31/08/2012

Lua azul - Por Cássio Barbosa



Por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Quem costuma fuçar os calendários durante o ano – no meu caso, atrás dos feriados – deve ter notado que o mês de agosto terá duas Luas cheias. A primeira foi logo no dia 2 e a segunda vai ser no dia 31. Esta segunda Lua cheia em um mês é chamada de “Lua azul”. Mas por quê?
A expressão “Lua azul” tem sido usada há pelo menos 400 anos, mas não como sendo a segunda Lua cheia do mês. Este significado nasceu de um erro ocorrido em 1946 e se tornou popular nos últimos 20 anos. Já vi muita gente graúda dizendo que este hábito remonta aos fenícios ou egípcios, mas é pura bobagem.
Veremos o porquê.
No século 16, dizer que a Lua era azul significava exprimir algum tipo de exagero. Dizia-se: “fulano é tão desligado que diria que a Lua é azul!” Esse conceito levou a outra expressão que indicava uma probabilidade bem remota de algo acontecer. Por exemplo, no século 18, dizia-se: “eu pagarei minha dívida com você quando a Lua estiver azul”.
Apesar de parecer muito estranho, já houve algumas vezes em que a Lua realmente se tornou azul no céu. Em 1883, quando o vulcão Krakatoa explodiu na Indonésia, a atmosfera ficou carregada por partículas de poeira que fizeram o pôr do Sol ficar esverdeado e deixaram a Lua azul no mundo todo por quase dois anos. Sempre que há uma grande quantidade de poeira na atmosfera, esse efeito se repete. Foi assim em 1927, na Índia, quando uma tempestade depois de uma enorme seca levantou toneladas de poeira na atmosfera. Ou em 1951, quando um enorme incêndio florestal no Canadá lançou uma quantidade de cinzas que deixou a Lua azul.
Em tempos mais modernos a expressão Lua azul se tornou um sinônimo de coisa rara, mas também de tristeza. Várias músicas usam esta expressão para associar tristeza e solidão, basta checar algumas músicas de Elvis Presley.
Já no final dos anos 1980, nos EUA, a expressão “Lua azul” se tornou moda. Foi uma febre que deu nome a milhares de restaurantes e mostras de arte no país. Quem for do meu tempo vai se lembrar daquela série de TV com a Cybill Shepherd e o Bruce Willis em começo de carreira, que no Brasil se chamava “A Gata e o Rato”. Eles tinham uma agência de investigação particular que se chamava “Blue Moon” (literalmente, “Lua azul”) e o nome original da série era “Moonlighting” (expressão que significa “segundo emprego” e faz um trocadilho com a palavra “luar”).
Já a partir desta época, Lua azul também significava uma segunda Lua cheia em um mesmo mês. Mas nem sempre foi assim.
Esse é um daqueles casos em que uma definição nasce de um erro. A definição de Lua azul aparece em um livro chamado “Almanaque do Fazendeiro do Maine” nas edições anuais entre 1819 e 1962. Em nenhum destes exemplares a definição é esta que conhecemos. A definição que aparece neste almanaque é bem diferente e tem mais a ver com as estações do ano, do que com os meses. É assim: “Em primeiro lugar considera-se o ano tropical, aquele que começa em um solstício de inverno (mais ou menos no dia 21 de dezembro para o Hemisfério Norte) e vai até o solstício de inverno seguinte. A maioria dos anos tropicais consegue conter 12 Luas cheias, três em cada estação do ano. Cada uma delas tem um nome específico para a atividade humana da época. Ocasionalmente, temos um ano tropical com 13 Luas cheias, o que significa que uma das estações do ano deverá ter quatro delas, ao invés de três. Nesta estação com quatro Luas cheias, a terceira a acontecer é chamada de Lua azul”, diz o almanaque.
Essa definição começou a se moldar em julho de 1943 em uma coluna de perguntas e respostas da revista Sky & Telescope nos EUA. Laurence J. Lafleur citou o fato de ocasionalmente haver 13 Luas cheias em um ano, mas não disse que se tratava de um ano tropical. Ainda assim, ele não falou nada de duas Luas cheias em um mesmo mês. Mas a vaca foi para o brejo mesmo em março de 1946. Na página 3 da edição deste mês, James Pruett, um astrônomo amador que escrevia costumeiramente para a revista, em um especial sobre meteoros, resolveu falar sobre Luas azuis. Ele repetiu uma conclusão do tal almanaque, que dizia que: “Em 19 anos, sete vezes aconteceu (e ainda acontece) de haver 13 Luas cheias em um ano. Isto dá 11 meses com uma Lua cheia em cada um e um mês com duas”. Mas concluiu erroneamente: “esta segunda Lua cheia do mês, assim eu interpreto, foi chamada de Lua azul.”
Talvez por ser mais fácil de se entender, a própria revista encampou esta nova definição e passou a tratar a Lua azul desta maneira em suas páginas. Na década de 1980, a onda se espalhou e agora não tem mais volta.
Isto não é uma coisa ruim de todo, quantas pessoas aí não acharam que o novo milênio começava em primeiro de janeiro de 2000? Este erro tem sim implicações mais práticas do que confundir uma Lua cheia. Entretanto, uma diferença fundamental pode ser notada das definições. Pelo almanaque, uma Lua azul pode ocorrer em qualquer mês do ano, basta ser a terceira Lua cheia da estação. Pela definição da revista, não é possível que ocorra uma Lua azul em fevereiro e os meses de 31 dias são os mais prováveis de ter uma Lua azul. Isto porque o intervalo de tempo entre duas Luas cheias consecutivas – uma lunação – é de 29 dias – e uns quebrados. Como fevereiro não pode ter mais que 29 dias, não tem jeito.
A Lua azul deste dia 31 de agosto é muito especial. Ela vai acontecer no mesmo dia do enterro de Neil Armstrong, o primeiro ser humano a dar o primeiro passo na Lua – com o pé esquerdo. Será uma boa oportunidade para render uma homenagem a ele. Basta se lembrar de ver a Lua cheia azul, lembrar-se de Armstrong e dar uma piscadela.

