídia transmite violentamente e em tempo real
passa a impressão de que estamos chegando ao fim do mundo, dada a crueldade das
circunstâncias. Diante disso, surge a pergunta: Qual tem sido a posição da
Igreja? O que ela tem feito, concretamente, para curar o ser humano envolvido
nestas realidades gritantes? É verdade que há muitas iniciativas em prol destes
aflitos, mas é preciso muito mais.
Ao falar das multidões que eram como ovelhas sem pastor,
o texto suscita uma indagação: O que estavam fazendo os pastores daquela época,
as autoridades religiosas da religião judaica? Em primeiro lugar, estavam
cuidando da própria vida, preocupadas com seu próprio bem-estar. Em todos os
tempos e lugares, os religiosos sempre caíram nesta tentação: viver em função
de si mesmos. Quando isto acontece o povo ficar jogado à mercê da própria
sorte.
O que dizer às autoridades religiosas que se utilizam da
religião em benefício próprio? Não é pequeno o número dos que se aproveitam do
ministério a eles confiado pela Igreja para se beneficiarem, obtendo dinheiro,
poder e prestígio. Os contratestemunhos se multiplicam no interior da Igreja e
a situação da mesma se agrava cada vez mais. A mediocridade e as más intenções
estão presentes na vida de muitos de seus hierarcas. Isto inviabiliza a opção
pelos pobres por parte da Igreja. Somente despojando-se da sede pelo poder,
dinheiro e prestígio é possível optar pelos que não tem vez nem voz na
sociedade.
O texto mostra a ação de Jesus: viu, teve compaixão e
começou a ensinar. Para ver é preciso sair, encontrar-se com as pessoas,
conviver com elas, ir até onde se encontram. Sair é atitude para quem não sofre
do mal do egoísmo. Este mal encastela as pessoas em si mesmas, impedindo-as de
serem para os outros. Justamente porque viu, Jesus teve compaixão. Diante da
numerosa multidão sedente e aflita, Jesus a acolhe e socorre.
O Concílio Vaticano II pensou uma Igreja que deve sair de si
mesma em direção ao mundo, uma Igreja que não tem medo do mundo. Sair sem medo
significa não somente estar disposta ao serviço, mas também a acolher o que de
bom o mundo tem para contribuir. Neste sentido, o mundo deixou de ser obra do
demônio para ser o lugar da edificação do Reino de Deus. A Igreja está no mundo
para o serviço do mundo. É impossível evangelizar e edificar o Reino de Deus
condenando e se distanciando do mundo. As atitudes da Igreja devem ser as
mesmas de Jesus: acolher, compadecer-se, ir ao encontro e ajudar na libertação
integral do ser humano. Tais atitudes constituem a Igreja missionária de que o
mundo tanto precisa.
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