Saudades

ter, 28/08/12

por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

“A próxima vez que você der um passeio em uma noite clara e vir a Lua sorrindo para você, lembre-se de Neil Armstrong e dê uma piscadela para ele.”
Essa é uma singela homenagem do blog Observatório ao primeiro homem a pisar na Lua.

As gêmeas da Via Láctea

sex, 24/08/12

por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

A nossa galáxia, a Via Láctea, é de um tipo bem comum de ser encontrado no Universo. Ela é uma espiral com uma barra central. Existe uma certa controvérsia a respeito do número de braços que nossa galáxia possui. Um debate atual, o qual eu participo com alguns resultados, tenta definir se a Via Láctea tem dois ou quatro braços. Estou na turma que defende apenas dois braços para ela.
Mas quando consideramos o conjunto da Via Láctea e suas as galáxias satélites, as Nuvens de Magalhães, temos um sistema triplo, e isso sim é raro. Não havia até agora nenhum caso conhecido, o que não chega a surpreender. Apenas recentemente os astrônomos conseguiram condições para procurar sistemas de galáxias parecidos com o nosso sistema triplo.

Essas condições todas tiveram de vir de uma vez. É preciso ter telescópios bons o suficiente para detectar não apenas as galáxias dominantes, mas também suas companheiras, que são muito mais fracas. Além disso, era preciso olhar em grandes áreas do céu e, mais importante, ter certeza que candidatas suspeitas não passassem despercebidas. Identificar essas candidatas no meio de uma quantidade imensa de galáxias de todos os tipos é um desafio e tanto. Métodos automáticos de identificação são falhos, por melhores que sejam, e olhar uma a uma essas candidatas é praticamente impossível.
Simulações sofisticadas de formação de galáxias não produzem muitos exemplos similares ao sistema da Via Láctea, o que já indica que esta é uma ocorrência rara. Ainda assim os astrônomos não conseguiam quantificar o quão rara é essa configuração. Isso até agora.
Com a descoberta de não apenas um, mas dois sistemas gêmeos da Via Láctea, ficou estabelecido que somente 3% das galáxias parecidas com a nossa tem companheiras como as Nuvens de Magalhães. Várias galáxias possuem satélites menores, mas poucas têm duas galáxias tão grandes quanto as satélites da Via Láctea. De 14 sistemas galácticos parecidos, apenas dois são quase iguais.
De acordo com Aaron Robotham, da Universidade do Oeste da Austrália e líder da pesquisa que identificou as gêmeas da Via Láctea: “A galáxia em que vivemos é bem comum, mas a presença das Nuvens de Magalhães é um acontecimento raro e possivelmente de curta duração. Elas não durarão para sempre e devemos aproveitar o espetáculo enquanto podemos.”
Tanto a Pequena, quanto a Grande Nuvem de Magalhães são visíveis no hemisfério sul e estarão por aqui ainda por alguns bilhões de anos.

Meteoros no fim de semana

sex, 10/08/12

por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

A chuva de meteoros Perseidas começa a atingir sua plenitude neste fim de semana. O seu máximo deve ocorrer por volta das 3h, na madrugada de sábado (11) para domingo (12), quando uma taxa de um ou dois meteoros por minuto é esperada. O problema é que a Lua vai atrapalhar um pouco. Estamos na fase minguante e apenas os meteoros mais brilhantes poderão ser vistos.
Mas como acontece uma chuva de meteoros?
Sempre que um cometa trilha sua órbita no Sistema Solar, ele deixa um rastro de destroços, pequenos pedaços de rocha e gelo. Esse rastro não é exatamente uma linha, nem um caminho estreito. Pelo contrário, os destroços vão se espalhando, ainda mantêm o traçado da órbita, mas lembram muito mais uma nuvem de detritos.
Todas as vezes que a Terra cruza esse rastro de destroços, aumenta o número de meteoros que entram na nossa atmosfera. Em um lugar escuro, é possível observar um ou outro meteoro riscando o céu – as populares estrelas cadentes. Porém, quando a Terra atinge esse rastro, é possível notar muito mais meteoros cruzando os céus.
Neste fim de semana, a Terra cruza a órbita do cometa Swift-Tuttle, e com isso vai “varrer” seus pedaços. Olhando para o céu, os meteoros vão parecer surgir de uma região específica, chamada de radiante, neste caso na constelação de Perseu. Daí o nome de Perseida.
A constelação de Perseu está muito ao norte, portanto quanto mais para o norte você estiver, melhor será para observar. A Terra começa a adentrar a nuvem de destroços já nessa sexta-feira e será possível notar um aumento no número de meteoros cruzando o céu. O máximo é esperado para a madrugada de domingo, mas ainda na noite de segunda será possível observar a chuva.
E como observar os Perseidas? Antes de tudo, procure um local escuro e olhe para o norte – você pode se guiar pela Lua. O norte estará à esquerda e abaixo, quanto mais tarde melhor. Para compor o cenário, lá pelas 3 da manhã, Júpiter estará abaixo e à direita da Lua.
Curiosity
E falando do assunto do momento, o jipe Curiosity pousou são e salvo, conforme você acompanhou aqui no G1. Mas uma coisa tem intrigado. Alguns amigos me perguntam por que a primeira imagem do Curiosity foi uma foto meio tosca de uma das rodas do jipe. Esse é um procedimento padrão para todas as sondas que pousam na superfície de um planeta ou mesmo da Lua. Ela serve para verificar se a sonda – no caso, o jipe – pousou em terreno seguro. Outras fotos subsequentes também focaram o chão embaixo do jipe para verificar se há rochas ou crateras que possam impedir seus movimentos.
Antes de sair para executar sua missão, o Curiosity está passando por vários testes para verificar a integridade dos equipamentos, e ainda vai demorar um pouco para começarem as pesquisas em Marte. Mas ele já mandou muitos dados que estão sendo analisados na Nasa. Pela primeira vez, uma sonda para Marte foi equipada com instrumentos para medir o nível de radiação interplanetária. O intuito dessa pesquisa é justamente verificar a gravidade e as consequências de uma longa exposição a esta radiação no espaço, exatamente a mesma exposição que os astronautas sofrerão durante a viagem quando forem a Marte.

Um guindaste nos céus de Marte

sex, 03/08/12

por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Na madrugada desta segunda feira (6), mais precisamente às 02h31, a Nasa promete pousar, suavemente, o jipe Curiosity na superfície de Marte. Por que promete? Porque o jipe tem o tamanho de uma caminhonete e pesa mais de uma tonelada. Tudo isso após entrar na atmosfera marciana a mais de 21 mil km/h.
Promessa é dívida, mas como fazer com que um jipe do tamanho de uma caminhonete pouse suavemente e não produza uma cratera do tamanho de uma caminhonete? Como fazer o jipe frear de 21 mil km/h para uma velocidade de apenas 2,5 km/h de modo a tocar o solo com segurança?
O processo todo de pouso admite margem de erro zero, segundo Steve Sell, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa e deve durar uns 7 minutos, já batizados de “7 minutos de terror’.  Comandado pelo computador de bordo, o  pouso será assim (esperamos).
A cápsula contendo o jipe adentra a atmosfera marciana e a fricção reduzirá a velocidade de 21 mil para 1.600 km/h. O atrito com a atmosfera fará o escudo térmico da cápsula atingir 2.100ºC, fazendo-o brilhar nos céus.
Quando a velocidade cair, um paraquedas de 20 metros de diâmetro vai se abrir, sustentando a cápsula através de cabos de 53 metros de comprimento.
Nesse instante o escudo térmico será ejetado para longe e finalmente o jipe (ainda preso ao seu módulo de descida) estará exposto, podendo até adquirir algumas imagens da descida. Os radares do jipe vão acompanhar a queda, avaliando a velocidade de descida. Esse paraquedas será o maior e mais forte a ser usado em outro planeta, já que terá que sustentar o tranco produzido na desaceleração, o equivalente a 33 toneladas.
Quando a velocidade cair de 1.600 km/h para 320 km/h, pequenas explosões vão libertar o paraquedas e fazer com que o módulo despenque em queda livre por um mísero e aterrorizante segundo, até que os retrofoguetes sejam acionados. Os foguetes é que vão frear a queda até a velocidade de pouso, tomando uma trajetória lateral que evite que o paraquedas caia sobre o módulo, mas também que o guie para a área de pouso.
Quando o módulo estiver a 20 metros do solo, três cabos de nylon vão baixar o jipe até 7 metros abaixo do módulo, criando um verdadeiro guindaste celeste. Quando o Curiosity tocar o solo suavemente, cargas explosivas vão desprendê-lo dos cabos e o guindaste vai voar para longe, para não cair sobre o jipe.
Complicado e muito arriscado, por que? Porque o Curiosity é o maior e mais pesado jipe a pousar em Marte. As soluções anteriores, como retrofoguetes, airbags e paraquedas não funcionariam nesse caso. A solução então foi combinar vários métodos de pouso e ainda mais, posicionar os retrofoguetes bem longe do jipe, em um guindaste. Isso porque, além de jogar muita poeira nos instrumentos, os retrofoguetes produziriam crateras que o jipe teria de desviar para poder iniciar suas atividades. Haveria o risco dele ficar preso ou se danificar numa delas.
A Nasa preparou uma simulação em vídeo considerada a mais realista já feita: http://www.nasa.gov/multimedia/videogallery/index.html?media_id=146903741 Vale muito a pena, apesar de estar com explicações em inglês. De tão ousado, acho que vai valer a pena acompanhar a descida ao vivo pela Nasa TV!

Agora você vê, agora você não vê.

ter, 10/07/12

por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Já deve ter acontecido com você algum dia. Frequentemente, você vai ou passa na frente de uma loja. Pode ser restaurante, lanchonete, loja de roupas, mas o importante é que ela está lá. Aí, um belo dia, você faz o mesmo caminho de sempre e descobre a que a loja fechou. Simplesmente, de uma hora para outra, sem aviso prévio, ela fecha. Tudo trancado, nenhuma peça de roupa, nenhuma mesa, luzes apagadas.

A primeira pergunta, claro, é: por que? O que aconteceu para a loja fechar assim, de repente? Bom, nesse caso você se conforma, dá até para passar na loja, perguntar para os vizinhos e tal. Mas e quando uma estrela faz isso? Na verdade não é a estrela que encerra suas atividades, é até mais intrigante do que isso.
Em 1983, um disco de poeira ao redor da estrela TYC 8241 2652 foi descoberto pelo satélite IRAS que fez o mapeamento do céu no infravermelho. A poeira absorve a luz ultravioleta visível e a reemite no infravermelho, o que fez com que esse sistema tenha brilhado intensamente durante uns 25 anos. Mas, há dois anos pelo menos, o brilho do disco simplesmente se apagou, restando somente a luz da estrela. Sem mais, nem menos, assim como a loja que fecha sem explicações ou aviso prévio.
A estrela TYC 8241 2652 é uma análoga solar, ou seja, uma estrela com características compatíveis com o nosso Sol. A presença de um disco de poeira numa estrela dessas é indicativa de que um sistema solar está em formação. Ao longo do tempo, é esperado que o disco desapareça, dissipado pela radiação e pelo vento da estrela. Mas esse processo leva centenas de milhões de anos, não acontece numa escala de tempo tão curta!
Então, o que se passa com essa estrela? Carl Melis, da Universidade da Califórnia, autor principal desse estudo publicado na “Nature”, não sabe dizer. É como se uma quantidade de poeira suficiente para preencher todo o espaço entre o Sol e a Terra desaparecesse de repente.
Nem mesmo se a estrela tivesse passado por uma gigantesca explosão, como o nosso Sol passa por vezes, a onda de choque conseguiria destruir ou dissipar toda essa quantidade de poeira. De repente, a fábrica de planetas se fechou. Um fato tão bizarro, que outro autor desse trabalho achou que tinha reduzido os dados de maneira errada.
O fato é que isso nunca tinha sido visto antes, nem estava previsto pelas atuais teorias de formação de estrelas e sistemas planetários. O que fazer, então? Voltar para o escritório e rever as teorias. Agora, elas vão precisar explicar por que isso pode acontecer.

Notícias de Marte

dom, 17/06/12

por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Essas últimas semanas foram recheadas de novidades vindas de Marte, ou de perto do planeta vermelho. Algumas dessas notícias não são muito boas. Vamos a elas.
O jipe Opportunity, em solo marciano desde 2004 teve problemas de comunicação com o controle da missão na Terra. Primeiro, ele não conseguiu contatar a sonda Odissey, em órbita de Marte, que, além de fazer sua própria pesquisa, serve de repetidora de sinais entre a Terra e o jipe. Isso por que uma das rodas de reação do satélite ficou emperrada durante alguns minutos, o que o colocou em modo de segurança. Neste modo, as atividades da sonda são reduzidas ao mínimo possível e os seus painéis solares são apontados para receber o máximo de luz possível para garantir que as baterias fiquem plenamente carregadas. Essas rodas têm a função de manter o satélite apontado na direção correta por meio de sua rotação. Cada vez que é necessário mudar a posição do satélite, as rodas – são três no total, cada uma orientada de 90 graus em relação a outra – giram para determinada direção e o satélite reage na direção contrária. Esse método é muito mais preciso que disparar retrofoguetes e tem a vantagem de usar eletricidade, abundante e renovável, em vez de combustível, que tem uma carga finita.
A Odissey possui uma roda extra para caso de necessidade. Logo, assim que ocorreu a falha, esse estepe foi posto em funcionamento, girando a 5 mil rotações por minuto pela primeira vez desde que a sonda foi lançada, em 7 de abril de 2001. Agora, os engenheiros da Nasa estão caracterizando a sonda nessa nova configuração para que ela possa retomar suas atividades de rotina.
Para complicar a situação, uma conexão alternativa com outro satélite em órbita de Marte, o Orbitador de Reconhecimento de Marte (MRO, em inglês) também falhou. Nesse caso, aparentemente um problema de alinhamento das antenas do jipe e do MRO impediram uma comunicação adequada. Esse desalinhamento também está sendo investigado, pois não deveria ter acontecido.
Restou ao pessoal da NASA fazer uma “chamada direta” da Terra, usando a rede de antenas destinada a rastrear todas as sondas lançadas no espaço. Apesar das dificuldades inerentes a esta forma de comunicação, o jipe parece estar ainda em plena forma. Os dados recebidos indicam que a produção de eletricidade está bastante adequada, mesmo com os painéis solares cobertos por poeira. O odômetro da Opportunity marca mais de 35 km percorridos no solo marciano.
Finalmente, a equipe que controla a viagem do próximo jipe marciano, o Curiosity, anunciou que conseguiu reduzir as estimativas da área prevista para o seu pouso. Isso é de fundamental importância, pois a área escolhida fica ao sopé de uma montanha, que tem uma depressão no terreno. Se o jipe pousar em algum desses lugares, pode capotar ou nunca conseguir sair dessa vala, jogando toda a missão literalmente no buraco. E por que essa região tão complicada foi escolhida para o pouso? Por que ela é interessante do ponto de vista científico, e vale a pena arriscar. Por enquanto é isso.

Perspectiva das galáxias

sex, 15/06/12

por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

À primeira vista, a imagem impressiona: ao que parece, temos uma galáxia passando pela outra. Colisões entre galáxias são eventos relativamente comuns no universo, o post recente “Colisão entre gigantes” mesmo relata um estudo sobre uma colisão envolvendo a nossa própria Via Láctea. Mas a colisão retratada no atual post tem algo de estranho.
Mesmo que uma galáxia bata de frente com outra, o que se observa é que ambas sofrem deformações muito antes da colisão em si. Uma galáxia pode até atravessar a outra, mas não sem perder sua forma original. Tudo culpa da imensa força de gravidade de ambas – uma puxa daqui, outra puxa de lá e as duas vão se deformando como massa de modelar.
Mas então, por que nenhuma das duas parece estar se deformando? Ou pior, como uma das galáxias parece estar deformada no lugar errado? É como se uma estivesse passando dentro da outra, mas apenas a borda se deforma. Como pode?
Muito simples, um truque de perspectiva! E que belo truque!
As galáxias da foto são chamadas de NGC 3314 A e B, sendo A a galáxia vista na frente (com a deformação na parte abaixo e à direita) e B, a galáxia de trás. Mas, voltando ao problema principal, como alguém pode afirmar que as duas galáxias não estão realmente interagindo uma com a outra?
A falta de deformações intensas nas áreas centrais é a primeira pista de que as duas não estão assim tão próximas. Um estudo do movimento de ambas confirma isso e mostra que as duas têm movimentos independentes. Com base nessas medidas (obtidas pelo telescópio espacial Hubble), o time de astrônomos liderado pelo professor William Keel, da Universidade do Alabama, nos Estados Unidos, chegou à conclusão de que as duas galáxias não estão e nunca estiveram em rota de colisão. Mais ainda, as duas estão separadas por dezenas de milhões de anos-luz!
Mas se as duas não estão interagindo uma com a outra, como NGC 3314 A tem essa deformidade tão evidente? Dá para perceber uma “mancha” de estrelas azuis que não seguem os braços espirais da galáxia. A resposta pode ser uma interação com uma terceira galáxia, NGC 3312, vista de perfil, abaixo e à direita, que deve ter passado por perto milhões de anos atrás.
Um alinhamento como esse não só representa um fato curioso, mas também é útil para estudar aspectos da galáxia de trás com detalhes. A motivação desse estudo foi justamente um estudo de NGC 3314 B através da técnica de micro lente gravitacional. Essas lentes gravitacionais são desvios da luz das estrelas da galáxia de trás nas proximidades das estrelas da galáxia da frente, promovendo um efeito idêntico ao de uma lente.

Colisão entre gigantes

sex, 01/06/12

por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

A nossa galáxia, a Via Láctea, pertence a um grupo de galáxias próximas umas das outras. As duas principais galáxias deste grupo são a nossa e Ândromeda, que está a uns 2,5 milhões de anos luz de distância. Além das duas, temos as duas Nuvens de Magalhães (satélites da Via Láctea), M33 (satélite de Andrômeda) e mais algumas dezenas de outras galáxias menores.
Há mais de um século já se sabe que daqui a 4 bilhões de anos haverá uma colisão envolvendo a Via Láctea, Andrômeda e M33, mas os detalhes dessa colisão ainda não haviam sido estudados com muita precisão. Fazer um estudo desses envolve simulações numéricas muito trabalhosas e bastante “pesadas”, falando em termos de recursos computacionais. Além de um grande volume de dados bons, são necessários supercomputadores, ou como é a tendência moderna, “clusters” – termo em inglês para “grupo” ou “aglomerado” – de computadores para processamento. Mesmo assim, essas simulações duram vários dias ou semanas.
Será publicado na próxima edição do “Astrophysical Journal” um estudo desses, baseado em dados do Hubble, mostrando como deve ser essa colisão. Esses dados foram obtidos pela observação de regiões selecionadas de Andrômeda durante cinco e sete anos, segundo Jay Anderson do Instituto do Telescópio Espacial.
Alguns aspectos gerais já eram conhecidos. Por exemplo, não se espera que haja muitas colisões entre estrelas, já que elas estão muito distantes umas das outras. O Sol e o Sistema Solar devem sobreviver a esta colisão. As duas galáxias estão uma indo ao encontro uma da outra, mas Andrômeda está se aproximando 2 mil vezes mais rápido.
Os resultados dessas simulações mostram que, depois do choque em si, as duas galáxias ainda vão levar uns 2 bilhões de anos até que se aglutinem por completo, formando uma única galáxia. Enquanto isso não acontece, Andrômeda e a Via Láctea vão ficar uma passando pela outra, sempre se deformando mutuamente por causa da força gravitacional das duas. As duas deixarão de ser galáxias espirais e se tornarão uma galáxia gigante do tipo cD, que é o tipo morfológico típico de colisões assim. Além de um bojo central, um halo difuso composto principalmente de gás será formado.
Outro resultado interessante mostra que o Sol – assim como todo o Sistema Solar – mudará de posição. Todo o sistema deve ir para regiões mais periféricas da Via Láctea, ficando mais afastado do centro. Mas todo o processo deve levar uns 6 bilhões de anos, e o Sol só deve ter mais uns 5 bilhões de anos de vida. Antes de tudo isso terminar, haverá apenas uma anã branca no lugar. Muito antes disso, daqui a uns 400 milhões de anos, a vida da Terra provavelmente já terá se extinguido, por conta do aumento da temperatura solar. Esse aumento é natural no ciclo evolutivo de uma estrela.
Trânsito de Vênus
Bom, como eu havia prometido, aqui vão alguns links que devem fazer a cobertura do trânsito de Vênus na internet:
Este primeiro tem o charme de ser uma transmissão diretamente do observatório de Monte Wilson na Califórnia. Foi nesse observatório que Edwin Hubble começou a obter os dados que o levariam a propor a expansão do Universo.
Outra sugestão:

O trânsito de Vênus

qua, 16/05/12

por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

No começo de junho, entre os dias 5 e 6, teremos um evento astronômico um tanto raro, conhecido desde o século 17, chamado de “trânsito de Vênus”. O trânsito de um planeta é um evento caracterizado pela passagem de um planeta em frente ao Sol. Seria um eclipse, se o planeta fosse grande o suficiente para tampar o Sol. Trânsitos só podem ser observados na Terra para os planetas interiores, Vênus e Mercúrio, no nosso Sistema Solar, que de tempos em tempos se posicionam entre Terra e o Sol. Sondas afastadas, como a Cassini em Saturno, conseguem registrar mais trânsitos, inclusive da Terra.
Esse evento foi “descoberto” por Johannes Kepler em 1627, com o primeiro evento previsto para 1631. Desde então, apenas seis trânsitos de Vênus foram observados. Demora cerca de um século para ocorrer, daí ocorrem dois eventos espaçados por quase dez anos, e daí leva mais uns cem anos para ocorrer novamente. Tivemos um trânsito em 1882, depois um em 2004 e teremos outro mês que vem. Depois dele, só em 2117.
No final da tarde, no extremo noroeste do Brasil, como no Acre e Amazonas, será possível observar Vênus iniciando o trânsito e só lá. Em em 2117 o trânsito de Vênus não poderá ser observado no Brasil.
(Atenção: quando publiquei este post na manhã desta quarta, coloquei que o trânsito não seria visível do Brasil. Agora, reanalisando o mapa, percebi que o extremo noroeste do Brasil vai poder assistir a entrada de Vênus no disco solar sim, o que torna a minha afirmação anterior inválida. Então fica a correção: no extremo noroeste do país, será possível acompanhar esse trânsito, se as condições climáticas permitirem.)
Em 2125, dia 8 de dezembro, às 11h15, pode anotar na agenda! O trânsito será visível no Brasil.
Trânsitos de Mercúrio são mais frequentes, tivemos um em 2006 e o próximo será na manhã de 9 de maio de 2016.
Os trânsitos de Vênus e de Mercúrio têm sua relevância científica, mas já foram muito mais úteis no passado.  Registram-se os horários de entrada e saída de Vênus, que parece um disco escuro cruzando o Sol, com grande precisão em diferentes posições da Terra. Com essas medidas e o conhecimento dos ângulos envolvidos é possível calcular com boa precisão a distância absoluta de Vênus ao Sol. Nessa época, as distâncias aos planetas era calculada apenas pela terceira lei de Kepler, que dá apenas as distâncias relativas à distância Terra-Sol, chamada de unidade astronômica. Com o valor da distância de Vênus conhecida, todas as outras puderam ser calculadas. Muito tempo depois, com o advento das técnicas de radioastronomia e radar essas distâncias puderam ser obtidas com precisão muito boa.
Hoje em dia, trânsitos de Mercúrio e Vênus são usados para medir, ou ao menos melhorar as medidas do diâmetro solar. Recentemente, um colega meu da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Marcelo Emílio, publicou um estudo desses, usando o último trânsito de Mercúrio.
Vênus também pode ser usado nessa tarefa, mas seu trânsito vai além disso. Mercúrio não tem atmosfera, ao contrário de Vênus. Observando a luz que atravessa sua atmosfera, podemos obter muitas informações, por exemplo, sobre a densidade e o tamanho do particulado suspenso.
Uma outra aplicação dos estudos desses trânsitos é usar suas medidas para quantificar o obscurecimento do Sol, quando o planeta passa na sua frente. No caso do último trânsito de Vênus, esse obscurecimento foi de apenas 0,1%, mas a ideia é obter o máximo de dados possíveis, tanto da Terra, em observatórios situados principalmente no Havaí, quanto do espaço. Até o Telescópio Espacial Hubble pode ser mobilizado para isso, usando uma técnica um tanto bizarra. Como o Sol é muito brilhante para ser observado diretamente por ele e seus instrumentos, a ideia aqui é apontá-lo para a Lua e observar as variações de luz indiretamente. Com esse acúmulo todo de dados – que ninguém sabe ao certo como pode ser usado – as técnicas de descoberta de exoplanetas podem ser melhoradas. Hoje em dia, a técnica mais conveniente de descoberta desses planetas é via trânsitos como esse de Vênus. O satélite Kepler já descobriu uns 2 mil candidatos assim, mas apenas menos de 100 foram confirmados. Um grande problema é diferenciar o obscurecimento, que é originário da passagem do planeta, e o que seria originário de manchas estelares, similares às manchas solares. Esse conhecimento só pode ser obtido de trânsitos como os observados no Sistema Solar.
Infelizmente, não poderemos observar esse trânsito no Brasil diretamente, mas vários sites devem promover uma transmissão ao vivo. Como o evento será visível no Pacífico, essa transmissão deve ocorrer tarde da noite. Assim que eu souber de algum site que vá fazer isso eu aviso aqui.

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